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Houve extravio, furto e roubo de armamento em 36 dos 56 Batalhões da Polícia Militar do Rio de Janeiro, afirma relatório da CPI das Armas. (Infográfico produzido pelo jornal O DIA) 

13 de novembro de 2018

Aprovado o relatório final da CPI das Armas

Fórum Grita Baixada procura especialistas para debater aprovação do relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito da ALERJ na área de segurança pública

 

A Assembleia Legislativa do Rio aprovou na última terça-feira (06/11), em discussão única, o projeto de resolução 815/2018. A medida contempla o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar denúncias de desvio de armas e munições das forças de segurança estaduais e de empresas do setor feitas através de reportagem do jornal O DIA há 3 anos.

 

O relatório aponta 47 medidas para um controle efetivo das armas e munições. Entre as propostas, destacam-se: a articulação dos Ministérios da Justiça e Defesa para que os dados do Sistema Nacional de Armas (SINARM) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA) sejam interligados e compartilhados; o cumprimento do Estatuto do Desarmamento pelo Exército, e a realização de um trabalho em conjunto da Superintendência da Polícia Federal do Rio, da Polícia Civil do Estado do Rio e do Comando Militar do Leste para a criação de um bando de dados único.

 

Há recomendações para o Governo do Estado e para a Secretaria de Segurança, como a criação de uma política com ênfase na investigação criminal de desvios para abastecer o tráfico de armas, munições e explosivos. Além disso, a criação de carreiras específicas nas agências de inteligência do estado para dar prioridade ao tema.

 

O relatório final também incorpora o projeto de lei 2.966/17, que determina que o Estado inclua nos editais de compra de armas pelos órgãos de segurança uma cláusula que obrigue a colocação de chips nas armas. E que as munições tenham marcação nas cápsulas. As regras valeriam para as empresas de segurança privada.

 

Fórum Grita Baixada procurou alguns estudiosos e pesquisadores, com ampla observação sobre os desafios da segurança pública do Estado do Rio, para comentar o significado de mais essa CPI e as soluções que ela apresenta.  

 

O que especialistas dizem 

O historiador Fransérgio Goulart, coordenador do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do FGB, além de apoiador de diversos movimentos sociais, como a Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense, estranhou o tempo desperdiçado de 3 anos para, finalmente, a Casa Legislativa oficializar uma iniciativa de investigação. Para ele, como muitos parlamentares não obtiveram a reeleição, a criação seria uma jogada para futuras campanhas, já que tal movimento poderia beneficiá-los politicamente. “Outro fator é que esse relatório não tem poder de lei. Nele, há apenas recomendações que são apenas isso, recomendações. Nessa conjuntura, que envolve a “bancada da bala”, além de grupos conservadores, fascistas, como algumas seitas neopentecostais e militares, essas tais recomendações entrarão por um ouvido e sairão pelo outro.”, afirma Goulart. Ele lembra que esse ano foi aprovado pela mesma Alerj um Plano Estadual de Controle de Armas e Munições que dialoga com várias propostas que estão nesse novo relatório. Entretanto, por razões de inconstitucionalidade, o plano não foi adiante já que a legislação para o controle de armas e munições só pode ser normatizada em âmbito federal e não pelo governo do Estado. Apesar disso, ele considera a aprovação da CPI positiva: “Essas decisões legitimam que o Estatuto do Desarmamento já afirmava anteriormente, pois ele aponta que sistemas deveriam controlar as armas e munições”, diz Goulart.

 

Silvia Ramos, coordenadora do Observatório da Intervenção, afirma que armas e munições são  o maior problema de segurança do Rio de Janeiro. “Em pesquisa realizada em março em parceria com ao Fórum Brasileiro e o DataFolha, o Observatório da Intervenção descobriu que 92% da população afirma ter medo de ficar no meio de fogo cruzado ou morrer de bala perdida em operações ou assaltos. Parte das armas e munições que abastecem o mercado dos tiroteios são ilegais. A maioria colocadas nas mãos de criminosos por traficantes ou por desvios das polícias e das Forças Armadas”, diz Silvia. Ainda segundo a cientista política, grande parte das 47 medidas apontadas no relatório final da CPI diz respeito à integração do trabalho de órgãos já existentes nas Forças Armadas, na Polícia Federal e nas polícias estaduais. “Tudo que a CPI determina é factível e não implica em gastos extraordinários. Ela criou um guia seguro que, se comprido, vai dar uma guinada na história de desvios permanentes e cotidianos de munições dos quartéis para as mãos do crime no RJ. É possível estancar esses fluxos e reduzir o tráfico de armas no RJ se forças armadas e polícias cumprirem seus papéis e integrarem esforços”, analisa Silvia.

 

Para o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análises sobre a Violência (LAV) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a criação da CPI das Armas é importante, pois há pouca discussão em relação à quantidade de armamento existente em circulação no Estado do Rio. “Pesquisas mostram que todas as armas que são utilizadas para cometer crimes, anteriormente foram vendidas no mercado legal. Há realmente uma falta de controle. Temos informações que diversas empresas de segurança trabalham com armas desviadas do Exército, de policias militares, e que já estiveram na mão de criminosos. O sistema é um grande queijo suíço, cheio de buracos”, afirma Cano. Ele também critica a falta de coordenação das polícias, a pouca articulação entre policiais e forças armadas e diz que embora haja um certo controle sobre a circulação de armas por essas instituições, considera muito pouco em termos de resultados efetivos. “Em vários Estados, quem faz esse trabalho de fiscalização é a Polícia Federal, mas infelizmente ela sozinha não dá conta. É preciso mais investimentos nesse trabalho de fiscalização, em sistemas de balística que podem identificar, através de diversos parâmetros como o caibre da arma, por onde ela andou, por quais mãos passou. É um sistema caro, porém necessário ”, afirma Cano.   

 

O deputado estadual Flávio Serafini, afirma que a CPI traz um fator fundamental para reflexão. Ao se debater a segurança pública, é necessário pensar como as forças de segurança podem ter maior controle, inclusive sobre suas ações. “Quando as autoridades apostam na política do confronto, vulnerabilizam os policiais, a população, e não conseguem diminuir a violência. Embora uma haja uma necessidade de maior investimento no controle de fronteiras, por exemplo, é preciso que haja uma fiscalização nos armamentos legais, tanto das forças de segurança pública e privada. Em 10 anos foram apreendidas quase 20 mil armas que tinham como origem essas instituições que mencionei. Armas que entraram para fornecer segurança à população, mas que foram parar no crime”, diz Serafini. O parlamentar afirmou que uma das linhas de investigação da polícia no assassinato da vereadora Marielle Franco, ocorrido em abril desse ano, leva a crer que a arma utilizada na execução era de uso exclusivo das forças armadas.  

 

O também sociólogo José Claudio Sousa Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), autor de “Dos Barões ao Extermínio, uma história de violência na Baixada” fornece uma análise bem mais crítica sobre a aprovação da CPI. “Parece ser uma tentativa de proteção e preservação da própria segurança pública, diante de propostas absolutamente estapafúrdias como a liberação de armas para a população, o uso de eliminação e abatimento de pessoas com armamentos sofisticados e o excludente de licitude que será utilizado pela polícia para dar mais letalidade nas suas operações, especialmente em áreas favelizadas, vitimando moradores e principalmente os mais jovens.”, afirma Alves, numa clara alusão ao pacote de medidas na área de segurança proposto pelo governador eleito Wilson Witzel. Ele prossegue afirmando que haverá “manifestações reativas” a essas propostas de governo, em termos do aumento da violência, no descontrole desses armamentos, principalmente num cenário de tráfico de armas. Assim como o historiador Fransérgio Goulart, Alves demonstra preocupação sobre se essas recomendações de fato sairão do papel, pois há agentes de segurança envolvidos nessas questões. Mas também considera a criação da CPI muito bem vinda.    

 

(com informações do jornal O DIA)