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12 de março 

Segurança, educação e universidades investigadas

O ex-deputado estadual pelo PT conversa com o Fórum Grita Baixada sobre a intervenção militar federal no Estado do Rio, perseguições ideológicas a Paulo Freire e como a educação também é caso de polícia.  

 

 

A educação é quase um DNA à parte do ex-deputado estadual e atual servidor público da Petrobras, Robson Leite, que fez dela o combustível de seu mandato (2010-2014) quando tomou posse na Assembleia Legislativa do Rio. De professor voluntário de pré-vestibulares comunitários na Baixada e Zona Oeste por 12 anos a relator da CPI das Universidades Privadas, onde pediu o indiciamento de gestores dos grupos responsáveis pela administração de estabelecimentos como o extinto Centro Universitário da Cidade (UniverCidade) e da Universidade Gama Filho, nessa entrevista ele avalia as articulações políticas em relação a mais recente intervenção militar federal no Estado do Rio, chama o movimento Escola Sem Partido de estupidez e afirma que o sistema de cotas nas universidades desmantelou a paranoia dos setores conservadores que diziam que a qualidade do ensino superior poderia cair em função da “dificuldade de aprendizado” dos alunos vindos de comunidades pobres do Rio de Janeiro.

 

Entrevista a Fabio Leon  

 

Como o senhor analisa o atual cenário da segurança pública de 2018 no Rio de Janeiro, em especial para a Baixada Fluminense?

 

Estou preocupado, sobretudo com essa intervenção que se revela como falaciosa, eleitoreira. Não tem nenhum compromisso efetivo em se acabar com a violência. Não se pode falar em segurança pública sem que se fale da origem e da causa. A intervenção quer atacar exclusivamente as consequências desse cenário de insegurança. O jovem que está na favela segurando um fuzil é a consequência, em função de décadas de abandono do poder público, ele não é o problema. Mas ninguém se pergunta como aquele fuzil chegou nas mãos desse jovem. Talvez essas devam ser as perguntas fundamentais para a gente compreender as questões sobre a violência e o tráfico de drogas na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro e no Brasil. Um ex-aluno meu, morador da Cidade de Deus, uma comunidade pobre no Rio de Janeiro, estava com a mãe em estado de hipertensão arterial, encontrava-se desempregado, o pai também estava doente. Ele saiu a procura de medicamentos em alguma UPA local, mas não encontrou tais medicamentos. O programa Farmácia Popular nessa localidade também não existia mais. Ele ficou desesperado, pois a mãe poderia ter um AVC (Acidente Vascular Cerebral) a qualquer momento. O que ele faz? Vai até a boca de fumo procurar o “dono do morro” e pede dinheiro pra salvar a mãe. O traficante fornece o dinheiro pra ele. E nos perguntamos: quem vai ser o herói desse jovem? O Estado ou o tráfico? Aí na volta da boca de fumo, com o dinheiro na mão, ele é preso por associação com o tráfico de drogas pelos policiais que estão lá embaixo. O que me preocupa também é que a visão de segurança pública que temos hoje é puramente voltada a atender o interesse do grande capital. A compra de armas, por exemplo: a entrada e a distribuição desses armamentos são ilegais aqui, mas as compras são feitas dentro da legalidade lá fora. Nos EUA você pode comprar fuzil no supermercado! Então essa sensação de segurança que vai ser criada por essa “intervenção” é um engodo. Já tivemos essa experiência de intervenção militar na Maré com ocupação feita pelo Exército e foi trágica. Ela deixou a comunidade pior do que quando a encontrou. O Exército não foi feito pra organizar esse tipo de ocupação. Ele deveria, na verdade, fazer um trabalho em conjunto com a Polícia Federal para atuar no controle das fronteiras e fiscalizar de forma correta a entrada de armas e drogas no país.

 

Na sua opinião o que existe de mais frágil no planejamento de intervenção feito pelo Governo Federal? Parece que foi tudo muito improvisado, no calor do momento.

 

O Governo chegou à conclusão que não ia aprovar a reforma da previdência. Temos que colocar na consciência de que é ano eleitoral, 90% da população não quer essa reforma. Os deputados perceberam claramente nas suas bases que havia uma cobrança muito forte nesse sentido e isso (apoiar a Reforma) poderia interferir diretamente na performance eleitoral deles. Percebendo essa derrota, o que governo fez? Criou-se essa cortina de fumaça, tenta melhorar a sua popularidade, pois as pesquisas mostram que as questões relacionadas a Segurança Pública são muito sensíveis a população. Então ele cria essa grande farsa com o objetivo de enganar a população. Não à toa, o término da intervenção vai acontecer no dia 31 de dezembro desse ano, quando as eleições já estarão encerradas. Tudo isso para tentar recuperar a imagem do PMDB aqui no Rio de Janeiro, que está em frangalhos. Imagem muito arranhada, em que os principais caciques estão presos. Isso faz com que eles criem uma moeda eleitoral para que o próximo presidente da República, pertencente a esse projeto deles, faça a reforma da previdência. Eles não fizeram o que fizeram para devolver o poder ao povo a partir de 2019. Eles fizeram para reforçar a entrega de um Estado cada vez mais regido pelo grande capital. Deram um golpe, tiraram uma presidenta honesta, sem provas contra ela e colocaram os verdadeiros investigados, os réus, os bandidos envolvidos nos piores casos de corrupção. E com total apoio da mídia e da opinião pública.    

 

A Baixada Fluminense está se contaminando por essa onda mais à direita ou historicamente ela sempre foi conservadora?

 

Esse pensamento mais conservador é um fenômeno não apenas da Baixada Fluminense, mas está se configurando em todo o Brasil. É algo que precisa ser estudado, porque não faz muito sentido. Porque alguém ser pobre de direita é algo similar ao porquinho defendendo o açougueiro. O Brasil tem o negro que é contra as cotas nas universidades. Isso remete a educação que não é libertadora. Não é à toa que temos boa parte da direita que quer retirar de Paulo Freire o cargo de patrono da Educação Brasileira. Mas, então, é preciso que essa briga se estenda às principais universidades da Europa e dos Estados Unidos. Pois Paulo Freire é o terceiro autor mais referenciado em pesquisas científicas do planeta. Ele é o brasileiro que mais recebeu o título de doutor Honoris Causa no mundo. Estamos falando de um dos mais extraordinários pensadores que a Terra já gerou na área de Educação.

     

Falando em Educação, qual foi a pior anomalia que você já encontrou na época em que era relator da CPI das Universidades Privadas? E qual sua opinião sobre o surgimento do Escola Sem Partido?

 

O Escola Sem Partido é a pior estupidez que eu já vi na minha vida a surgir no ambiente político. É uma excrescência tão grande porque é um assunto da pedagogia tratado por advogados. Esse projeto nasceu de um grupo de advogados. Ou seja, eles não conhecem o ambiente escolar. Se você perguntar pra eles o que é um projeto político-pedagógico, eles vão se matar pra tentar responder. Mas é uma concepção fundamental que toda escola deve ter. Hoje quando você fala de pedagogia e educação, de construção de referenciais teóricos, principalmente, a escola é o espaço do saber. Dissociar as relações políticas, e não estou aqui falando em políticas partidárias, das salas de aula é uma estupidez. O que está por trás do Escola Sem Partido é uma preocupação da elite brasileira em não querer dar acesso a informação a um determinado setor da sociedade. Povo sem consciência e sem informação é um povo mais facilmente manipulado. O projeto de Paulo Freire, que escreveu a Pedagogia_da_Autonomia e a Pedagogia do Oprimido é um perigo pra essa gente. Porque essas duas obras dão consciência crítica e autonomia de pensamento para os jovens que estão na escola, por exemplo. A Pedagogia do Oprimido, ilustrando de forma bem simples, seria como trocar o “vovô viu a uva (no link está um dos melhores artigos sobre autonomia de pensamento e interpretação de contexto tendo como base essa metáfora) por “o povo tem o voto”. Então não interessa uma população consciente. Foi por isso que Paulo Freire foi um dos últimos presos políticos a serem libertados pela ditadura militar.

 

A CPI foi um trabalho importante. Houve um crescimento significativo no número de vagas no ensino superior privado e público no Brasil. Só de ensino superior, foram criadas 658 instituições no período de 2003 a 2010, sendo que 340 públicas. Porém, o MEC (Ministério da Educação) se revelou incapaz de administrar uma boa fiscalização nessas instituições. O nosso modelo de fiscalização baseado do IGC (índice Geral de Custos) é uma construção onde passa pelo ambiente acadêmico, a infraestrutura da universidade, a nota dos alunos no ENADE e titulação dos professores. O problema é que quem faz a avaliação da estrutura das universidades são os próprios professores. Eles são a fiscalização. Na CPI descobrimos, em nossa investigação, uma biblioteca ambulante.

 

Como assim?

 

Fazíamos o anúncio prévio de uma inspeção em um determinado campus, de uma determinada universidade, com determinada data, e a biblioteca que estava em outra unidade no dia anterior se mudava para o campus que sofreria a avaliação para ser bem avaliada. Ou seja, isso é uma fraude. Não tem outra denominação a ser dada. Apontamos isso no relatório, produzimos 78 encaminhamentos para que as devidas mudanças fossem feitas, indiciamos 5 donos de universidades que hoje estão sendo investigados pela Polícia Federal e pela Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRACO) (...)

 

(...)Você pode falar quem são os investigados?

 

Está em segredo de justiça, não posso revelar essa informação, infelizmente...não conseguimos quebrar o sigilo financeiro das universidades durante a CPI, a Receita Federal criou algumas dificuldades e chegamos ao ponto de pedir a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber de onde chegava tanto dinheiro, mas infelizmente a CPI acabou antes do início do processo. Mas pedimos a esses órgãos, além do Ministério Público Federal que desse continuidade a essa investigação e é o que está sendo feito. Um dos encaminhamentos que formulamos foi a criação de um Instituto de Avaliação das instituições de ensino superior privadas no país, proposta essa que levei até o Congresso Nacional. A ideia era que se criasse a figura do auditor educacional, que dentre outras atribuições, faria um monitoramento acerca das políticas educacionais no país, em todos os setores. Só que as universidades privadas não querem ser fiscalizadas. Elas tem vários mecanismos de subterfúgio, dentre eles o financiamento de campanhas eleitorais. O ensino superior particular no Brasil compra deputados e senadores.  

 

O senhor sempre foi um defensor dos pré-vestibulares comunitários. Como a educação popular, que tenta fornecer a jovens pobres das periferias, oportunidades de caráter emancipatório a opressão social e econômica que sofrem, pode fazer frente ao discurso da meritocracia que reina nas elites?

 

Em primeiro lugar, não dá pra falar em meritocracia sem antes o acesso ao ensino superior ser justo para todos em termos de oportunidades. Há uma desigualdade na qualidade dessa educação. É preciso universalizar e uniformizar os processos que envolvem esse tipo de acesso, principalmente no que tange a justiça social e racial do país. O sistema de cotas, por exemplo, é uma política afirmativa, mas espero que um dia ela acabe quando tivermos, obviamente, esse equilíbrio de distribuição. Hoje as pessoas falam que as contas são um problema porque elas reforçariam o preconceito na nossa sociedade. Isso não é verdade, pois já foi provado, através de várias pesquisas, que o rendimento acadêmico dos alunos cotistas é superior aos dos não cotistas. Desmonta-se, com isso, aquela tese de que a qualidade do sistema educacional superior iria piorar pois os alunos vindos de comunidades pobres teriam mais dificuldades de aprendizado, de coletar informações sobre as disciplinas. O problema não está nas pessoas, está no modelo educacional que precisa ser revisto.