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27 de outubro 

Debate urgente e necessário

Seminário promovido pela Diocese de Nova Iguaçu elabora discussões sobre a descriminalização de substâncias ilícitas e a diminuição de homicídios na Baixada.

 

Em uma iniciativa considerada ousada e inovadora, a Diocese de Nova Iguaçu, pela primeira vez em sua história, abriu suas portas para que especialistas e ativistas que discutem suas defesas em relação a descriminalização e legalização de drogas, como efeito direito de uma possível redução de homicídios em favelas e outras periferias do Rio, expusessem suas ideias do ponto de vista social, legislativo e acadêmico. Intitulado Seminário Política de Drogas: um debate necessário, o evento foi protagonizado pela Diocese em parceria com o Centro de Direitos Humanos e o Fórum Grita Baixada.   

 

O coordenador do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, foi o mediador das duas mesas do dia. A primeira foi dividida em duas falas, “Diferença conceituais: descriminalização, liberação e legalização e a atual política de drogas” que contou a participação da professora de direito penal e criminologia da UFRJ, Luciana Boiteaux e a segunda fala sobre “A interface sobre a atual política de drogas e a política de segurança – Comércio mundial de armas e drogas e sua relação”, com oficial reservista da Polícia Militar, coronel Ibis Pereira. Antes de começar os trabalhos, Araújo fez uma breve introdução sobre o tema de Política de Drogas.

 

Ele leu algumas considerações em relação a Lei 11. 343/06, para muitos “uma das grandes responsáveis para o aumento da população carcerária no Brasil”. Na leitura, constata-se que, em 2005, 9% dos encarceramentos em todo o país eram relacionados com entorpecentes. O número saltou para 28% em 2014. “Na teoria a lei endureceu a pena para os traficantes e abrandou para usuários. De fato, a grande novidade trazida pela lei (...) foi distinguir a maneira de tratar traficantes e usuários. Entretanto, essa distinção não é objetiva. Na prática deixa nas mãos do juiz (ou policial) decidir em que categoria de crime será enquadrado.”  Em seguida deu-se a fala da professora Luciana Boiteaux. Veja trechos.

 

A política de drogas no século XX  

“Negociações políticas e diplomáticas criaram a chamada política proibicionista. Nunca ouve um estudo sobre quais substâncias deveriam, de fato, ser proibidas. Não houve nenhum congresso com especialistas que qualificassem essas a periculosidade desses produtos. Por outro lado, essa política de proibição que temos hoje é muito parecida com o que já existia nos EUA na década de 1960. É a ideia de proibir, criminalizar e colocar a tarefa para a polícia reprimir. As campanhas eram: ´as nossas crianças estão morrendo e temos que decretar uma ´guerra contra as drogas”. Mas é uma guerra contra as pessoas. O lema era não use drogas, você será preso. Todos acharam que essa política de drogas daria certo. Houve, então a dicotomia: substâncias ilícitas e lícitas, como o álcool que, pela perspectiva da saúde, é lícita”.  

 

Mudanças na legislação

“Quem arquitetou a guerra às drogas tinha as melhores das intenções. Na percepção de guerra você não constrói um diálogo com o inimigo. Daí vem a ideia de que o traficante pode ser morto. A ditadura militar veio em 1976 com uma lei de drogas. Trinta anos depois, em 2006, tivemos um avanço no governo Lula, houve uma visão mais humanista em relação ao usuário. Hoje há penas alternativas. O usuário tem direito a acesso a tratamento. Ele precisa urgentemente de ajuda do estado. Mas entendeu-se, também, que havia penas muito brandas para o tráfico. O governo pensa assim: vamos endurecer a pena para o traficante e facilitar o tratamento, mas não conseguimos fornecer amparo jurídico e legal aos traficantes de pequeno porte. Os milionários que transportam meia tonelada de cocaína por helicóptero não precisam, pois já são privilegiados. A guerra às drogas não consegue frear o consumo. Pelo contrário, ele só aumenta. A lógica do inimigo não deu resultados. Diversos investimentos possibilitaram uma polícia mais armada, para combater mais, porém criou-se um paradoxo: há mais investimentos na militarização do que na saúde. Foi o mesmo tipo de erro que ocorreu nos EUA, que criou as mais vigorosas leis como a Lei Seca, na década de 1930, mas não conseguiu proibir o consumo de álcool”.

 

Humanizar para não matar

“O usuário precisa de apoio da família, das igrejas e também do Estado. Precisamos de uma política de drogas humanitária. Precisamos dar uma política de acolhimento, moradia, processos terapêuticos. O perfil do traficante preso é formado por jovens flagrados com quantidades irrisórias. Pessoas sendo presas com 1g de cocaína. Não se prende quase ninguém com porte de arma, com quantidades que a lei determina. Essa conversa precisa encontrar eco nas políticas sociais. Se não agirmos de outra forma, só teremos mais violência, mais gente presa, mais mulheres presas. E quem vai cuidar desses filhos? É um mecanismo geracional. Precisamos passar pela experiência estatal de legalização, liberar a maconha, mas também precisamos de políticas de prevenção. Precisamos salvar esses jovens. Estamos gastando fortunas com armamento”

 

Em seguida, o coronel Ibis teve a palavra. Eis um resumo

 

Autoritarismo e violência

“Temos um passado violento, somos uma região periférica do capitalismo. Sobra dinheiro para pagar dívida interna, os credores internacionais, os bancos, mas não sobra nada para políticas públicas que poderiam ser a solução para se pensar em impedir a violência e o massacre de nossa juventude. Temos uma população carcerária de quase 1 milhão de pessoas, atualmente temos 700 mil presos. A grande maioria dos crimes que resultam nessas prisões são: homicídio doloso, latrocínio e mortes que decorrem de conflitos contra a intervenção policial. Em números absolutos, nenhuma democracia mata mais que a nossa. Nenhuma polícia mata mais do que a brasileira, em relação a países tão violentos quanto o nosso como Honduras e Venezuela”.

 

Cooperação entre instituições

“As polícias brasileiras não fazem parte da solução, fazem parte do problema. É preciso que se faça uma reforma sobre o sistema de segurança pública no país. Temos dificuldades em trocar informações e dados entre as instituições. Não há na Constituição nenhuma cláusula que obrigue a troca de informações entre as instituições de segurança. Temos o SIGMA, por exemplo, que não dialoga com mais ninguém”.

 

Quem morre pelas armas de fogo

“A Baixada Fluminense e a região metropolitana do Rio de Janeiro são os territórios onde mais se matam no país e não temos um plano de redução de homicídios. Cerca de 56% das vítimas que são assassinadas têm entre 15 e 19 anos, 76% entre 20 e 24 anos. A Polícia Federal fez uma pesquisa em 2012 e chegou a conclusão de que existem, pelo menos, cerca de 16 milhões de armas em circulação que não têm nenhum tipo de controle. E quem vai ser vítimas dessas armas? O negro e o pobre. As armas vendem bilhões de dólares de maneira ilegal. Mas ninguém se interessa em saber como se inicia essa circulação. O Brasil é o maior fabricante de armas do mundo. Só no Rio de Janeiro tem 14% das armas ilegais apreendidas no país. Num país em que 60 mil pessoas morrem por armas de fogo por ano, armar mais a população seria mais um massacre. É preciso flexibilizar o controle dessas armas.”

 

Durante a sessão de perguntas, a assessoria de comunicação do Fórum Grita Baixada fez a seguinte pergunta para o Coronel Ibis.

 

FGB - Como a sistematização desses dados pode ser compartilhada de forma segura entre as instituições de segurança? E como esse compartilhamento de informações pode funcionar de ordem prática para a proposição de uma segurança pública mais eficaz, inteligente. Existe a possibilidade de a maquiagem desses dados interferirem nesse trabalho conjunto das instituições?

 

Coronel Ibis - Há, por enquanto, alguns movimentos. Um decreto poderia regulamentar algum tipo de  estatuto. Com isso, haveria a possibilidade de saber onde a munição está sendo direcionada, distribuída, pra qual batalhão, com qual quantidade. As pessoas acreditam que estar armado resolveria o problema da criminalidade, mas esquecem que isso resolvesse o problema não teríamos tantos policiais mortos. Precisamos de informação, pois o que acontece é uma irracionalidade. Pra piorar a situação, muitas armas são apreendidas no Brasil, o país vende e retornam pra cá de forma clandestina. Precisamos melhorar os mecanismos. Toda a legislação que controla as instituições de segurança é anterior a Constituição de 1988 e, portanto, é preciso mudanças. A Policia Militar tem computadores jurássicos apesar de termos investido mais de R$ 50 bilhões nos últimos 10 anos. Temos que investir mais em Tecnologia de Informação e menos emprego ao uso da força”.

 

Logo após iniciou-se a segunda mesa de debates. Ricardo André de Souza - Subcoordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública Estadual falaria sobre a descriminalização das drogas. Leia trecho de sua fala.

 

Legalização e processos

“Existem certas filigranas jurídicas de que a ideia de liberação é errada. A liberação precisa estar em um debate mais preciso, através de uma liberação ampla. A polícia no Brasil funciona na base do flagrante e nunca na investigação. Que apenas 5% dos processos judiciais são investigados, é verdade. Mas também se verifica que essa porcentagem processual é formada basicamente de pretos, pobres e favelados. O que é lícito ou ilícito não é uma lei que determina, mas uma portaria da Anvisa que aplica na lei o que é coisa ilícita, como a maconha. Quem regulamentou a ilicitude de uma droga ilícita não foi a justiça e, sim uma autarquia que, entre outras atribuições, determina se um restaurante vai funcionar ou não de acordo com suas condições de higiene.

 

População carcerária

“O último levantamento através do Instituto de Segurança Púbica (ISP) em 2016, apontava 51 mil presos para apenas 27 mil vagas. Isso quer dizer o seguinte: os níveis de encarceramento não resolvem os problemas da segurança pública e são caros em termos de investimento. Substitui-se os presídios por cadeias públicas, mas servem apenas para superdimensionar a quantidade. As duas últimas unidades prisionais foram feitas em São Gonçalo em 2013. Cada uma delas custou R$ 30 milhões e têm capacidade para 800 vagas. Para promover um desafogamento mínimo do sistema, seriam necessárias a construção de mais 30 cadeias ao custo de mais de R$ 1 bilhão. As prisões trouxeram também um outro número recorde em 2017: 163 mortos apenas no primeiro semestre. São mortes por doenças como tuberculose, HIV e doenças de pele que se agravam, excetuando-se as outras mortes circunstanciais. Isso não ajuda em nada a ressocialização. Estamos prendendo, matando e apenas isso”.

 

Em seguida, foi a vez do delegado da Polícia Civil Orlando Zaccone. Leia trechos de sua fala:

 

Proibicionismos

“Ele começa no marco religioso. Quando Confúcio proíbe o comércio do ópio na China, a Inglaterra e a França declararam guerra ao país, pois ela proibia o livre comércio entre as nações. Quando falamos de cerveja, por exemplo, embora haja uma série de moralismos, especialmente cristãos por trás disso, nós não podemos ignorar o fato do quanto essa droga lícita contribui para a sociabilidade nas festas de 15 anos. Mas existem pessoas que não se encaixam nesse padrão, que são os alcoolistas e a partir daí entramos na questão dos vícios. O grande encarceramento da população pobre é desproporcional, pois o viciado não provoca dano a ninguém a não ser a ele mesmo”.

 

Cultura do cânhamo

“A cultura vai transmitindo formas de uso dessas drogas na sociedade. Pode ser fazer óleo combustível com maconha, roupas, shampú. As velas de navegação da época do descobrimento, por exemplo, foram feitas do cânhamo, que é uma fibra da maconha. Falávamos de vício, mas a sociedade também produz as suas próprias esquizofrenias: podemos importar o canabidiol, remédio cuja base é a maconha para tratamento de câncer, que é importado e pagamos uma fortuna, mas nós que produzimos hectares de maconha não podemos comercializar.

 

Mais violência

“O tráfico encarcera muito mais mulheres agora e elas não são presas violentas. Uma mulher foi enquadrada com 500 g de maconha na época em que eu era delegado em Seropédica. Mas se for pra  prisão já vai pegar uma condenação de, no mínimo, 5 anos confinamento. Só 8% dos atos infracionais por menores de idade são de casos violentos. Quem vai pra prisão é o menor com radinho, com pipa, o “estica”. A Anistia internacional pesquisou 20 países em que há a instituição da pensa de morte. Em um ano esses países registraram 685 mortes. A polícia no Brasil, no mesmo período, e em apenas dois estados, Rio de Janeiro e São Paulo registrou 976 mortes. A maioria dos inquéritos sobre auto de resistência são arquivados pois basta para os policiais dizerem que agiram em legítima defesa. E essa justificativa sempre se dá em comunidades faveladas, nunca em bairros ricos ou de classe média. O morto é sempre investigado e nunca é o policial que mata. Setores da sociedade aplaudem e defendem que a polícia seja assassina, mas desde que atinja somente àqueles que estejam socialmente desprotegidos”.

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