26 de novembro de 2024 
Entrevista do mês: Fabiana Silva 
"A BRANQUITUDE É QUEM DEVERIA FALAR SOBRE RACISMO E NÃO NÓS"
Fórum Grita Baixada conversa com a ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que faz um balanço às vésperas de completar um ano à frente do órgão.  
  
O acesso à Justiça, quando analisado sob a perspectiva racial, revela profundas desigualdades que afetam a população preta, pobre e periférica no Brasil. Em um sistema judiciário tradicionalmente elitista e predominantemente branco, a discriminação racial surge tanto na ausência de representação adequada quanto no tratamento desigual às pessoas negras. Esse cenário é especialmente evidente na Baixada Fluminense, região onde a população periférica enfrenta uma crescente criminalização de seus territórios. 

 

Em 4 de dezembro de 2023, a Defensoria Pública do Estado do Rio, através da sua Ouvidoria, passou a ter, pela primeira vez em sua história, uma mulher ocupando o cargo de ouvidora-geral da instituição. Negra, periférica e pedagoga, natural de Bangú, Fabiana Silva, de 42 anos, foi eleita pelo órgão para ficar à frente da Ouvidoria até o final de 2025. 

 

- É uma honra ser a primeira mulher ouvidora-geral da Defensoria. Acredito que poderei contribuir para a  defesa do acesso à justiça e da promoção dos direitos à população. Pretendo fortalecer a presença da instituição nos territórios da região metropolitana e no interior do Estado, além de defender as demandas apresentadas pela população e buscar construir um espaço junto aos movimentos e organizações sociais — ressaltou Silva, na época. 

 

Cria, por quase duas décadas, do Parque das Missões, favela de Duque de Caxias, foi lá que idealizou e coordenou por 10 anos a ONG Apadrinhe um Sorriso. Através desta iniciativa, Fabbi ofereceu às famílias e as crianças, rodas de leitura, atividades culturais e, não em raros momentos, ajuda com cestas básicas e atendimento de necessidades diversas do território. 

 

No Mês da Consciência Negra, a luta por equidade e contra a exclusão racial no acesso à justiça reafirma a sua urgência em transformar o sistema em um espaço verdadeiramente democrático e acessível, que represente e atenda às demandas de toda a sociedade, especialmente das comunidades historicamente marginalizadas.

 

Entrevista a Fabio Leon 

 

Que balanço você faz desse quase 1 ano à frente da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do RJ? 
Tá sendo bem desafiador e solitário. É a melhor definição que eu posso dar. Porque são múltiplas agendas. Eu trato de assuntos relacionados desde a defesa do consumidor à famílias privadas de liberdade. Eu não trabalho só com a região metropolitana, eu trabalho com o Estado como todo. Então têm as demandas individuais e coletivas que chegam até a Ouvidoria. E o desafio é lidar com tantos atravessamentos, o que torna o trabalho ainda mais complexo. E ao mesmo tempo, estar dentro de uma estrutura que ainda encontra muita resistência sobre o papel que Ouvidoria cumpre, sobre o que a gente faz ali. Existe, ainda, uma dificuldade de entender que a Ouvidoria não está ali cerceando o defensor público na sua prática jurídica, até porque a gente não tem essa atribuição. Mas, sim, qualificar o que esse  servidor está entregando para a sociedade civil, para as pessoas usuárias da Defensoria, tanto nos atendimentos individuais quanto nos atendimentos coletivos. Mas também é muito bom, pois está sendo um aprendizado. Eu que dialogo sobre políticas públicas estou aprendendo muita coisa.

 

Como esse título de ser "a primeira mulher negra e periférica" a assumir esse cargo recaiu sobre você? Como você internalizou isso? 
Eu, na verdade, fico preocupada. Porque eu não quero ser a única preta nesses espaços. Eu acho necessário a gente criar possibilidades de formar novos protagonistas, para que, lá na frente, quando essa cadeira não for mais ocupada por mim, a gente tenha ali, no futuro, pessoas que não serão "a primeira ou a segunda" mas, sim, a continuidade de um projeto, de uma Ouvidoria que seja cada vez mais parte do povo. Que tenha uma ligação diretamente com as vozes que a gente representa. Até porque a Ouvidoria é a voz do povo dentro da Defensoria. Queremos mais ouvidores e ouvidoras mulheres cis, trans, homens trans, enfim, mais pessoas do público LGBTQIAPN+, indígenas, quilombolas.  Porque esse espaço precisa ser ocupado por essas pessoas. Hoje eu sou a primeira, mas eu espero não ser a única, não ser a "cota". 

 

Você é pedagoga e trabalhou como articuladora territorial na favela do Parque das Missões, em Duque de Caxias. Como essas experiências te moldaram enquanto Ouvidora? 
Durante 16 anos, realizei um projeto social lá que foi o Apadrinhe Um Sorriso. E essa experiência lá, na Casa Fluminense e no próprio CAPS Paulo da Portela me trouxeram um olhar sobre a necessidade de se pautar políticas públicas a partir da gente. Porque nós sabemos as respostas para as dificuldades, dores e ausências que nos atravessam. A gente já vem, há séculos, pensando e produzindo tecnologias sociais para lidar com a ausência do Estado. Então toda essa minha história com educação popular e em defesa dos direitos humanos, me possibilitou ter um olhar mais diferenciado sobre o trabalho que a Ouvidoria faz. Eu entendo que o ouvidor é um sujeito político dentro daquela instituição. Ele agrega determinados valores que dialogam com a instituição em si. Por exemplo, hoje eu tive uma reunião sobre super endividamento por causa desses joguinhos online. Eu não tô falando de algo que não me atravessa, porque eu conheço pessoas que estão ficando super endividadas. E não é uma galera com dinheiro, é o trabalhador mais pobre, é a mulher que ganha Bolsa Família, é a dona da birosca ali da esquina. Por mais que hoje eu não resida mais no Parque das Missões, eu tenho contato com essas pessoas no grupo do WhatsApp. E aí quando começo a pensar estratégias, de olhar para as agendas, nós concluímos que o que precisa ser trazido para a Defensoria não é nada aleatório. Porque essas agendas, de alguma forma me atravessam, seja a questão dos PCDs (Pessoas Com Deficiência) ou os neuro divergentes. A gente está falando agora sobre a unificação do passe para portadores de deficiência. Eu tenho duas afilhadas PCDs. Uma com deficiência motora e outra com deficiência auditiva. Por ser mulher, eu sei a necessidade de se ter espaços como os CIAM´s (Centro Integrados de Atendimento à Mulher), de uma delegacia especializada pra pessoas de terreiro. Eu sei a importância de se ter diálogo sobre o combate à intolerância religiosa e ter dentro da Defensoria ações efetivas de combate ao racismo religioso. Como sabemos disso? Porque a gente é representante dessas pautas dentro da instituição. Não estou falando que os defensores não sejam, mas ali eles estão em outro lugar. Eles estão no campo jurídico e eu tô no campo de articulação para que esse fazer jurídico produza resultados concretos para quem busca o serviço da Defensoria. 

 

O que você considera como maior desafio para mulheres negras que ocupam cargos de liderança em instituições públicas?
O racismo. 

 

Não importa o cargo...
Vou trazer uma experiência. Fui numa reunião no Ministério Público. A primeira coisa que eles me perguntaram era se a "minha  defensora pública geral", que é a pessoa que coordena toda a Defensoria "sabia que eu estava ali". Jamais iriam perguntar isso para uma pessoa branca, para um homem. Esse tutelar do fazer, da prática de uma mulher negra nesses espaços ainda é muito difícil. Isso também demonstra o completo desconhecimento sobre o papel da Ouvidoria. Eles acham que a gente é subordinado à gestão, mas eles não entendem que a Ouvidoria é um órgão auxiliar da gestão. A gente não está ali pra fazer um favor, nós estamos ali enquanto um processo de melhoria para qualificar o serviço que é entregue. 

 

Que alianças ou aproximações com coletivos pelos direitos da população negra foram feitas pela Ouvidoria? 
A Ouvidoria é a representação desses grupos dentro da instituição. Então, pensando nos quilombolas, no Movimento Negro Unificado, olhando para as pautas e pensando na cultura no direito à vida da população negra e da população indígena também, trazemos esse olhar sobre as comunidades tradicionais por meio das formações que a gente aplica. Essa galera toda tá dentro da instituição e não somente como uma parceria que só vive a partir de discursos. É uma parceria de prática mesmo, de construção de trabalho. Se a gente hoje consegue ter dentro da estrutura da Defensoria, uma Ouvidoria que é muito aberta ao diálogo, que tem parcerias institucionais fortes, é porque essas pessoas vêm alimentando um projeto de uma Ouvidoria cada vez mais fortalecida. Não existe mais a possibilidade de pensar a Defensoria sem a Ouvidoria. Até porque a gente já mostrou que pensar políticas públicas com a sociedade civil produz respostas mais efetivas do que pensar políticas públicas de uma forma vertical. 

 

Quais os avanços você presenciou na Defensoria em termos de inclusão racial e social, e o que ainda falta ser feito?
A defensoria faz parte de uma estrutura. Uma estrutura racista. A sociedade é racista e a Defensoria faz parte dessa estrutura. Mas avançamos muito também. A Defensoria tem hoje o NUCORA (Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial), a COOPERA (Coordenadoria de Promoção da Equidade Racial) para desenvolver políticas de enfrentamento ao racismo, tanto dentro como fora da instituição. Estamos monitorando as questões raciais para concursos públicos, para as cotas raciais, para programas de enfrentamento ao racismo. Hoje temos um quadro muito mais diverso por conta das cotas.  Neste último concurso entraram oito pessoas negras. Ainda não conseguimos agregar  pessoas indígenas, ciganas, caiçaras. Mas nesse lugar, pessoas negras estão entrando na estrutura. Parece pouco, de um total de 38 novos defensores, só temos sete negros. Temos também uma defensora que entrou que é cadeirante. Mas é um avanço. Se compararmos com o concurso de 2019 para a Defensoria, que foi um escândalo, porque não entrou uma única pessoa negra, hoje em dia não tem mais isso. A gente vê que houve uma mudança e um compromisso para que essas mudanças continuassem acontecendo. A minha equipe é  formada majoritariamente por pessoas negras, havendo apenas 3 pessoas brancas dentro de um contingente de 22 pessoas. Temos duas pessoas trans, uma branca e uma negra não binária, que também é PCD. Mas é importante frisar que a gente gostaria de ver essa diversidade também se materializando em outros órgãos do sistema de justiça. Entretanto, eu acho que teve muito mais avanço do que retrocessos. 

 

A sua gestão à frente da Ouvidoria trouxe alguma metodologia de trabalho própria que se diferenciasse das outras gestões?  
Como sou pedagoga e cientista social, e não do direito, meu olhar é bem diferente. Eu acredito em processos formativos para conseguir lidar com ausências. As pessoas precisam conhecer seus direitos para conseguir acessá-los. Isso significa ter olhar sobre a equipe. A Ouvidoria não é uma ouvidoria de gabinete, mas o gabinete precisa refletir a qualidade do serviço que a rua também vê. Ela se divide entre o trabalho que você conhece, que é essa movimentação externa, e o trabalho interno que é a qualificação do serviço que é entregue para os indivíduos que vão buscar assistência e não encontram ali. E sabe que pode contar com a gente ao fazer sua reclamação ou levar suas sugestões. Poucas pessoas conhecem esse "feijão com arroz". Ficam muito mais evidentes os grandes projetos, as grandes entregas. Mas se essas entregas internas não acontecerem, e são justamente elas as mais desafiadoras, não conseguiremos cumprir com o nosso papel. A minha formação, tanto em pedagogia, quanto em ciências sociais, traz esse olhar sobre a aplicabilidade de políticas públicas. Quando eu falo sobre o impacto da violência nos territórios de favela para as crianças, eu não tô pensando somente nos impactos locais causados pela falta de aulas. Eu tô pensando em segurança alimentar, em desenvolvimento psicossocial, saúde mental, no desenvolvimento escolar dessa criança ou desse jovem. Eu não tô pensando somente no número de dias sem aula, que é impactante. Mas o que esses dias sem aula significam ao se materializar dados sobre esses territórios. Então, é pensar para além dos dados oficiais quando falamos em segurança pública. Quando a gente fala sobre racismo ambiental eu, enquanto cientista social, não olho somente para o impacto ambiental. Eu penso nas pessoas que estão sendo impactadas. Na questão da economia, por exemplo. Quando você tá ali combatendo o incêndio florestal, você tá mobilizando todo um efetivo para poder fazer aquilo tudo e é tudo dinheiro gasto. Eu acho que se a gente for, efetivamente, construir processos de prevenção, a gente não vai precisar judicializar lá na frente. Porque a judicialização pode e deve ser a opção final a ser apresentada. Fortalece o diálogo de uma construção efetiva para uma escuta mais empática, uma oitiva que direcione, que traga respostas reais para as pessoas que nos buscam. É mais revolucionária dentro de um esquema que possibilite que muitas questões se resolvam a partir do diálogo e do fortalecimento da rede. Isso, efetivamente, vai resultar em possibilidades. Não somente de resistência, mas de resiliência a longo prazo. Estamos falando de se desconstruir uma lógica de sistema de Justiça que não dialoga com as pautas sociais. Pelo contrário. Que as criminaliza, que criminaliza movimentos em prol da regularização das ocupações de prédios públicos abandonados há décadas nos Centros e grandes cidades. Que invisibiliza moradores em situação de rua, achando que só abrigar vai trazer respostas porque precisa tirá-los ali da vista de todo mundo. Mas não se pensa na questão da assistência social, da empregabilidade. Ou seja, como esse sujeito precisa voltar ao mercado de trabalho. A minha diferença é essa. O pedagogo pensa de um jeito diferenciado. 

 

O que mais te surpreendeu positiva e negativamente, nesse quase um ano de Ouvidoria,  em relação ao Sistema de Justiça?
Eu não conheci esses extremos somente por ser ouvidora. Eu brinco que antes de eu ser ouvidora, eu já conhecia o trabalho da Defensoria bem a fundo. Eu tive irmãos que passaram pelo sistema e foram privados de liberdade. Um deles acabou sendo assassinado. A minha mãe foi uma das primeiras mães que foram até a Defensoria para conseguir garantir a visita do filho, pra denunciar que meu irmão tava com machucados, sentindo muita dor e não tinha remédio pra ele. Que ele tava com dor de dente e não tinha dentista. Minha mãe foi uma das pessoas que denunciou as péssimas condições do sistema carcerário. A coisa era tão séria que encontravam pedaços de piaçaba de vassoura na comida dos encarcerados. Então, eu posso dizer que conheci a Defensoria por meio da minha mãe. Por conta de acompanhá-la quando ela precisava de assistência jurídica. Eu conheci a Defensoria também por ter trabalhado na Ouvidoria nas gestões anteriores, do Pedro (Strozemberg) e do Guilherme (Pimentel). Então eu conhecia o processo desse feijão com arroz interno. Por isso, minha preocupação sempre foi com a equipe interna. Porque eu sei que se a equipe interna não produzir um trabalho efetivo, dificilmente a externa vai conseguir produzir esse trabalho. Eu conheci a Defensoria que foi até o meu território, lá do Parque das Missões, para poder fazer uma escuta sobre as violações de direitos em função daquelas megas operações policiais que aconteciam ali. Quando a gente entra para esse lugar, que é o de ser ouvidor, e não mais a pessoa da sociedade civil, é para aprender a administrar o caos o tempo todo, de administrar múltiplas agendas. Eu preciso não somente receber a demanda, mas preciso pensar a estratégia de direcionar essas demandas para os órgãos competentes e, ao mesmo tempo, criar possibilidades para que essas demandas não voltem para gente. E detalhe: muito do que chega na Ouvidoria, não é de nossa atribuição. Mas eu não posso negar a escuta. Há, no sistema, uma cobrança diferenciada. É cansativo ter que ficar olhando tudo, desde aprovar uma publicação no Instagram da Ouvidoria, por exemplo. Ou a formatação de um documento. Mas eu preciso olhar tudo, porque o erro da equipe é erro meu. E, dentro dessa estrutura, eu não posso errar. Porque a cobrança que se tem em cima desse erro, seria bem diferente se eu fosse uma mulher branca aqui nesse lugar. Porque não se questiona o erro, mas questiona sua capacidade de estar nesses espaços. 

 

Você acha que o Mês da Consciência Negra pode ser um motor para a implementação de políticas públicas mais eficazes contra o racismo?
Eu acho que é uma conquista histórica e a gente tem que continuar defendendo que ela exista, sim. Que seja o mês de reconhecimento das pautas pra nossa população, que é majoritariamente vulnerabilizada nesse país. Ao mesmo tempo, é o mês que precisa ser cada vez mais ressignificado, no sentido de deixarmos de ser pautas com essa especifidade. Por exemplo: "Nossa! A primeira ouvidora negra!", ou então: "Olha quantas pessoas LGBTQIAPN+ foram eleitas para as câmaras municipais!". Nós temos que normalizar a presença desses corpos nesses espaços, da mesma forma como a gente tem que, no futuro, trabalhar para que novembro seja somente um mês. Precisamos criar dentro da estrutura, uma sociedade que, objetivamente, consiga acabar com o racismo. Eu acho que isso é possível a partir de um processo de educação, de emancipação social e reconhecimento. Somos parte de um sistema, logo a gente produz e reproduz a violência que é o racismo. A gente vai conseguir avançar, mas enquanto a gente ficar tateando demais, com medo de sermos taxados como pessoas que, majoritariamente, produzem violência, a gente vai continuar na mesmice de ficar comemorando uma data que é o dia 20 de novembro. É uma data extremamente importante, mas ela é importante para gente, povo preto. A questão central é que essa data deveria ser importante para todo mundo, principalmente para as pessoas não negras. Quem agride e quem é racista não somos nós. As pessoas brancas precisam reconhecer, para além de seus privilégios, que elas também são violentas. E essa violência se materializa com piadas, com comportamentos, com objetivações, com as micro violências cotidianas. Acho que o ponto central é: branquitude, reconheça seus erros! Até porque eu não tenho que ficar falando sobre isso. Eu não sou racista. Os brancos é que deveriam estar falando sobre isso. Mas se a gente não falar sobre, ninguém fala. Só que ficar falando sobre isso, nos violenta cotidianamente, porque já vivenciamos esse contexto. Você é violentado quando você chega nos espaços e as pessoas olham com estranhamento para o seu cabelo. Porque eu sou uma mulher negra não retinta, de tom de pele claro. Mas eu também sou uma mulher gorda dentro desses espaços. E aí tem também o problema da gordofobia, dos olhares pejorativos, porque ainda tem esse imaginário social de que as pessoas gordas e negras não têm capacidade, não se cuidam, são relaxadas com a própria aparência. Ou então não têm capacidade cognitiva para poder ocupar determinados espaços. Eu lido com a realidade do machismo, da gordofobia e do racismo dentro desses espaços. Só que a terapia tá em dia e a gente vai conseguindo lidar com esses atravessamentos. Mas dizer que é fácil não é não.

 

Como você avalia a importância do Mês da Consciência Negra no Brasil? O que que isso significa para você? 
Eu acho que somos um país que precisa se olhar e se perceber importante. Precisamos resgatar a memória de uma identidade que precisa se atualizar sempre. Mas quando eu olho para o cenário das políticas públicas, percebemos que ainda estamos muito longe do ideal. Temos a violência obstétrica que atinge mais as mulheres negras. As doenças hídricas atingem mais as crianças de territórios de favela, que são majoritariamente formadas por pessoas negras. A gente sabe sobre os dados referentes aos nossos jovens que seguem morrendo cada vez mais cedo. Temos ainda muito o que avançar. Não é só no mês de novembro que a gente tem que falar sobre ter consciência negra. A consciência se faz quando se pensa em segurança com inteligência, sem matar, encarcerar. Somos o terceiro país que mais encarcera no mundo. E a grande maioria das pessoas encarceradas são de pessoas negras. Tanto nos gêneros feminino e masculino, os recordes pertencem à população negra. Quando a gente olha para essa consciência negra, significa, também, pensar o quanto que a gente ainda precisa avançar nesse debate porque senão a gente segue muito na prática do discurso que não é efetivo. A gente não pode se contentar em ficar feliz porque temos hoje uma ouvidora negra à frente da defensoria. Temos avanços, mas isso não pode ser a resposta final. Precisamos ultrapassar isso.