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23 de outubro

Produzido pelo FGB, I Seminário de Segurança Pública com Cidadania resulta em

manifesto com propostas para planos de redução de homicídios em Queimados.

 

O Teatro Escola Marluce Ferreira da Cunha foi palco do I Seminário Segurança Pública com Cidadania, organizado pelo Núcleo Queimados do Fórum Grita Baixada, ocorrido na tarde do último sábado (21/10). Diferentes percepções sobre os atalhos que pavimentam a estrada da violência ou os caminhos seguros para evitá-la foram representadas através de críticas, desabafos, performances musicais, oficinas, dados e discursos. Tudo foi pensando para que a cidadania da sociedade queimadense e quiçá de toda a Baixada, fosse a protagonista do evento e prevalecesse sobre o cenário de violência que se abate não apenas na cidade, mas em todos os municípios da região. O evento reuniu desde políticos a acadêmicos, autoridades policiais a especialistas em segurança pública para que fossem apresentadas propostas, iniciativas e soluções para a diminuição de homicídios que vêm aumentando de forma sistemática na região. Após as belas apresentações das cantoras Kaylane Muniz e Joyce, os trabalhos foram iniciados.

 

O prefeito Carlos Vilela, em sua mensagem de boas vindas na mesa de abertura, disse que só a polícia não resolve todos os problemas de uma sociedade. “Desta reunião, quem sabe, não saia uma solução para a crise de segurança pública que se abate no país. O primeiro passo para tudo isso acontecer é o diálogo.”, disse o prefeito. Em seguida, Sônia Martins, da Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Nova Iguaçu, e integrante do Núcleo Queimados do FGB, disse que o conteúdo do seminário seria uma reflexão sobre a violência. “Não estamos aqui brincando de política pública. Precisamos trazer a juventude para essas discussões pois é ela que está morrendo, sendo assassinada. Na violência, não é apenas o gatilho que mata, mas às vezes uma canetada pode ser mais cruel que uma bala. Aqui em Queimados, por exemplo não tem uma maternidade sequer. Isso também é uma violência.”, salientou Sônia. 

 

O secretário de educação de Queimados, Lenine Lemos, afirmou que é necessário que “a prefeitura dialogue com todos os movimentos populares como o Fórum Grita Baixada” e citou a parceria feita com o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas), projeto em que policiais militares desenvolvem cursos de prevenção às drogas e a violência em salas de aula. Segundo Lemos, Queimados já possuiria cerca de 750 alunos inseridos no programa. O delegado da 55ª. Delegacia Legal, Júlio da Silva, disse que a ausência histórica de um espaço democrático de direito estaria levando a política de segurança a outros patamares e ressaltou a necessidade de que a educação e cultura fizessem parte das discussões sobre a violência. “Se o Estado está chegando apenas com a polícia, alguma coisa está errada”, disse o delegado.

 

O tenente coronel Maximiano Brasciani do 24º. BPM elencou as dificuldades operacionais de um batalhão que atende, sozinho, a 5 municípios, incluindo Seropédica, Japeri e Itaguaí, mas afirmou que somente um trabalho de inteligência e sensibilidade para com os problemas sociais da Baixada é que poderiam fazer com que os índices de violência regrassem a niveis mais satisfatórios. A presidente do Conselho Comunitário de Segurança, Alessandra Montalto, afirmou que é necessário que a população se aproxime com mais frequência das discussões sobre segurança pública. “É preciso que nós moradores encaminhemos e as autoridades acolham nossas demandas.”, afirmou.

 

A mesa seguinte, intitulada, “Para Além dos Números”, começou com a palestra de André Rodrigues, pesquisador do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER). Ele afirma que a Baixada vive um novo contexto de organização da criminalidade baseado na premissa de que os assassinatos e homicídios são cada vez mais naturalizados. “Matar é um custo barato. Por isso mata-se mais negros, pobres e favelados. Porque existe um mercado da morte que até nisso privilegia essa casta da população. Quantas dessas mortes são investigadas, qual é o custo processual dessas perdas? É nenhuma porque ninguém investiga”, disse o pesquisador.

 

Em seguida, o major Elias José da Cruz, secretário municipal de segurança de Queimados, afirmou que a população junto com a polícia deve fazer um trabalho de conscientização, principalmente com os consumidores de drogas. “Existe apenas uma minoria desestruturada. A maioria da população é ordeira. É preciso que se pense nas possibilidades sociais dos processos que envolvem a diminuição da violência, como as denúncias. O cidadão precisa de garantias para denunciar os marginais e se sentir seguro”, afirmou o militar.

 

O deputado estadual Zaqueu Teixeira, afirmou que segurança pública e cidadania são temas naturalmente correlatos. Embora tenha sido enfático ao dizer que “não adianta entupir uma cidade com ONG´s e não haver um planejamento na área de segurança, com patrulhamento”. “Queimados ganhou em 2015 apenas 24 policiais. Temos uma grande desestabilidade de permanência das autoridades policiais, gerando uma grande troca de comandos com freqüência e isso é ruim. Além disso, o Estado não faz o devido controle territorial das áreas em que há um nítido aumento da criminalidade.”afirmou o deputado.

 

O coronel reformado da PM, Íbis Silva Pereira, iniciou sua fala na mesa intitulada “Violência: quem sofre, quem causa, quem paga”. Ele descreveu o Brasil como uma das democracias que mais matam no mundo, em função do nosso passado ditatorial com as minorias. Das 50 cidades mais violentas do mundo, segundo Pereira, 46 são da América Latina e 32 delas estão concentradas no Brasil. Em seguida, fez um relato sobre o quão hipócrita é o desejo de paz de tantos em função da permanência de certas políticas que só embrutecem cada vez o sistema. “Se queremos paz, temos que dar dignidade aos internos das prisões. São pessoas que são estupradas, violentadas, pegam doenças. Quando uma sociedade é incapaz de enxergar a si no outro, torna-se a desculpa perfeita para se iniciar a guerra”, afirmou em meio a muitos aplausos.

 

Já o professor José Claudio de Souza Alves, da UFRRJ, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio, uma história da violência na Baixada Fluminense” afirmou que é impossível falar sobre poder paralelo ou organização criminosa sem antes responsabilizar o próprio Estado pela criação desse sistema. “Enquanto não tivermos a percepção de que há prefeitos, secretários, vereadores que são coniventes, tem relação de amizade ou são matadores conhecidos em suas regiões, aliados a outros representantes do poder público que lucram com o tráfico de drogas tanto quanto os bandidos, jamais teremos uma reversão desse quadro”, afirmou o pesquisador.

 

A última mesa, intitulada, “Sociedade e Movimentos: Mobilização e construção de espaços para a superação da violência” contou com a presença do coordenador do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo que falou sobre o plano de redução de homicídios presente na Frente Intermunicipal pela Valorização da Vida FIVV. Antes, porém, ele fez uma provocação que chamou a atenção do público. “Eu queria que vocês dessem uma olhada ao redor na platéia e identificassem quantos representantes da prefeitura ficaram até o final desse seminário. Esse esvaziamento é um sintoma do quanto precisamos ainda caminhar para se consolidar um combate a violência sob a perspectiva da cidadania”. Ele ressaltou que um plano de redução de homicídios não pode pertencer somente a uma determinada política de governo e, sim, a uma política de estado ou de município. Com isso, ela permaneceria se forma obrigatória em vários governos subseqüentes sem a chance de sofrer grandes alterações em função do que executivo determinar o que poderia ser o melhor.

 

O representante do núcleo Queimados do Fórum Grita Baixada, João Goulart, explicou um pouco sobre a história do seminário. “Esse seminário nasceu de um grupo de mais ou menos 35 pessoas. Em 17 de julho desse ano, católicos, evangélicos, mulheres e jovens quiseram conscientizar os problemas relacionados à violência. E para isso precisamos participar dos espaços de construção de estratégias para se pensar a violência enquanto força de mobilização.”, disse João. 

 

O diretor do “Portal Queimados” Ismael Lopes confessou muita satisfação com a repercussão positiva que o seminário obteve. “Durante um dia inteiro conseguimos fugir do discurso do bandido bom é bandido morto. Nós não temos que matá-los, temos que fazer com que eles parem de existir. Pra isso é preciso que a educação se faça presente na vida desses jovens. Mas como faremos isso, se as escolas públicas que deveriam ser um espaço de esporte, cultura e lazer nas comunidades ficam fechadas nos fins de semana. Temos que abrir essas escolas”, disse o jornalista.    

 

Lido pelo estudante Pedro Emanoel Barbosa, membro do Núcleo Queimados do Fórum Grita Baixada, o Manifesto, principal documento do Seminário, faz algumas considerações sobre a violência em nossa cidade e elenca algumas propostas que serão encaminhadas às autoridades, depois do dia 08/11, quando haverá uma reunião do Fórum para incorporar outras contribuições surgidas nas oficinas. Os participantes do Seminário poderão até esta data enviar propostas adicionais pelo e-mail nucleo.fgb@gmail.com

 

LEIA A ÍNTEGRA DO MANIFESTO 21 DE OUTUBRO

 

“A escalada da violência no município de Queimados tem deixado a população assustada; mas não podemos achar que isto começou em 2017.

Existe uma história de violência em toda baixada fluminense, sendo a mais marcante conhecida por  “‘Chacina da Baixada”, que vitimou 29 pessoas no dia 31 de março de 2005.

 

Nos últimos anos,  vimos nossa cidade ser tomada por traficantes e milicianos, chegando ao ponto de se tornar a mais violenta  do Estado.

Vários fatores colaboram para o crescimento da violência, como os vários tipos de preconceito, o feminicídio, a desigualdade social que gera frustração e revolta, a falta de oportunidades de trabalho, ausência de escolas em  tempo integral, a falta de políticas de cultura e lazer para jovens de baixa renda e a revolta pela corrupção que tomou conta do Brasil.

 

Para combater a violência, é claro que precisamos aumentar, com urgência, o número de policiais; ter uma polícia bem capacitada para exercer mais a prevenção do que a repressão; ter policiais bem remunerados, honestos e recebendo em dia o seu pagamento; ter um sistema prisional que recupere as pessoas para o convívio social, e também ter uma justiça ágil e honesta.

 

No entanto, se não mudarmos o quadro social e se ficarmos  pensando apenas em aumentar a repressão;  enquanto não atacarmos as raízes do problema, estaremos apenas realimentando a espiral da violência. É como querer curar um câncer com analgésicos.

Assim, conclamamos os governos municipal, estadual e federal a colocarem o interesse público acima dos interesses partidários e corporativos. É hora de todos se unirem para juntos estabelecermos metas e nos empenharmos para:

 

–  Oferecer vagas em creches para todas as crianças que delas necessitam;

– Criar Escolas de Tempo Integral;

– Promover, com absoluta prioridade, políticas públicas de educação, cultura, lazer, esporte e trabalho para jovens de baixa renda.

– Cobrar das empresas o cumprimento da Lei do Jovem Aprendiz;

– Estabelecer uma legislação para a contratação de jovens aprendizes também no serviço público;

– Instituir nova política de segurança, focada na realidade da Baixada Fluminense, integrada com políticas públicas que promovam a participação comunitária, a geração de oportunidades e a oferta de serviços e equipamentos públicos que assegurem condições dignas de vida aos seus moradores;

– Fortalecer o Gabinete de Gestão Integrada;

– Integrar o governo municipal de Queimados na Frente Intermunicipal de Valorização da Vida;

– Criar ações integradas entre diversas secretarias que tratem da garantia de direitos nos territórios prioritários;

– Exigir dos governos municipal e estadual a criação de programas de redução de homicídios em Queimados e na Baixada Fluminense.

– Criar uma central municipal de videomonitoramento.

 

Elencamos aqui medidas de curto, médio e longo prazos a serem priorizadas tanto pela gestão municipal quanto pelos governos estadual e federal, os quais devem disponibilizar recursos, tomar medidas e realizar as mudanças e reformas necessárias para possibilitar a construção de um caminho que supere o atual quadro inaceitável de desigualdades e violência, comparável a países em situação de guerra.

 

Ressaltamos que os três níveis de governo devem cooperar e tomar medidas urgentes para combater a atual situação de exacerbação da violência e o número diário e alarmante de assassinatos, focando esforços em combater as redes de criminalidade que envolvem não somente os setores marginais da sociedade, mas também a polícia e a política.

 

Conclamamos igualmente aos cidadãos e cidadãs, as entidades da sociedade civil, as empresas a empunharem estas bandeiras e se empenharem em colaborar dentro de suas possibilidades e de sua esfera de poder e de influência, ajudando Queimados a tornar-se uma cidade de paz, justa e sustentável, uma cidade que ofereça qualidade de vida para todos os seus habitantes.

 

Não devemos ficar achando que tudo que vem acontecendo é normal, que não tem mais jeito.

Até quando ficaremos sendo tratados com tanto descaso?

Até quando policiais vão deixar suas casas sem saber se vão voltar?

Até quando assistiremos impassíveis  ao extermínio da nossa juventude?

Até quando seremos  vítimas de terrorismo ?

Até quando vamos ficar reféns de milicianos e traficantes?

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