13 de junho de 2019 

ARTIGO 

100 dias de Governo Witzel: Cultura e a economia criativa como setores estratégicos para o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro

POR: Fernando Sousa e Gabriel Barbosa

Sócios diretores da Quiprocó Filmes.

 

O que escrever sobre os três primeiros meses do governador Wilson Witzel, considerando o plano de governo e as metas estabelecidas para o setor da Cultura? Ao olhar de forma mais atenta para os temas pautados na série de análises estimuladas pelo Fórum Grita Baixada, inevitavelmente somos provocados a pensar as relações que o setor da Cultura possui com  outros eixos temáticos, tais como segurança pública, transporte e mobilidade urbana, trabalho e emprego, meio ambiente, saneamento básico e infra-estrutura urbana, política pública para mulheres, saúde e educação.

 

A realização de atividades culturais em uma praça pública, por exemplo, pode conferir uma maior sensação de segurança aos moradores que circulam pelo local e o acesso a essa mesma atividade e a outros equipamentos culturais se torna mais fácil se contamos com um sistema de transportes integrado, de qualidade e com tarifas mais baratas para os usuários. As manifestações culturais podem tornar o ambiente escolar mais atrativo para as crianças e jovens, bem como uma referência positiva para a comunidade. Estamos falando de segmentos da economia que demandam mão de obra qualificada e especializada e, por isso mesmo, é fundamental o investimento em educação de nível técnico e superior visando a inclusão de jovens nesse mercado de trabalho, especialmente aqueles oriundos de escolas públicas, negros e moradores de periferia.

 

A economia criativa pode servir como um instrumento de promoção das potencialidades dos jovens negros e de periferia, através de políticas públicas afirmativas que visem a ampliação de oportunidades com foco nos territórios populares marcados pela desigualdade. Da mesma forma, o acesso aos bens culturais pode contribuir com o aumento da autoestima e a qualidade de vida de pessoas idosas, com a geração de emprego e renda. Em suma, a economia criativa e os variados setores da cultura precisam de incentivos públicos e privados.

 

Todavia, o papel secundário ocupado pelo tema da Cultura durante o debate eleitoral de 2018 é um péssimo indicativo. Mais grave ainda, a aparição pontual do tema durante os debates na televisão ficou circunscrito à possibilidade de “tirar jovens da criminalidade”, reduzindo as potencialidades das inúmeras expressões artísticas e culturais, ao mesmo tempo que reforçava os estereótipos que historicamente contribuem para a criminalização dos territórios marcados pela exclusão e pobreza, seja na região metropolitana ou no interior do Estado do Rio de Janeiro. Em nenhum momento do período eleitoral os setores da cultura e da economia criativa foram tratados como estratégicos para o desenvolvimento econômico do Estado.

 

A criação artística e cultural em suas variadas manifestações são atravessadas por processos de deslocamento entre o abstrato e o concreto.  As artes no Brasil encontram sua matéria prima na amplidão de nossa diversidade humana, cultural e social, ainda que essas manifestações sejam marcadas pelas desigualdades de raça e gênero. E não poderia ser diferente no país que ainda convive estruturalmente com o racismo, a violência de gênero, a homofobia, o racismo religioso e tantas outras formas de violência. Rupturas, quiprocós, confusões, festas e conflitos que se manifestam nas frestas dos gestos, cores, sons, cheiros, sabores e tudo mais que provoque os sentidos e as contradições da existência. São várias as maneiras de manifestar a dor, o sofrimento, a alegria, a vida, a morte, a crueza, o escarro amargo do choro sofrido e da luta por justiça, o movimento transgressor e o transcender dos vários povos, climas e modos de vida subvertidos pelas gentes de nossas terras. Projetamos o que somos e o que queremos ser no cinema, no teatro, na dança, no molejo do corpo que balança ao som do funk do Dj Rennan da Penha e do samba de Beth Carvalho. Contamos a história que a história não conta em versos de carnaval e espantamos miséria com festa, como certa vez diria o ilustre compositor Beto Sem Braço.

 

O plano de governo de Wilson Witzel conta com pouco mais de uma página de propostas para a área da Cultura, educação, ciência e tecnologia. Parece redundante, mas, no atual contexto, precisamos repetir que o Brasil é uma fonte inesgotável de matéria prima para os fazeres artísticos. Somos reconhecidos no mundo por nossas expressões culturais, mas, além de demonstrarem a força da nossa identidade, a cultura pode ser entendida como uma indústria que gera emprego, renda e desenvolvimento econômico, como é possível atestar a partir dos dados da economia criativa e do audiovisual. A economia criativa é um setor que agrega mais de 2 milhões de empresas, gera mais de 800 mil empregos formais e injeta cerca de R$ 110 bilhões por ano na economia nacional, o que equivale a 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro[1]. É um setor composto por um complexo arranjo produtivo que perpassa vários segmentos do mercado de trabalho, com impactos significativos na economia nacional.

 

No plano de governo de Wilson Witzel consta a proposta de criação de um “programa permanente de fomento à cultura” e a criação do “Programa de Fomento à Produção Audiovisual do Estado do Rio de Janeiro”, proposta muito semelhante àquela formulada pela Quiprocó Filmes no contexto da campanha Rio Por Inteiro[2]. Em nenhum dos dois casos há detalhes de como essas políticas serão colocadas em prática e muito menos qualquer menção ao Sistema Estadual de Cultura[3] e ao Fundo Estadual de Cultura. Em linhas gerais, observamos que o setor não é tratado como estratégico durante o período eleitoral e que nesses primeiros meses de governo falta transparência e sinalizações claras que apontem para mudanças nas relações estabelecidas entre agentes do Estado, produtores, trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Precisamos de mais compromisso por parte do poder executivo com o setor da cultura e da economia criativa. Resta-nos ter mais informações sobre o significado das poucas propostas apresentadas no plano de governo de Wilson Witzel para a área da cultura e se elas representavam somente um raso "copia e cola" de ideias que há muito tempo fazem parte de um consenso sobre o papel da cultura enquanto forjadora de identidade cultural. O setor precisa ser entendido como estratégico para o estado e reconhecido pela importância que tem para o desenvolvimento econômico e social fluminense.

 

[1] Para mais informações acessar o estudo divulgado pela Firjan, que trata da economia criativa em geral e do setor do audiovisual: https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa.pdf

 

[2]  A Casa Fluminense, a Fundação Cidadania Inteligente (FCI) e seus parceiros da sociedade civil lançaram a Rio Por Inteiro, iniciativa que reuniu organizações e movimentos sociais, cidadãos/cidadãs, propostas e candidatos/as durante as eleições de 2018 em uma plataforma digital construída com base na tecnologia Vota Inteligente, desenvolvida pela FCI e utilizada nas eleições nacionais do Chile em 2017. O objetivo  era promover um movimento da sociedade civil e suprapartidário em torno de propostas capazes de ampliar oportunidades e reduzir desigualdades na região metropolitana do Rio.

 

[3] A Lei 7035 de 07 de julho de 2015 institui o Sistema Estadual de Cultura, destinado a promover condições para a melhor formulação e gestão da política pública de cultura no Estado do Rio de Janeiro.