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30 de setembro de 2020 

ARTIGO 

Reeducar Sim, Armar Pra Quê? Os Caminhos da Socioeducação

Por Carlos André M. Santos, conselheiro da Casa do Menor e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

 

Nesses anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as medidas socioeducativas têm se efetivado como realidade em vários municípios, de diferentes estados brasileiros. A execução delas, norteada pelos parâmetros do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) mostra-se como prática viável e eficaz para a responsabilização dos adolescentes em conflito com a lei.

 

Bem executadas, têm mudado o rumo da vida de inúmeros adolescentes, além de modificar o quadro de violência urbana do qual eles participavam, como autores, mas, principalmente, como vítimas. Para que as medidas socioeducativas fossem estabelecidas como o modo de responsabilização dos adolescentes que cometeram infrações, foi necessário um longo caminho. Posteriormente, em 2006, o SINASE estabeleceu as diretrizes para o funcionamento e execução das medidas socioeducativas. Quero aqui lembrar que medidas socioeducativas não são somente a internação do adolescente em conflito com a lei. Vamos dar uma olhada no artigo 112 da lei 8069/1990 do ECA:

 

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições

 

Gostaria de chamar atenção que o artigo da referida lei estabelece internação somente após cinco outras possibilidades e mesmo assim a internação é com o cunho educacional. Então pela lógica, quando você arma um agente socioeducativo ou transfere o mesmo para a segurança pública, não estamos educando ou reeducando o adolescente, simplesmente estamos punindo e não responsabilizando o mesmo pelos seus atos.

 

Muito triste para um Estado não conseguir oferecer novos caminhos para os filhos do Rio de Janeiro. Aliás, se percebe que todo um trabalho preventivo não foi realizado para que esses adolescentes em conflito com a lei não chegassem a internação. Complicado quando não encontramos autoridades que não são comprometidas com a vida, preocupando-se apenas em resolver o problema de uma geração de adolescentes que não conseguiram dar conta das suas realidades, porque não foram acompanhados como deveriam, pois o Estado ausentou-se de suas comunidades, deixando crianças e adolescentes às margens da sociedade e expostos a qualquer tipo de violências. Esse mesmo Estado que deveria cuidar é o mesmo que não consegue fazer o “dever de casa”e deixa nossos adolescentes em equipamentos que deveriam devolvê-los para a sociedade com outras posturas e até mesmo com projeto de vida para uma pós-internação.

 

Na votação da PEC 33/2019 ocorrida no dia 29/09/2020 muitos deputados citaram as palavras “marginais” e “bandidos”, referindo-se aos adolescentes em conflito com a lei. Que eu saiba ninguém nasce bandido ou marginal. O que dizer, então, de quem saqueia os cofres públicos constantemente, não cumpre promessas de campanha, deixando o povo abandonado e punindo esse mesmo povo com propostas parlamentares sem sentido? Desconstruindo o que, ao longo da história, foi erguido com o trabalho de pessoas públicas realmente comprometidas com a população?

 

Não poderia terminar esse artigo sem mencionar tantas instituições da Baixada Fluminense que fazem tantos trabalhos de resgate, acolhendo e reeducando tantos adolescentes dos nossos territórios periféricos mesmo na invisibilidade. Precisamos, urgentemente, traçar novos caminhos para a questão da socioeducação no Estado do Rio de Janeiro e, com certeza, não é intimidando com armas ou qualquer forma de violência psicológica. É preciso, sim, fazê-los buscar a dignidade e a possibilidade de se tornarem cidadãos de fato. Afinal antes de mais nada, os adolescentes em conflito com a lei são seres em desenvolvimento que têm como referência os adultos. Ou salvamos nossas crianças e adolescentes ou em breve colocaremos todos em depósitos humanos.

 

Infelizmente, no inconsciente coletivo ainda se tem a ideia que punir é o caminho para resolver a situação dos adolescentes em conflito com a lei, percepção herdada há alguns anos com o Código de Menores, que criminalizava adolescentes pobres simplesmente por transitar livremente nas ruas de suas comunidades, cujo fato em si já caracterizava uma situação irregular. Pobres de nós adultos que produzimos uma geração de sonhos roubados quando não sabemos ao certo como reeducar sem criminalizar. Os espaços do DEGASE devem ser espaços de recomeço e não de punição.