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Exibição do documentário na Comissão de Participação Legislativa na Câmara dos Deputados

14 de junho de 2018

Da Baixada Fluminense para a Capital Federal 

Fórum Grita Baixada, Centro de Direitos Humanos, Rede de Mães Vítimas da Violência da Baixada Fluminense

e Quiprocó Filmes apresentam a parlamentares propostas de superação à violência em Brasília 

 

 

O documentário “Nossos Mortos Tem voz”, produzido pela Quiprocó Filmes, em parceria com o Fórum Grita Baixada e Centro de Direitos Humanos, foi exibido no dia 05 de junho, a audiência pública “Violência do Estado contra Jovens Pobres e Negros”, promovida pela Comissão Especial de Participação Legislativa da Câmara dos Deputados, em Brasília. Após a sua exibição, houve composição de mesa em que foram expostos os contextos de violência por que passa a região e salientou-se a importância de mudanças urgentes na legislação. Dentre elas, a criação de uma Semana Nacional dedicada às vítimas da violência de Estado (leia as propostas ao final do texto).

 

Autos de resistência e desaparecimentos forçados

A primeira a falar foi Luciene Silva, da Rede de Mães Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense. Ao responsabilizar o Estado pela matança de quase 30 pessoas, no episódio conhecido como a Chacina da Baixada, ocorrida em 2005 nas cidades de Nova Iguaçu e Queimados, em que seu filho Rafael também viria a ser assassinado, a ativista afirma que existem brechas nas estruturas possibilitando que agentes de segurança cometam crimes e permaneçam impunes. E mesmo assim são pouquíssimos casos investigados. “Se não são matadores, têm a conivência do Estado para matarem. Uma das maiores demandas que temos é relativa à famílias que tiveram parentes assassinados em confrontos ou executados, além dos casos de desaparecimentos forçados. As mortes e as execuções vêm sempre com a justificativa dos autos de resistência e das associações ao tráfico, sempre legitimado pela guerra às drogas. Em sua maioria, esses autos de resistência são, na verdade, execuções sem defesa, além dos desaparecimentos.”, diz Luciene.

 

Ela afirma também que existem “justificativas” apresentadas por justiceiros para que as mortes encomendadas ganhem uma espécie de aceitação social. “Eles falam que estão limpando as ruas, que bandido bom é bandido morto, que estão trazendo segurança à população. É uma forma de legitimar a “limpeza”. A sociedade é conivente. Os políticos, poder público e judiciário são coniventes. Os policiais também são vítimas desse Estado. É a polícia que mais mata e mais morre no mundo, mas eles não têm o direito de achar que podem fazer justiça com as próprias mãos. Quantos jovens esses policiais mataram antes da Chacina? Quantas famílias eles destruíram?” pergunta a mãe.

 

Violência de Estado

Em seguida, o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, fez uso da palavra. Para ele, o que a população da Baixada presencia diariamente, em termos de contextos de violência, é uma repetição de fatos que ocorrem desde há muito tempo Situação essa permitida pelo poder público ao longo dos anos. "Nós estamos diante de uma cultura de violência na Baixada que se manifesta desde a década de 1960. Temos prefeitos, deputados, vereadores que fomentam esses grupos de extermínio, esquadrões da morte e milícias e currais eleitorais.

 

Araujo esclarece que há uma distorção conceitual relativo ao termo “poder paralelo”, mesmo entre a mídia. “Poder paralelo vem sendo usado para expressar erroneamente a presença de grupos armados, seja da milícia, ou do tráfico em territórios abandonados pelo Estado, sendo que aqueles grupos cobririam algumas das lacunas deixadas por este último. Em primeiro lugar, tais práticas criminosas não ocorrem sem o devido acordo entre grupos ilegais e os agentes públicos do Estado. A presença de vereadores e prefeitos da Baixada com grupos criminosos só reforça a perspectiva de que não se trata de um Estado paralelo, mas, antes de tudo, como defende o professor José Claudio Alves, é o próprio Estado por meio de seus agentes públicos que encontram-se imbricados nessa lógica e nessas práticas criminosas”, explica o coordenador do Fórum Grita Baixada. 

 

“Outro aspecto que merece nossa atenção são as páginas de Facebook que recebem e anunciam as pessoas marcadas para morrer. Milicianos também alugam ou vendem terras do governo federal. Então podemos observar uma conivência do Estado com essas práticas criminosas feitas à luz do dia. Nós, do Fórum Grita Baixada denunciamos de todas as formas, através de publicações, relatórios, grupos de trabalho. Esse documentário é mais uma forma de constranger e denunciar os poderes públicos. Entretanto, pelo número de chacinas que ocorrem diariamente e durante tantos anos, nós moradores não temos muita perspectiva sobre quaisquer mudanças nesse cenário, pois só o que vemos é a multiplicação desses grupos de extermínio”, diz Araujo.  

 

CPIs das Milícias e das Armas

O Diretor de Nossos Mortos Têm Voz, Fernando Sousa, destacou a fragilidade de iniciativas como a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Milícias, em 2008, que trouxe poucos resultados para se desmantelar tais grupos, apesar de ter sido um marco ao fornecer a exata dimensão de suas influências nos poderes estatais. Segundo reportagem do jornal O Globo, o relatório da CPI, apresentado em novembro daquele ano, listou 8 policiais civis, 67 policiais militares, 3 bombeiros, 2 agentes penitenciários, 2 militares das Forças Armadas, 5 militares de órgãos não-identificados, além de 130 não-policiais ou militares, indiciando um total de 226 pessoas, incluindo 2 deputados estaduais e 7 vereadores. “O relatório tinha 58 propostas para impedir o avanço das milícias, mas nada foi feito”, diz Fernando.

 

Avançando um pouco no tempo, ele faz uma comparação entre a atuação da recente intervenção militar federal no Estado do Rio e os resultados considerados muito aquém do esperado pelas autoridades para impedir o avanço das milícias nos últimos anos. “O que a intervenção nos apresenta em termos de investigação sobre a atuação de políticos ou do poder judiciário na organização e estruturação dessas milícias? São resultados muito pífios. Ela invadiu um pagode em Santa Cruz, prendeu 150 pessoas, que já foram acusadas de pertencerem às milícias, sem qualquer tipo de investigação prévia, simplesmente porque estava lá”, diz Sousa.

 

O diretor também teceu duras críticas a uma outra CPI, a das Armas, que também poderia ser um avanço em termos de políticas de segurança mais progressistas, mas novamente se esgotou sem demonstrar o seu potencial. “A CPI chegou a conclusão de que cerca de 70% das armas em circulação (de forma ilegal) provém de instituições de segurança pública que tiveram o armamento e as munições furtadas, inclusive com a conivência dos agentes. E, ao mesmo tempo, há deputados da chamada “Bancada da Bala” que são apoiados por empresas como a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) que é a quarta maior produtora de armas do mundo e que financia muitas campanhas políticas para que os cidadãos se armem cada vez mais”.  

 

Silêncio, dor e invisibilidade das mortes

O professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José Cláudio Souza Alves, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio, uma história de violência na Baixada”, também entrevistado no documentário, iniciou sua explanação explicando a dinâmica que estrutura politicamente as milícias. “Elas estão mais aperfeiçoadas e organizadas em termos de controle político, econômico, social e cultural na Baixada. Vivemos sobre os ditames de uma geração de pessoas ligadas a segurança pública que silenciaram centenas de mães e cuja dinastia culminou com a eleição do governador Sérgio Cabral, que fez das execuções sumárias uma de suas plataformas de segurança pública. Ele propagou essa lógica”, explica Alves.

 

Ele retrata as diversas formas de crueldade que se instalam nas mães após a perda brutal de seus filhos. Não bastasse os assassinatos em si e as circunstâncias das mortes, elas sofrem vários tipos de represálias morais em suas comunidades. “Elas são silenciadas de tal forma que as mães acreditam que o filho mereceu ser morto, embora, apesar de terem cometido delitos, crimes, em alguns casos, não merecessem morrer daquele jeito. Muitas mães não são capazes de falar, de compor nenhum movimento. Simplesmente desapareceram, são invisíveis”, diz o sociólogo.

 

Segundo reportagem do site Nexo Jornal, 88 comunidades são controladas atualmente por milícias no Rio de Janeiro, de acordo com levantamento do Ministério Público Estadual. Em 2010, esses grupos controlavam 41 delas. As milícias extorquem as populações desses locais, das quais cobram por suposta segurança, comissões ilegais sobre venda de botijões de gás, água, TV a cabo ilegal, ou “gatonet”, e transporte. Esses grupos também estão envolvidos na grilagem de reservas ambientais pertencentes à União, extração de pedra e saibro nessas áreas, venda das terras com registro legal, venda de material de construção, e construção de imóveis. Milícias também atuam em casos de furto de petróleo cru que passa pelas tubulações da Petrobras após extração na costa do Rio de Janeiro.

 

 

É preciso se debruçar nas raízes do problema

Por fim, Sonia Martins, representando o Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, afirma que o documentário, ao retratar de forma tão incisiva narrativas tão duras, descortina um lado sombrio não apenas da Baixada, mas do Brasil. Ela também uma vítima da violência do Estado, teve um sobrinho assassinado em outubro do ano passado em circunstâncias muito parecidas com as do filho de Luciene. “O ventre que gerou esse país foi o ventre do extermínio. Os grupos-alvos são os mesmos há séculos; negros, índios e pobres. Por que será? E essa população é a mesma que vai eleger aqueles que a extermina”, afirma Sônia.

 

Ela reforçou a cobrança geral da mesa, de forma que os poderes constituídos no Congresso Nacional demonstrassem mais seriedade na condução de proposição de políticas públicas para as minorias. “Se estamos aqui hoje é porque aceitamos a possibilidade de se construir brechas mínimas nessa casa e estabelecer parcerias para se combater a cultura da violência. Mais do que a proposição de um projeto de lei para a criação de uma Semana Nacional de Vítimas da Violência de Estado, essa Casa precisa se debruçar nas raízes desse problema. Eu peço a vocês que não durmam, enquanto a gente, de forma conjunta, não estabelecer possibilidades de repensar e recriar condições para que essas pessoas saiam do campo da sobrevivência e possam, de fato, viver”, encerrou Sônia, muito aplaudida.

 

O que os congressistas disseram

Os parlamentares componentes da Comissão Especial de Participação Legislativa da Câmara teceram comentários sobre o documentário Nossos Mortos Têm Voz. A deputada federal Luisa Erundina afirmou ser um milagre as mães possuírem ânimo e força para conduzirem seus trabalhos de militância. “Vocês possuem autoridade como ninguém sobre o protagonismo de vocês nesse filme. Esse grito precisa ser ecoado para todos os cantos”, afirmou. Ela demonstrou entusiasmo para articular essas e outras políticas públicas. “Queremos colocar o nosso mandato a disposição dessas lutas. Construímos um projeto de lei subscrito pelos movimentos aqui presentes e que contemple todos os aspectos que vocês identifiquem. Inclusive medidas de reparação dessa violência cruel. Existem muitas formas de poder dentro do Estado, mas nenhum deles se equivale ao poder popular.”, disse Erundina.

 

Já o deputado Chico Alencar afirmou ter sido uma audiência pública singular e inédita. “Vocês trouxeram algo que entra pouco na Câmara dos Deputados. Ele revela uma realidade cruenta, abominável e secular e um Estado que representa setores dominantes, insensíveis e promotores da matança, para manter a sua exploração. Soma-se a isso o compromisso heroico de vocês, especialmente Sônia e Luciene que são protagonistas dessa dor e dessa esperança. Quero dar sequência a essa boa cruzada.”, disse o parlamentar.

 

Segundo o deputado, que falou com exclusividade ao FÓRUM GRITA BAIXADa após o encerramento da audiência, a aprovação de uma Semana Nacional das Vítimas de Violência do Estado no Congresso Nacional seria rápida e de forma suprapartidária, embora reconheça que haja alguns percalços no caminho. “Precisamos de uma nova política de drogas, metas de desarmamento efetivas, uma política de segurança pública preventiva, de inteligência, além de uma reformulação profunda das polícias comunitária, de proximidade, do sistema penitenciário. O problema é que, na atual composição, tanto do Senado, quanto da Câmara, essas pautas apresentadas por nós, inclusive materializadas em forma de projetos, são barradas e muitas vezes retiradas da ordem do dia, apesar de serem aprovadas em regime de urgência. Então para ser bem realista, na Câmara dos Deputados, por mais civilizatórias e humanistas que sejam, essas pautas são emperradas. Talvez com uma nova composição do legislativo, o combate a essa violência assassina seja feita de forma mais efetiva. Até lá vamos insistir, persistir e não desistir”, esclarece Alencar.

 

O terceiro deputado federal a falar foi Alessandro Molon. Considerou a ideia da Semana Nacional das Vítimas da Violência um avanço, embora considere estratégica a insistência em se conversar com as prefeituras da Baixada Fluminense. Para ele, os poderes executivos municipais devem assumir a sua parcela de responsabilidade na condução de políticas públicas progressistas. “Segurança Pública não é assunto apenas de polícia ou secretarias. É preciso investir em iluminação, escola em tempo integral, cultura, lazer, geração de emprego e renda. Não se pode mais repassar a responsabilidade apenas para o governo do Estado. É preciso lembrar que as prefeituras têm mais 3 anos de mandato. É possível fazer muita coisa nesse tempo”.

 

O deputado Glauber Braga, que conduziu a audiência pública, comentou ser um ponto de reivindicação comum a quase todas as falas: a de investigar as mortes provocadas pelos autos de resistência com aprovação de um projeto de lei específico para o assunto. Segundo o parlamentar, a proposta estaria pronta e em vias de ser encaminhada para o plenário da Câmara, mas há dificuldades com que ela seja pautada. “A partir dessa audiência, poderíamos ter uma manifestação contundente desta Comissão de Participação Legislativa mostrando o que foi aqui retratado, pedindo para o presidente da Casa coloque isso em pauta. Ele tem a prerrogativa regimental para que isso aconteça”, disse Braga. Além disso, ele pediu para que os integrantes da Comissão verificassem como o processo de tramitação para se criar o Fundo de Amparo de Apoio às Vítimas da Violência.

 

Em seguida, Braga, retomando argumento feito pelo coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, sobre as ameaças de milicianos feitas pelo Facebook, deixou em aberto que poderia haver uma posição formal da Comissão para que, dentre outras providências, notificar a rede social em relação a essa denúncia.

 

 

 

Propostas feitas

 

Adriano de Araujo, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada apresentou um sumário de medidas necessárias para a reversão do quadro de violência. 

 

 

  1. Política de inteligência de desarticulação das milícias e investigação de seus braços políticos, financeiros

 

  1. Compromisso do Estado brasileiro em reduzir a letalidade policial. No Rio temos uma polícia extremamente violenta que continua matando, especialmente na Baixada e nas favelas cariocas.

 

  1. Necessária melhora das taxas de esclarecimento dos homicídios

 

  1. Fortalecer e assegurar as medidas de restrição das armas de fogo e evitar o lento e gradual desmantelamento do Estatuto do Desarmamento

 

  1. Adotar uma nova e moderna política de drogas, política esta que proteja os que são atingidos pela violência sistêmica do mercado de droga. Hoje a guerra às drogas só produz mortes e não reduz nem de perto a vultosa economia da produção, transportes, e consumo das drogas.

 

  1. Repensar o atual modelo de policiamento ostensivo e pré-preparado para o confronto. Uma repressão qualificada e inteligente é um dos caminhos para se diminuir a a letalidade policial

 

7. Reduzir o encarceramento e investir em penas e medidas alternativas.

 

VEJA TAMBÉM 

 

ANÚNCIO DA EXIBIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO NOSSOS MORTOS TÊM VOZ EM BRASÍLIA

 

LANÇAMENTO DE NOSSOS MORTOS TÊM VOZ EM NOVA IGUAÇU

 

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Deputado Glauber Braga (de terno azul), professor de sociologia José Cláudio Souza Alves (terno preto)

e Fernando Sousa, um dos direitores do filme

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Deputados federais Alessandro Molon e Luisa Erundina, presentes à Comissão