21 de novembro de 2017
O percurso de um jovem morador periférico da Baixada Fluminense no ensino superior
Luma S. Miranda, doutoranda em Língua Portuguesa da UFRJ
São muitas as pedras no meio do caminho, parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade, que um morador de região periférica vai encontrar para chegar ao Ensino Superior. Especialmente se esse jovem for morador de periferia da Baixada Fluminense. Sou moradora do Jardim Paraíso, região próxima do Km 32, que fica no limite de Nova Iguaçu com a Zona Oeste. O difícil percurso que muitos jovens enfrentam já começa na própria formação básica que, geralmente, é bastante precária. Além dessa desvantagem na formação escolar, há a falta de segurança, de mobilidade urbana e de acesso a atividades culturais e esportivas que também limitam muitos jovens, em relação ao desenvolvimento de suas potencialidades e interesses.
A minha trajetória desde o ingresso no ensino superior até chegar ao curso de doutorado em Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – avaliado com padrão internacional pela CAPES – contou com muitos apoios que, para jovens de periferia como eu, foram fundamentais para alcançar essas conquistas. Apesar de ter estudado em escolas particulares próximas ao meu bairro durante o ensino fundamental, fui aluna de escola pública durante todo o ensino médio. Devido à defasagem que encontrei pelo caminho – uma falta de professor aqui, outra ali –, optei por cursar um pré-vestibular social no ano em que estava terminando o ensino médio, para me preparar para as provas de vestibular e o próprio ENEM.
Em 2008, recebi a notícia de que fui aprovada no curso de Letras da UFRJ, para estudar português e inglês no campus Fundão, que fica próximo da Ilha do Governador. Hoje, olhando para trás, eu poderia dizer que esse acontecimento foi um grande passo em minha vida; mas, na verdade, foi um grande salto de crescimento pessoal e profissional para um mundo em que o aprofundamento de saberes exige muito do estudante, como não poderia deixar de ser. Assim que ingressei no primeiro semestre de 2008, recorri à bolsa de assistência estudantil para custear meus gastos na universidade. Além disso, dentro da UFRJ, há outros tipos de bolsas que os alunos têm direito a concorrer, desde a moradia no próprio campus da universidade até bolsas de monitoria das disciplinas. Ao longo do curso, decidi dedicar meu tempo não só com as disciplinas do curso de Letras, mas também com a experiência de Iniciação Científica que permite ao aluno conhecer o trabalho de pesquisador, isto é, um cientista especializado em algum tema dentro de uma área específica. O auge dessa formação é tornar-se doutor, ou seja, submeter-se ao processo de doutoramento que, no Brasil, dura quatro anos.
Por isso, posso afirmar que a experiência com a pesquisa ainda na graduação foi determinante, para que eu almejasse ingressar no curso de mestrado e, posteriormente, no de doutorado. Quando terminei a graduação, participei do processo seletivo de mestrado em Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da UFRJ e obtive aprovação. Tive direito à bolsa de mestrado do CNPq por ser uma das primeiras colocadas na lista de classificação final dos candidatos aprovados. Mais uma vez, optei por me dedicar inteiramente a essa experiência de mestrado que dura dois anos. Esse é um passo inicial importante para a formação de um pesquisador. No meu caso, ingressei no mestrado em Língua Portuguesa, para me especializar na área de Fonética Acústica que estuda fenômenos da fala.
Após a defesa de mestrado em 2015, ingressei no curso de Doutorado em Língua Portuguesa na UFRJ. Mais um passo importante para a realização de um sonho, ou seja, uma formação mais completa de pesquisador especialista na minha área de pesquisa. No mesmo ano, trabalhei como professora de Língua Portuguesa e Literaturas no Colégio Pedro II, que também foi um marco na minha carreira como professora do ensino básico público e de qualidade. Em 2016, no segundo ano de doutorado, tornei-me bolsista pela CAPES, o que permitiu com que eu pudesse trabalhar, de maneira exclusiva, com a minha pesquisa que trata da relação entre o reconhecimento perceptivo de sentenças do português brasileiro pelo canal auditivo e pelo canal visual.
No início de 2017, realizei o estágio de doutorado no exterior – também conhecido como doutorado sanduíche – na Holanda, por um período de quatro meses, financiado pela CAPES. A escolha pela universidade de Tilburg, na Holanda, aconteceu por causa de um convite de um professor de lá que veio ao Brasil em 2014, para chamar doutorandos interessados em formar parceria com as pesquisas desenvolvidas nessa universidade. A experiência no exterior enriqueceu minha formação como pesquisadora, não só em relação ao meu tema de tese, mas também em relação a outras áreas interdisciplinares (Psicologia, Computação e Inteligência Artificial).
Além disso, viver num país como a Holanda, com altíssima qualidade de vida, também transforma a nossa percepção sobre a difícil realidade em que vivemos. Em comparação com a Holanda, o Brasil tem um longo caminho para melhorar a educação, por exemplo, uma vez que aqui o professor não é valorizado em termos de remuneração e de reconhecimento social. De um modo geral, o interesse em conhecer outras culturas também nos faz crescer no âmbito pessoal, por aprender a conviver ainda mais com aquilo que é diferente.
Na minha trajetória, é importante frisar o apoio financeiro que existe dentro da universidade pública, nesses quase 10 anos de formação na UFRJ, para que o estudante universitário possa se dedicar exclusivamente aos estudos. No entanto, o número de bolsas nesses programas de pós-graduação não é suficiente para atender toda a demanda de estudantes. Por isso, existe uma alta competitividade em relação às bolsas de mestrado e de doutorado. É preciso ter muita disciplina e dedicação aos estudos, se você quiser aprofundar sua formação no ensino superior.
Para finalizar, eu não poderia deixar de mencionar que o motor que impulsionou essa busca por um aprofundamento na minha formação foi o forte desejo pelo saber, pelo conhecimento, que sempre nutri na escola. A convivência com professores qualificados ao longo de toda minha graduação na UFRJ me inspirou a continuar seguindo em frente. Pedras no meio do caminho, todos, de alguma maneira, irão enfrentar. Porém, não podemos perder de vista que a decisão de trilhar esse caminho já provoca uma grande mudança pessoal. E isso pode servir de inspiração para muitas outras pessoas que também são moradores da periferia da Baixada Fluminense.