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25 de agosto de 2020

Artigo

Distopia Brasileira

por George F. Lau, filósofo e coordenador do curso Vestibular Comunitário Paulo Freire

           

            Daí a Cesar o que é de Cesar. O descortinar do século XXI no Brasil veio revestido de possibilidades e distopias. É lógico que precisamos superar a corrupção política. E surgem heróis\mitos. E o Brasil entra numa plataforma de recuos\retrocessos e medos. O Lulismo em queda - preso para facilitar a Eleição, ou impedido para abrir caminho para o Messianismo de Direita. Como conseguiríamos manter os desmandos e encantos da população com o obscurantismo? A tirania brotou em redes, em academias, em bares, dividiu famílias e abriu igrejas. Como se em algum momento, o Brasil construísse a possibilidade de sermos de fato ‘comunistas’, assim surge o revanchismo. As redes e ruas foram sequestradas – e com eles os livros. O Governo estava pronto mesmo antes de nascer, mas não um projeto e sim muita anomia[1]. Bastava levantar suas estacas do antipoder, da anticorrupção, da família, da propriedade, da proteção, do conservadorismo e do Mercado.   

           

O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece.[2]  E aonde foi parar o intelectualismo?  E isso fere qualquer poder. Existe anseio de uma sociedade sedenta por mais um ‘bode expiatório’. E tudo que ‘sustenta’ o humano de esquerda. A Academia com cursos de Humanas, as igrejas que curam feridas e lutam por justiça, a arte que em sua essência é liberdade, a imprensa que não precisa do culto ao líder. Se formos observar o educador Paulo Freire, que somente pretendia ensinar pessoas simples a lerem a palavra e o mundo, torna-se perigoso aos olhos e ouvidos daqueles que precisam ter a única voz. O plano Paulo Freire é novamente exilado.

           

Cabe às humanas pensar o seu pensar. Pensar em como reagir e agir. O medo não pode nos tornar apáticos. E aí surge a tese do Fascismo – pois esse sistema cala, silencia, prende, oprime e censura. Mesmo que seja apenas para os minions agirem. Cria-se um clima já não muito favorável à cordialidade brasileira. Para se sobrepor é preciso que o “Terraplanismo Cultural” avance. O obscurantismo do ideólogo não é a razão de ser destas coisas. Mas sim, aqueles que colocam em prática. Ele mesmo, como ideólogo, pode mudar seus preceitos e fundamentos fundamentalistas. É lançada a “Era das Fake News - pensar não é preciso”. É a Escola com mordaça, revestida de ‘Escola sem partido. ”  

           

Nos arautos de sua história a Filosofia sabe que veio para incomodar. Assim como a Sociologia. A filosofia vê em seu berço, o escondimento da África, a cicuta de Sócrates e o apedrejamento de Hipatia. A Sociologia, por sua vez, vê o não entendimento de Marx, e o exílio dos Henfil. Ou seja, sabem que incomodam. Sabem que vão demorar a ser discutidas no bar. Mas, mesmo assim - e talvez por isso - não conseguem calar. A Filosofia chega aos filhos novos da elite. Aos pobres é proibido, e o pobre por sua vez versa filosofia e sociologia em seu hip hop funkeado. Mesmo que a agressão venha com o império dos AI’s (Atos Institucionais), aos periféricos só caberá o arroz e feijão do dia a dia mesmo - que é lutar.

           

O dinheiro para a área de Humanas na República das Bananas incomoda. E dizem que é preciso mexer, diminuir, cortar. Será que o dinheiro para as Ciências Humanas é de fato em vão? Gostamos de copiar o ‘primeiro mundo’. Pois bem, o Japão escolheu cortar dinheiro das malvistas áreas humanas, mas, contudo, voltaram atrás dessa decisão. Se o capital para humanas é tão inútil, como formaremos nossos médicos, engenheiros e advogados? Não terão direito à sociabilidade e humanidade?[3] Arrancaremos do ser, a mero pretexto, ‘fundamentalista lógico’ o direito ao conhecimento? Até aonde irá a pedagogia do inferno[4]? Até porque um sujeito que nada tem em mente jamais irá questionar as coisas e o mundo. Ele sempre se conformará com tudo. Como diz a Gazeta do Povo: “A maioria dos cursos de sociologia e filosofia é pública. Já a rede privada domina veterinária, engenharia e medicina."[5]. Pode ser que essa atitude aponte mais oportunidades. Como aquelas que encontramos da Amazônia sozinha se salvar.... No mundo da pós-verdade e negacionismo nunca foi tão urgente reencontrar as Ciências Humanas. Daí a Deus o que é de Deus.

 

[1] Anomia: Émile Durkheim (1858-1917) chamava de anomia [ausência de lei ou regras].... -  Roberto Romano

[2] Carta ao Povo de Deus, CNBB: 2020

[3] Fausto Macedo no  Estadão nos aponta que retirar a Sociologia e a Filosofia do Direito é retirar sua humanidade e de sua criticidade, coletividade. 

[4] Conceito de Roberto Romano em Uol Notícias.

[5] Reportagem citada:  https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/presidente-quer-reduzir-investimentos-em-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-faz-sentido/