1 Seminário de Direitos Humanos da Baixada Fluminense

Da esquerda para a direita: Fransérgio Goulart, assessor político do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu (CDHNI), Fábio Amado Barreto, do núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública (NUDEDH), Aparecida Alves do CDHNI, Robson Leite, professor e ex-deputado estadual e Pedro Strozemberg, ouvidor externo da defensoria pública.

15 de agosto

Mediado por Aparecida Pontes, do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu, mesa do primeiro dia discute avanços e desafios dos Direitos Humanos.

Críticas à mídia e reflexões sobre a necessidade de uma sociedade solidária marcam primeiro dia do Seminário sobre Direitos Humanos na UNIG.


Apesar do cenário político atual, em que pese a perda cada vez mais significativa de direitos e garantias conquistadas nos últimos anos, o tom dado ontem no primeiro dia do Seminário de Direitos Humanos, na UNIG, foi de reflexão sobre o papel dos DH numa sociedade tão plural como a brasileira, embora críticas também se fizessem necessárias. Presente na mesa “Desafios e Perspectivas” do evento, o membro do Fórum Grita Baixada, o historiador e assessor político do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu, Fransérgio Goulart, iniciou os trabalhos exibindo slides com temas da atualidade, como os recentes protestos racistas da extrema direita na cidade de Charlotteville nos EUA.

 

Goulart expôs suas ideias a respeito da perda de privilégios que norteia alguns discursos que minimizam os avanços sociais obtidos por pobres e negros como o acesso à educação de qualidade, por exemplo. “Os direitos humanos estão ligados a direitos socais básicos, mas por que dizem que direitos humanos são coisa de bandido?”, pergunta o historiador.

 

A mídia hegemônica foi apontada como uma das grandes responsáveis para se dificultar o diálogo em torno de um tratamento mais digno em relação à criminalidade. “A mídia comercial é contra os direitos humanos, pois ela quer nos convencer de que a solução para o crime é a redução da maioridade penal, dentre outras situações”. – explicou Goulart.


Quem também fez duras críticas ao jornalismo como elemento gerador de conflito, especialmente sobre ações e políticas públicas vinculadas aos Direitos Humanos, foi o professor universitário e ex-deputado Robson Leite. Para ele, a mídia é classista ao fornecer narrativas desequilibradas sob o ponto de vista criminal, principalmente se o protagonista de determinada delinquência em pauta for negro ou pobre. “A mídia faz com que a apreensão de um helicóptero com 500kg de pasta base de cocaína de alguém que tem relações políticas com o ex-governador de Minas seja algo normal, mas um adolescente favelado carregando Pinho Sol, confundido com um ativista em uma das
manifestações de 2014, é um terrorista altamente perigoso”, diz Leite. E prossegue. “A mídia constrói na cabeça das pessoas uma desconstrução de importância. Com isso, elas acham que políticas públicas tenham que ser maiores em termos de quantidade apenas na Zona Sul do Rio de Janeiro. E regiões como a Baixada, sejam eternas esquecidas”, argumenta Leite.

 

Segundo o professor, essa lógica do ódio na mídia também pode contribuir para a grande piora do sistema carcerário. “Somos o país que mais prende e o terceiro com a maior população carcerária do mundo. Para frear isso precisamos encarar de frente a questão dos direitos. Achar que o problema de segurança pública é apenas implantar mais polícia é achar que ela mata pouco”, explica.


O defensor público Fabio Amado, citando novamente o discurso do ódio, disse que tal prática tem ganhado capilaridade em todos os países. E elencou os desafios que tentam se sobrepor a uma agenda mais progressista no Brasil: onda ultraconservadora, corrupção desenfreada, ausência de políticas de educação, sistema prisional, conflitos agrários, dentre outros, expondo as problemáticas de cada uma delas em seguida. “Todo esse conjunto de fatores acaba acarretando pouco engajamento da sociedade civil. Nós ficamos acachapados com tantos escândalos em série”, disse. Entretanto, também demonstrou otimismo. Para ele, também houve avanços e mais espaço para as chamadas pautas igualitárias, como o casamento e adoção por casais homoafetivos, a inclusão com pessoas com deficiência, a retirada de milhares de pessoas de extrema pobreza com programas assistenciais e de transferência de renda, etc.

 

Encerrando os trabalhos no meio da tarde, o ouvidor da Defensoria Pública, Pedro Strozemberg, teceu ponderações mais reflexivas sobre a questão dos Direitos Humanos no país. Ele afirmou que é difícil falar de direitos humanos e sua relação com a dignidade num país que não reconhece a dignidade do outro. “Vivemos em uma sociedade em que um punhado de meninos assustam um conjunto inteiro da sociedade. Nós culpabilizamos o menor como sendo responsável pela criminalidade. A solução da vida é a solução pública, é ser capaz de expressar nossas diferenças”, disse Strozemberg.

 

Em seguida, ele conclui exemplificando a separação de classes como mais um ponto a ser questionado. “É compreensível que uma pessoa pobre tenha um tratamento diferenciado em relação uma pessoa rica? Vivemos uma cidadania que nos classifica e categoriza e não nos unifica. Direitos humanos é ter mais compreensão do que somos em sociedade”.

 

1 Seminário de Direitos Humanos da Baixada Fluminense

Da esquerda para a direita: Aércio Oliveira, Coordenador Regional da FASE Rio, Rafael Alves de Oliveira, Procurador Geral do Município de Nova Iguaçu (Mediador), Aline Inglez, Subsecretária de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro e Henrique Silveira, Coordenador Executivo da Casa Fluminense.

16 de agosto

Primeira mesa do segundo dia discute o direito à cidade entre dados e a crise financeira.

O Coordenador da Casa Fluminense e membro da coordenação do FGB, Henrique Silveira, alerta sobre um dado estarrecedor: nenhuma das cidades da Baixada possuem plano de mobilidade.

 

 

O tema da primeira mesa de debates no segundo dia (16/8) do Seminário de Direitos Humanos da UNIG era o Direito à Cidade. Questões sobre mobilidade, saneamento, saúde e pertencimento aos núcleos urbanos não ficaram restritas à suas próprias problemáticas, que perpassam décadas na região. Para que houvesse uma continuidade desses elementos enquanto processos de formação da gestão pública dos munícipios, algo a mais se sobrepôs a tudo isso: a crise financeira que se abateu no Estado. A impressão dada é que o sempre foi considerado irregular agora sofreria uma piora. Foi o que norteou o discurso dos três debatedores da mesa, sempre se cercando de números e dados.

 

Rafael Oliveira, procurador geral do Município de Nova Iguaçu, afirmou que para se realizar um planejamento estratégico sobre saneamento básico na cidade, seria necessário superar os 7% de índice de esgoto tratado na região, considerada por ele “pior do que muitas cidades da África”. A crise financeira, naturalmente, vai refletir nas contas da prefeitura, da cidade e do funcionalismo local. “Em Nova Iguaçu, a atual administração tomou posse com a folha de pagamento dos servidores municipais da gestão anterior atrasada há 3 meses. Como você administra uma cidade com déficit de 150 milhões de reais? Se juntarmos todos os problemas da região metropolitana eles seriam insolucionáveis”. Entretanto, Oliveira afirmou que em tempos de crise é necessário a boa vontade dos governantes.

 

Aércio Oliveira coordenador da ONG Fase, explicou que há uma deterioração dos direitos socais. “É claro que temos problemas de saneamento, mas também tivemos questões envolvendo loteamento aqui na Baixada, o que acarretou numa inconstante política de habitação para amortecer conflitos sociais”, afirmou Oliveira. Segundo o coordenador, a crise econômica estaria forçando o Brasil a viver um processo de “reprimarização” de sua economia. “Voltamos a ser um polo exportador agrário. Quando observamos uma metrópole na Baixada, temos um processo de desindustrialização. É preciso exigir um diálogo com outros setores que estão no cotidiano e sobrevivendo, apesar de toda a precariedade econômica vigente. Essa crise coloca os municípios em grande situação de vulnerabilidade”, argumentou. Segundo Oliveira, o principal problema das cidades não seria apenas a falta de um pacto federativo, mas não haver a previsão de uma reforma tributária.

 

O coordenador executivo da Casa Fluminense e integrante da coordenação do Fórum Grita Baixada, Henrique Silveira, foi o que mais abasteceu sua apresentação com dados e gráficos. “Não poderia me furtar de trazer essas informações complexas ainda mais em se tratando de um território metropolitano composto por 21 municípios e 7 milhões de habitantes”, explicou Silveira. Ele forneceu estatísticas sobre um dos campos de trabalho da instituição, a mobilidade, e o quanto o transporte de cidadãos é uma precarização em franca gravidade. “Há pessoas que gastam mais de uma hora para ir de casa até o trabalho. Em Nova Iguaçu, 39% da população se submete a esse processo, Belford Roxo, 43%, Japeri, 54%, segundo dados do Censo do IBGE de 2010.”

 

Em seguida, forneceu um panorama sobre 7 instrumentos de gestão municipal necessários, segundo a instituição, para a boa administração de uma cidade. Dentre as apresentadas, uma chamou atenção pela completa inexecução em seus municípios. Exatamente a que se referia a (falta de) mobilidade. “Essa falta de planejamento inviabiliza soluções que poderiam ser mais urgentes, principalmente se pensarmos que elas deveriam estar correlacionadas a longas distâncias”, lamentou. Falando sobre desemprego na Baixada, o coordenador afirmou que é tempo de se pensar em alternativas menos tradicionais. “Precisamos pensar em rentes de trabalho nas áreas de inovação e sustentabilidade, como empresas que constroem placas de energia solar, por exemplo”.

 

Aline Inglez, subsecretária de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania, forneceu um balanço das atividades da pasta. Defendeu o direito a moradia, transporte público, liberdade de expressão e a necessidade de se fazer um trabalho intersetorial. Citou a crise econômica e o quanto a  impossibilidade de grandes investimentos deverá impactar na infraestrutura da Secretaria. “Não é uma situação fácil, mas dentro de alguns meses alguns serviços dentro poderão voltar a ter uma certa regularidade e o atendimento será mais qualificado”, disse Aline.  

 

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Da esquerda para a direita: Sandro Luiz do Valle Pereira, delegado da Polícia Federal, Doriam Borges, professor e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, Adriano de Araujo, sociólogo e coordenador executivo do Fóum Grita Baixada, Fransérgio Goulart, historiador e assessor político do CDHNI (Mediador), Ricardo André de Souza, coordenador da área criminal da Defensoria Pública e Robson Barboza, delegado da Polícia Federal

Segurança pública, cidadania e direitos humanos

Mesa que contou com a participação do coordenador do Fórum Grita Baixada, abordou letalidades violentas, sistema carcerário, migração de criminalidade, dentre outros temas


A mesa 2, sobre segurança pública e cidadania, como parte do segundo dia de programação do Seminário de Direitos Humanos da Baixada Fluminense, resultou em dois diagnósticos acerca da violência: um estrutural e outro circunstancial. O diagnóstico estrutural ficou a cargo de uma parte dos palestrantes, que através de uma análise de contextos histórico-sociais diversos, porém interligados, apresentaram uma série de problematizações advindas de pesquisas e levantamentos. E, baseado nesses fatos, propuseram mudanças. Foi o caso de Doriam Borges, professor do Laboratório de Análises de Violência da UERJ, ao iniciar a sua fala.  

 

O pesquisador mostrou informes sobre os homicídios na Baixada entre 2000 e 2016, através de dados coletados pelo Instituto de Segurança Pública, provenientes de operações policiais. O perfil das vítimas de letalidade violenta foi assim desenhado: 90,1% do sexo masculino; 74,2% negros; 52,2% com o ensino fundamental incompleto e 36,7% com até 24 anos. Borges acrescentou que as mortes decorrentes de confronto com a polícia responderam a 64,7% das vítimas com até 24 anos enquanto o percentual agregado para a letalidade violenta contabilizou 34,5% das mortes nesta faixa etária.

 

“Todas essas mortes acontecem por modalidades: confrontos armados, facções, grupos criminosos, atores estatais, políticos... O que difere uma modalidade da outra é a motivação”, explica Borges. A partir daí, ele exemplifica as interconexões existentes e que sustentam a dinâmica dessas mortes, que passa a denominar “redes ilegais de cooperação entre diferentes instâncias”. Entre eles, estariam políticos cujas carreiras decorrem dos votos conquistados pelo controle territorial armado de determinadas áreas da cidade.

Sobre como a juventude das periferias se envolve com a criminalidade, Borges é enfático. “O ponto de venda do tráfico é valioso, por uma questão financeira, de geração de dinheiro e poder. Para isso se tornar uma tentação é porque nessas regiões não existe nada. Em um dos lugares em que visitei, a única fonte de lazer era apenas baile funk, não tinha uma quadra de futebol, uma escola por perto. Esses jovens são invisíveis, sua autoestima é esmagada todo o dia”, conclui Doriam.

 

Robson Barbosa, delegado de Polícia Civil, concentrou-se em fornecer uma amostra sobre os trabalhos de investigação do órgão. “A polícia investigou políticos com ligações com milícias e a migração de criminosos. Houve uma estrutura para tentar evitar a migração de bandidos, principalmente com o surgimento das UPP´s. Não há como acabar com o crime, é preciso ter um sistema penal que funcione”, disse o delegado. Barbosa terminou a sua exposição criticando o sistema de execução penal “que não recupera ninguém”.

 

 

 

O Coordenador Executivo do Fórum Grita Baixada (FGB) trouxe uma perspectiva diferenciada para o Seminário. Primeiro, propôs a problematização dos termos da ideia de “segurança pública”. Primeiro Araujo questionou as associações que fazemos ao pensarmos em segurança. Disse, que da mesma forma que ocorre quando pensamos em saúde nos lembramos de hospitais, remédios e médicos, ao pensarmos em Segurança o que nos vem comumente à mente é polícia, armas, presídios. Araujo argumentou que nossa visão de segurança está vinculada à perspectiva do confronto e da reação e não da prevenção. É uma ótica que tenta apresentar remédios para uma sociedade doente mas que não pensa porque esta sociedade está doente. A forma de olhar o problema diz muito das soluções então apresentadas, normalmente ineficientes, caras e que em certa medida tem contribuindo para mais violências e violações.

 

Num segundo momento Araujo questionou o outro termo: pública. O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada disse que hoje a segurança pública tem se constituído em um dos principais e mais rentáveis mercados. Fonte de disputa econômica de grupos nacionais e internacionais em decorrência do valor de seus insumos e materiais como armas, coletes e tecnologias de dispersão de massas; para além do valor econômico, políticos e gestores ainda usam sistematicamente o discurso do combate à violência como moeda eleitoral e de poder, o que por sua vez garante maior interesse econômico sobre o tema. Lembrou ainda que o Rio de Janeiro está se tornando palco de experimentações de um modelo global de militarização, citando o texto de Thiago Mendes publicado pelo Instituto PACS "Rio, cidade-sede de um modelo global de militarização". Tudo isso nos faz desconstruir a perspectiva de que se trata de segurança pública e sim de um modelo particular de militarização que serve a interesses particulares. Nesse sentido é útil  a leitura da reportagem "Uma em cada quatro empresas de segurança em São Paulo é ligada a policiais" do site Pública.

 

Depois, Adriano de Araujo perguntou a plateia: quem ganha com isso que assistimos diariamente? Enquanto nos digladiamos procurando culpados, enquanto nos dividimos em discursos ideológicos que pouco têm ajudado a cavar fundo, quem de fato está ganhando com tantas mortes? Quem morre nós já sabemos: seja na Baixada Fluminense, seja no Estado do Rio de Janeiro, o perfil majoritário é um só e contra isso não há discursos e ideologias, somente fatos: homens, jovens, negros e pobres, moradores das favelas e periferias da Baixada Fluminense e da cidade do Rio. Sabemos também que os homicídios constituem-se na quinta maior causa de morte entre brasileiros e que entre os crimes contra vida, as mortes decorrentes da intervenção policial aparecem em segundo lugar, acima dos latrocínios e das lesões corporais seguidas de morte.

 

Araujo comentou por fim sobre algumas alternativas e estratégias apresentadas pelo Fórum Grita Baixada na perspectiva da contribuição dos municípios na prevenção e redução da violência.  Citando o relatório lançado pelo FGB “Um Brasil dentro do Brasil Pede Socorro” (disponível neste site) Adriano de Araujo destacou alguns pontos:

 

  • Construção de diagnóstico sobre a violência nos municípios e construção de planos de prevenção de violência: não é possível ter ações eficazes contra a violência sem um diagnóstico preciso. Por exemplo, sabe-se que o aumento dos homicídios ocorre entre sexta e sábado na parte da noite até a madrugada. Quais ações preventivas dialogam com essa tendência?
  • Ativação e fortalecimento dos gabinetes de gestão integrada municipal (GGIM) e de centrais municipais de vídeo-monitoramento.
  • Criação de ações integradas entre as secretarias de assistência social e direitos humanos; de educação; saúde; cultura; esporte, lazer e juventude, que tratem da garantia de direitos e promoção de oportunidades nos territórios prioritários identificados.
  • Fortalecimento de políticas públicas que promovam o protagonismo da juventude.

Vídeo com o Vice-reitor da UNIG, Marcelo Rosa sobre o 1 Seminário de Direitos Humanos da Baixada Fluminense

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Destaque da plateia presente no Seminário

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Mesa Educação, Etnografia e Direitos Humanos

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Secretário Estadual de Direitos Humanos, Átila Nunes apresentando o mapa com as cidades da Baixada Fluminense que possuem secretarias de direitos humanos e aquelas que possuem somente coordenadorias gerais de direitos humanos ou que possuem coordenadorias dedicadas a outras temáticas de direitos humanos (racial, pessoas com deficiência, etc).