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03 de abril de 2019

Rio On Watch + Fórum Grita Baixada 

14 Anos da Chacina da Baixada: organizações preparam semana em memória do ocorrido

 

Texto: Originalmente publicado no site de notícias Rio On Watch, com informações atualizadas pela assessoria de Comunicação do Fórum Grita Baixada

 

Fotos: Fernanda Nunes e Fabio Leon

 

O menino Kauan Noslinde Pimenta Peixoto, de 12 anos, morreu após ser baleado durante uma ação da Polícia Militar (PM) na comunidade da Chatuba, em Mesquita, Baixada Fluminense, na noite do dia 16 de março desse ano. De acordo com familiares, os policiais do 20º BPM (Mesquita) entraram atirando no local. Os PMs alegaram, no entanto, que já encontraram o jovem baleado. O que foi pouco divulgado na mídia é que mesmo alvejado com três tiros de fuzil, os policiais algemaram o cadáver do menino. Segundo a mãe, Kauan queria ser policial militar. Durante o enterro, a mãe, que estava sob o efeito de calmantes, passou mal e foi levada à UPA de Nilópolis. Após o enterro, moradores realizaram um protesto, fechando a Rua Almirante Batista, local do assassinato.

 

Juan Henrique Amorim dos Santos, por sua vez, foi assassinado em 18 de maio de 2018, alvejado por um PM à paisana, também em Mesquita, que levantou do bar em que estava e disparou 11 vezes, confundindo uma brincadeira com um assalto. Menos de dois meses antes, Juan havia sido confundido com um assaltante ao correr de uma troca de tiros e passado quase um mês no Degase antes de ser absolvido. Os amigos e membros da congregação evangélica que frequentava protestaram nas redes sociais, alegando a inocência do adolescente.

 

No dia de sua morte, seu amigo Carlos André Santos de Jesus, de 13 anos, com quem estava, também foi atingido pelo policial e morreu uma semana depois. Durante a semana em que Carlos ficou no hospital, sua família chegou a ser impedida de vê-lo, pois o adolescente foi posto sob custódia, devido a um suposto reconhecimento que não foi oficializado da viúva de um policial assassinado e sem que o Ministério Público houvesse emitido ofício. Na hora que o crime ocorreu, o pai estava com o filho em uma aula de futebol a quilômetros de distância. Carlos morreu sozinho no quarto de hospital, pois estava fora dos horários de visita, muito restrito para casos de custódia—limitam-se a meia hora, três vezes por semana.

 

Em 13 de fevereiro desse ano, quatro corpos foram encontrados em Adrianópolis, região rural de Nova Iguaçu e outros quatro, no mesmo dia, em Austin, Nova Iguaçu, dois abandonados embaixo de um viaduto e dois dentro de uma lixeira. Em 23 de março, em Engenheiro Pedreira, distrito de Japeri, foi assassinado mais um político, dessa vez o vereador Wendel Coelho—entre 2015 e 2016, foram 14 candidatos e políticos assassinados.

 

A imagem da Baixada Fluminense no imaginário nacional é de uma região marcada por crimes violentos e pela articulação dos criminosos com a política institucional e com o comércio local. Inserido nesse cotidiano que contribui para a construção de um estereótipo da Baixada Fluminense enquanto conjunto de territórios hostis, nada se compara, em termos de repercussão midiática e de número de vidas devastadas, com o episódio conhecido como a Chacina da Baixada, que em 2019 completa 14 anos.

 

No dia 31 março de 2005, policiais militares assassinaram 29 pessoas e feriram outras duas em diferentes lugares de Nova Iguaçu e Queimados, configurando a maior chacina da história do estado. A motivação envolvia a insatisfação dos policiais com o endurecimento da sua supervisão a partir da troca de comando de vários batalhões da região. Quatro de cinco PMs reunidos em um bar em Nova Iguaçu então deixaram o bar em um veículo e passaram atirando pelas ruas de Nova Iguaçu, executando 17 pessoas. Depois, pelas ruas de Queimados fizeram mais 12 vítimas.

 

Desde 2006, um ano após o acontecimento da tragédia, a ativista Luciene Silva, hoje representante da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense, organiza uma caminhada pela Rodovia Presidente Dutra, percorrendo os locais onde os corpos foram encontrados. A cada parada, uma série de homenagens são realizadas. De uns anos para cá, mais instituições e movimentos têm se somado para prestar solidariedade nesse momento difícil. E não apenas manifestar lamento em relação às perdas, mas para se fazer um trabalho de incidência política junto ao poder público para que episódios dessa natureza não se repitam.

 

Balanço das Atividades

Em 2019, o Fórum Grita Baixada, em parceria com diversas organizações e coletivos, preparou um calendário de atividades, intitulado “Semana em Memória dos 14 anos da Chacina da Baixada: Nossa Juventude Negra Tem Voz“, para além da tradicional caminhada. Esse ano, foi montada uma tenda na praça Rui Barbosa, Centro de Nova Iguaçu, em que representantes das instituições parceiras do FGB se revezaram durante uma semana (do dia 25 a 29 de março) para trabalhos de panfletagem, acolhimento e manifestações espontâneas dos transeuntes, que podiam ser na forma de depoimentos, através de microfone aberto, ou depositar mensagens em uma urna com os dizeres “Coloque Aqui Seu Grito”, sobre seus anseios e desejos por uma Baixada Fluminense mais digna para sua população. Veja os "gritos" da população em gráfico no final do texto 

 

Além disso, duas exibições do documentário “Nossos Mortos Têm Voz”, cuja narrativa explora o relato de mães e familiares vítimas da violência de Estado na Baixada, também ajudaram a fortificar a semana. Uma delas aconteceu na própria Praça Rui Barbosa, onde, pela primeira vez, o documentário foi exibido em local público. A segunda, no auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio, seguido de debate com as presenças do defensor público Daniel lozoya, um dos diretores do documentário, o cineasta Fernando Sousa, Nivia Raposo, ativista da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada Fluminense e Fransérgio Goulart, coordenador do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do FGB. O ponto alto do evento foi a presença de moradores de rua atendidas por um projeto de assistência social da DPE em que relataram denúncias de violações.  

 

A semana também contou com um ato interreligioso, em que sacerdotes de religiões cristãs e de matriz africana manifestaram sua fé na esperança em se diminuir a violência na região. Dom Luciano Bergamin, bispo de Nova Iguaçu, representando a Igreja Católica, esteve ao lado de Conceição D´Lissá, representando o candomblé, e os pastores Jairo dos Santos, Cátia Teixeira e Vladimir Souza, pelas igrejas evangélicas.  

 

Participaram da construção coletiva dessa agenda: Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense – RJ, Rede de Comunidades e Movimento contra à Violência, Fórum Grita Baixada, Pré Vestibular + Nós, Casa Fluminense, Amanhecer Contra Redução, Visão Mundial, Quiprocó Filmes, Levante da Juventude, FASE, Observatório de Favelas, Central Humana de Educação, Formação Alternativa  (CHEIFA), Comitê da Ação da Cidadania – Nova Iguaçu, Cevenb – Comissão Estadual da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil/OABRJ, Fórum de Juventudes RJ, Movimenta Caxias, Monitoramento Jovem de Políticas Públicas, Comunidade Batista em São Gonçalo, terreiro de candomblé Kwe Cejá Gbé de Nação Djeje Mahin, Golfinhos da Baixada, Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, Comissão Pastoral da Terra, Youca Brasil e Redenção Baixada.

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Caminhada também se concentrou no bairro da Gama, em Nova Iguaçu 

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A atriz Juliana França, do Grupo Código, de Japeri, realiza performance contra violência no bairro Cerâmica, periferia de Nova Iguaçu, um dos locais dos 29 assassinatos 

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