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15 de abril de 2019

Entrevista do mês: Tássia Di Carvalho, CEO da Agência IS

Seu nome é reviravolta

A impressionante história da jornalista que fez da vida um aprendizado para sobreviver

 

entrevista a Fabio Leon 

fotos: Fabio Leon e arquivo pessoal 

 

“Sou cria da Baixada”, assim se define. Aos 33 anos, a jornalista e empreendedora Tássia di Carvalho coleciona uma história de vida e superação que poderia gerar uma dessas biografias em que todos os seus problemas são incomparáveis com a da biografada. A mãe, professora, não tinha condições de deixar seu irmão mais novo em uma creche. O pai era alcoólatra e deixava toda a responsabilidade pela criação de seus dois irmãos para Tássia que, muito cedo, aos 4 anos foi incumbida para tal missão.  

 

Nascida em uma comunidade em Miguel Couto, bairro de Nova Iguaçu, o poder aquisitivo limitado da família permitiu que alugassem um barracão lá no alto, onde a distância com o asfalto tinha direta influência sobre o valor do aluguel. “Além de ser lá em cima, ainda tínhamos que subir uma escadaria enorme, não tinha esgoto, água encanada, TV”, conta Tássia.  

 

Apesar da pobreza, a mãe tentou ao máximo se preocupar com a educação da filha. Em vez de brinquedos, gibis da Turma da Mônica faziam a rotina daquela criança. Tampinhas de garrafa de uma marca de refrigerantes eram a moeda de troca quando a possibilidade de se obter os exemplares não ficava restrita ao dinheiro, por meio de promoções eventuais. Mas havia um outro problema: ela não sabia ler. “Como eu era uma criança independente eu perguntava toda a hora para as pessoas, inclusive as do bar onde meu pai bebia: “O que está escrito aqui, o que está escrito aqui?”.

 

A vida prosseguiu com pouco ou quase nenhum contato com o progenitor, que, por meio da distância criada pelo próprio, sequer foi convidado para seu casamento. Para piorar, inexplicavelmente a relação dele com os irmãos era muito mais próxima. Descobriu-se mais tarde que o pai havia desenvolvido problemas psiquiátricos, inclusive vindo a ser internado em manicômio.    

 

Entretanto nada disso impediu que ela se tornasse jornalista e publicitária com mais de uma década de atuação na área de terceiro setor, cultura e educação em áreas periféricas e marginalizadas. Trabalhou em grandes organizações como Petrobras, Brazil Foundation e Jornal O Dia, onde ajudou a produzir o valente “Guia das Comunidades”, suplemento que tentou desmistificar uma série de preconceitos e estereótipos sobre favelas cariocas, especialmente as que tinham Unidades de Polícia Pacificadora (UPP´s) em seus territórios. Depois de 23 edições publicadas, foi encerrado de forma repentina, como explica adiante.

 

Ao sair desse último empregou, optou por empreender e ajudar na comunicação dos projetos sociais. Assim nasce a Agência Is, a primeira agência de comunicação do país especializada em ações de impacto social que, em apenas dois anos, atende a mais de 30 iniciativas que resultaram, segundo seus cálculos, em mais de 2 mil reportagens. Hoje, seus clientes são desde pequenos projetos sociais em favelas e periferias a grandes organizações de renome internacional como Brazil Foundation, Festa Literária das Periferias (FLUP) e Favela Mundo.

 

Entre tentar captar mais clientes para a sua agência, equilibrar o orçamento doméstico e pagar as contas, Tássia precisa sobreviver diariamente. Ela é portadora de lúpus, uma doença autoimune que provoca inflamações em praticamente todas as articulações do corpo quando o organismo “pensa” que está sob ataque em função de algum tipo de vírus ou bactéria, provocando dores inimagináveis nos momentos de crise, além de inchaços e outras consequências.

 

Em fevereiro desse ano, Tássia foi convidada pela coordenação do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada, para participar da aula de abertura do Curso de Comunicação Comunitária que reuniu jovens entre 16 e 24 anos de algumas zonas periféricas da Baixada Fluminense. Foi a primeira vez, segundo suas palavras, que fazia uma palestra sobre sua experiência na região, embora já tivesse participado de um “TEDx” (sigla para Technology, Entertainment, Design, nome de uma série de conferências organizada por uma fundação norte-americana sem fins lucrativos destinadas à disseminação de ideias sobre vários campos do conhecimento). Em uma de suas falas, menciona o quanto seus clientes tiveram que superar as dificuldades de saber se comunicar. Em um universo em que comunicar-se pode se tornar um desafio em termos de compreensão da mensagem a ser interpretada, ela prova que o mesmo mundo que, um dia tentou silenciá-la, é o mesmo que, hoje, lhe traz grandes oportunidades.

 

Eis a história dela:

 

Como e quando você se descobriu jornalista?

Pra responder a essa pergunta eu teria que voltar um pouco sobre a relação com meu pai. Ele sempre me tratou com desprezo, sempre fui responsabilizada por tomar conta dos meus irmãos e eu apanhava muito dele quando alguma situação saía do controle. Minha mãe conseguiu me colocar numa escola bem cedo. O Jardim de Infância era da minha tia, então eu não pagava mensalidade e comecei com um 1 ano e meio. Aos 4 anos já estava bastante adiantada. Quando eu tinha de 5 pra 6 anos, meu pai teve um cisma e me tirava da escola antes do fim do ano pra eu não ficar adiantada no aprendizado porque “eu não podia ficar adiantada”. Depois descobri o porquê, pois ele não tinha terminado nem o ensino fundamental e pra ele era insuportável ter uma filha que soubesse mais do que ele. E ele fez isso por três anos seguidos.

 

E hoje em dia tem tanta família favelada ou de origem pobre que morre de orgulho quando alguém consegue vencer pelos estudos..

 

...Mas ele não tinha esse orgulho!!! Depois nos mudamos para Heliópolis, onde meus irmãos começaram a frequentar uma creche e não tinha mais sentido eles estarem sob cuidados o dia inteiro e eu não estudar. Acabei sendo desobrigada desse cuidado. Nessa creche em que estava, ficava meio período. O local hoje é municipalizado, mas na época pertencia a uma freira que recebia ajuda financeira da Itália. Com isso eu e meus irmãos não passamos mais fome. As possibilidades foram surgindo e eu aprendi a fazer arte, escultura, pintura, a aprender sobre outros países, fazer excursões. Então eu pensei: “quando eu crescer eu quero fazer algo que mexa com tudo isso”, mas não sei bem o que queria. Primeiro eu pensei em fazer medicina, pois na favela não tinha médico. Então eu queria ter um consultório no centro da cidade. Mas também queria fazer jornalismo pois achava muito legal as denúncias que eles apresentavam. Alguns anos se passaram e quando chegou a época do vestibular, em 2004, eu fui da primeira turma do Prouni e cheguei a fazer o Enem. Fui pra casa da minha prima fazer a inscrição porque eu não tinha computador. Eu tinha feito ensino médio como técnica de enfermagem, conciliando com as aulas de teatro que eu fazia na Faetec. Na inscrição você poderia colocar várias opções e uma delas me chamou a atenção que era Marketing. Eu nem sabia o que era isso. Minha prima explicou que, dentre tantas coisas, eu poderia fazer comerciais para a TV. Então, adorei a ideia e me inscrevi. O pânico começou logo de início porque na grade curricular tinham 3 matérias envolvendo matemática pois ali a ênfase do Marketing era em Administração, não apenas em Comunicação como é hoje. No segundo período consegui fazer uma transferência. Mas nessa outra faculdade não tinha enfermagem, mas tinha jornalismo. Foi aí que tudo começou.

 

Quando você adentrou a faculdade de jornalismo, quais foram as suas primeiras impressões? Que tipos de impactos recaíram sobre você?

Nessa faculdade havia convênios com o governo de Angola, com a ONG Viva Favela. Então eu tomei um choque porque a primeira coisa que me falaram é: na faculdade não tem preto. Quando eu estudava à noite realmente tinha um ou outro. Mas, durante o período da manhã, em função desses convênios tinham muitos negros. Fui fazendo amizades e abrindo portas a partir daí. Percebi que tudo aquilo que eu poderia fazer na medicina eu poderia fazer no jornalismo, inclusive trabalhando com projetos sociais que eu tanto queria.  Minhas tias falavam que eu deveria desistir da faculdade, porque eu não tinha computador e não tinha roupa. Eu devo ter repetido de roupa umas mil vezes. Eu tinha duas calças jeans e umas oito blusas. Mas ao invés delas me ajudarem, eu só escutei que tinha que desistir. Livros também eram um problema. Eu não tinha dinheiro pra tirar xerox. Os únicos livros sobre Comunicação que eu tinha faziam parte de uma coleção chamada Cadernos de Comunicação e era produzida pela prefeitura do Rio. Mas as pessoas viram meu potencial e me ajudaram. Eu me casei no segundo período da faculdade, e, na época, ele era fiscal de uma empresa de ônibus.  

 

E qual foi seu primeiro emprego como jornalista?  

Foi um trabalho voluntário num jornal on line que eles tinham na faculdade. Até que um dia alguém me disse que eu “teria que ser vista” para se ter as portas abertas porque eu não tinha ninguém que me indicasse. E, naquela época, mais do que hoje, era preciso você conhecer alguém. Hoje você vai nas redes sociais, se divulga e acabam te encontrando. Você consegue abrir portas para gente que não te conhece. No meu caso fiz um blog, comecei a frequentar eventos. Mas eu não sabia que tipo de caminho seguir. Depois eu fui fazer um estágio na assessoria de comunicação da Polícia Civil em 2008.

 

Como foi lá?

Antes de eu ir propriamente para a Assessoria, eu comecei como digitadora dos boletins de ocorrência antigos. Tudo saia do papel e ia pra uma plataforma eletrônica. Mas como eu era persistente, eu todo dia visitava o setor de estágios e perguntava se tinha vaga na Assessoria de Imprensa. “Poxa, flor, hoje não tem”. “Ah, mas se tiver você e avisa”. E ficava ligando todo santo dia. De tanto que eu liguei, quando a vaga de fato surgiu, ligaram pro meu setor e me disseram: “Ó, pintou uma vaga! Estamos guardando ela pra você”. Foi uma boa escola de jornalismo, mas muito traumatizante.

 

Por quê?

Porque o chefe corrigia os erros de português aos berros. “C....lho! Você não sabe botar vírgula não?” “Não te ensinam essa merda na faculdade?” “Você não sabe botar ponto???”. Era assim na frente de todo o mundo...Ele achava que gritando dessa forma, as pessoas jamais iriam esquecer as regras gramaticais. Uma vez eu não aguentei. E, chorando, berrei com ele também, de que ele não precisava agir daquela maneira. “Você está errado!!!”Não fiquei ali seis meses. Depois fiquei um tempo digitando trabalhos para amigos e conhecidos da faculdade. Depois fiz outro trabalho voluntário na assessoria de comunicação da CUFA (Central Única das Favelas).

 

E como foi na CUFA?

Foi muito bacana. Conheci o MV Bill, ele era sempre muito presente. Qualquer evento que tivesse lá na Cidade de Deus, um futebol que fosse, ele dava apoio. Na época em que eu trabalhava no Dia eu fui chamada para cobrir os 100 anos de Abdias do Nascimento. Eu tinha certas liberdades editoriais e o pessoal gostava de colocar o mesmo fotógrafo comigo, que é negro. Quando chegamos lá, do nada começaram a fotografar a gente. Eu comecei a olhar pra trás e a me perguntar o que está acontecendo. Muitas fotos e filmagens. A resposta que recebi foi que pela primeira vez um grande veículo de comunicação manda uma equipe de trabalho negra. Embora isso tenha ganhado alguma representatividade na época, eu fiquei sabendo depois que quando ocorreu um dos grandes “passaralhos” (expressão usada por profissionais do jornalismo para demissões coletivas nas redações) do jornal, os primeiros a serem mandados embora foram os empregados negros, alguns com mais de 20 anos de casa.

 

Você também sobreviveu a um acidente. Como foi essa história?

Em 2010 eu fui atropelada na Dutra. Tava indo trabalhar e veio uma viatura da Polícia Civil que apareceu do nada. Subiu na calçada e me levou. Quebrei o joelho, tenho uma cicatriz enorme no meu braço, bati a cabeça, ralei no asfalto da Dutra. Fui levada ao hospital da Posse. A pancada foi tão violenta que pareceu que a viatura havia dado perda total ou que se chocou em um poste. O policial civil foi me visitar e afirmou que tinha brigado com a mulher, se distraiu. Foi a maior injustiça da minha vida e morro de ódio do Estado por causa disso. A sirene não estava ligada. Levei duas testemunhas para a audiência, o policial não apareceu, não prestou depoimento e eu acabei perdendo o caso. Não recebi nenhuma ajuda de custo. Meu marido estava desempregado e acabei sendo demitida, só recebi os dias trabalhados. Eu precisava tomar remédios, ficava em casa deitada o dia inteiro com dor e meu marido não podia sair pra trabalhar pois tinha que cuidar de mim. Não conseguia nem ir ao banheiro. Ficamos sem nada e sem ninguém e com uma mão na frente e outra atrás. Nós só contávamos com as nossas mães para comer. Eu não tinha dipirona pra tomar pra aplacar as dores que eu sentia. Eu cheguei a pedir ajuda pelo Facebook. Quando eu consegui firmar meu pé no chão, eu sequer pude fazer terapia porque eu tinha que procurar trabalho. Eu tava na faculdade quando isso aconteceu, fiquei meses sem ir às aulas, mas, graças a Deus, os professores entenderam a situação e não me reprovaram. Ainda corri o risco de perder a bolsa da faculdade. Só me faltava essa...Nesse meio tempo consegui emprego em um telemarketing, que foi o que apareceu mais rápido, ganhando um salário mínimo, mas dava pra pagar o aluguel e dava pra fazer compras. E ainda tive que criar forças para escrever a monografia. Quando meu marido conseguiu outro emprego, eu saí correndo dali. Fui muito xingada pelos clientes, tem muita gente babaca que não entende a enorme pressão que é trabalhar nesse meio.

   

E como se não bastasse você descobriu que tem lúpus*. 

Eu acordei um dia totalmente deformada, com o rosto, braços e pernas completamente inchados. Eu não tinha força pra fazer nada. Ficamos peregrinando por vários hospitais em busca de tratamento. Fiquei quase 1 ano nesse estado porque não tinha dinheiro para conseguir os remédios. E ninguém queria me internar porque a doença era crônica, mas não era emergencial. Foram quase dois meses procurando ajuda e não conseguimos. Encontramos uma dermatologista que nos encaminhou para a Santa Casa e dali consegui uma vaga para ser atendida no setor de dermatologia. Ali tomava injeções quase que diárias de corticoides** que, dependendo da quantidade, pode fazer seu coração enfartar. Minha rotina era assim: pedir licença do trabalho, ir até a Santa Casa, fazer biópsia e voltar. Eles até me deram a opção de ficar em casa até a minha melhora, mas implorei a eles que me deixassem trabalhar. Quando eu estava no Dia, eu estava deformada por causa do inchaço e careca. Tomava 20 comprimidos de corticoide todos os dias

 

E a sua experiência no jornal O Dia? Ali se criou um projeto editorial envolvendo favelas, certo?

Eu entrei em contato com o André Balocco que, na época, era editor de um projeto chamado Guia das Comunidades. Ele disse que tinha uma vaga em aberto, mas que duraria apenas um mês. Estava precisando de alguém que “conheça favela, não tenha medo de favela, que tenha um olhar diferenciado”. Eu deveria descobrir alguma coisa bacana que estivesse acontecendo em uma favela e transformar em pauta. Mas, como tudo na vida converge para um determinado momento, eu tinha um grupo de pesquisa chamado “Cultura Carioca” que produzia muitas informações sobre favelas. Inclusive no dia dessa conversa com Balocco, eles tinham feito uma pesquisa na Rocinha sobre um projeto chamado “Yoga na Laje”. Ele gostou da ideia e pediu que eu produzisse a matéria. Mas tem um detalhe muito interessante é que a vaga oficialmente não existia! Ele gostou, aprovou e me incorporou lá. Entretanto, o acordo era esse: ele tinha direito a um repórter freelancer (regime de trabalho temporário, também conhecido como frila) por 1 mês. Mas ele gostou do meu desempenho, acabei sendo terceirizada e fiquei lá como funcionária temporária. O problema é que ele criou a vaga na hora! Ele me contratou primeiro sem comunicar a direção do jornal! Eu não tinha mesa, cadeira, computador, crachá. Era como se eu não existisse, mas tinha que bater ponto. Eu tinha que pedir pro segurança ligar pro Balocco para autorizar minha entrada na redação. Era tudo muito caótico. E eu ficava que nem uma louca andando de lá, pra cá. Quando um repórter saia a rua, me comunicavam que tinha uma mesa disponível. Mas eu não tinha a senha de acesso ao sistema e aí eu utilizava a senha do Balocco. Mas ele me ajudou muito também. Aprendi a ser editora com ele que, ao contrário daquele outro chefe tresloucado que berrava comigo, me chamava num canto e dizia “ó, nesse texto acho que você pode escrever dessa forma, assim, assado”. Na época de instalação das UPP´s (Unidades de Polícia Pacificadora) estava até tranquilo subir as favelas. Conseguia fazer matérias até de madrugada pra cobrir festas e outros eventos. A partir de 2014, a violência voltou com força nas comunidades e o Guia acabou sendo interrompido. As marcas e os patrocinadores começaram a desvincular seus nomes ao contexto de favelas por causa disso. Porque o Guia era uma aposta. O guia era mensal, mas com a entrada de anunciantes, tínhamos a ideia de transformá-lo em quinzenal e foi necessário contratar outro frila. Tínhamos sete páginas só com propaganda. Em 2015 ele deixou de existir. 

 

Essa sua observação faz pensar sobre que tipo de rumo o jornalismo brasileiro deverá seguir daqui pra frente, considerando que ele enfrenta diversas crises. Desde o editorial, por estar servindo a determinados proselitismos político-partidários, até econômicos.

Honestamente, ainda vejo uma necessidade muito grande de veículos de comunicação que sejam independentes e olhem um pouco mais pra favela. Mas não a favela como celeiro de bandido, pois é dessa forma que a favela é retratada. Alguns colegas de trabalho do jornal sempre se referiam à favela de forma depreciativa. O próprio Balocco enfrentava divergências sobre a viabilidade do Guia das Comunidades. Chegavam até a tripudiar o nosso trabalho. O jornalismo precisa se reinventar e “descobrir” o povo da periferia. No livro “Um País Chamado Favela”, do Celso Athayde, ele diz que são mais de 10 milhões de pessoas morando em comunidades que não se veem inseridas na mídia tradicional. Tudo o que diz respeito à favela é focado na violência. Quem é que vai querer subir a favela depois desse massacre midiático? Quando aconteceu a demissão em massa em 2016 no Dia, eu comecei a me perguntar o que ia acontecer com esses projetos sociais que eu colocava no Guia. Alguns representantes desses projetos chegavam até mim com umas pastas cheias de papel, me mostrando que o trabalho deles tinha credibilidade. E eu comecei a perceber que eles não sabiam se comunicar.

 

Aí nasceu a agência IS

Isso. Aí eu pensei: por que eu não ajudo eles a serem inseridos na mídia. Pois é uma forma de eu continuar fazendo o que gosto de uma outra forma. Eu sempre recebi feedbacks legais de alguma instituição que saiu no jornal e a partir dessa visibilidade ganhava algum tipo de apoio por causa dessa ou aquela matéria. Então comecei a fazer tudo despretensiosamente, sem saber o quanto ia cobrar. Eu comecei em junho de 2016. Em outubro eu estava atendendo simultaneamente 10 clientes. E eles têm os mais variados perfis. Atendi uma mãe de santo que acabou me indicando para outros clientes. Depois assessorei uma princesa nigeriana. Hoje já temos um portifólio com mais de 30 clientes atendidos. Hoje eu ne sinto realizada pois eu achava que só fosse encontrar esse tipo de oportunidade no jornalismo impresso. Eu achava que só escrevendo uma história eu iria me realizar profissionalmente. Hoje eu quero que essa história seja contada mesmo que não tenha meu nome na matéria. O importante é que essa história seja contada. Por exemplo: tem um projeto de dança no Complexo do Alemão, que já encaminhou duas crianças da comunidade para o Balé Bolshoi, da Rússia, sete para o Teatro Municipal, mas mesmo assim eles iam fechar as portas porque eles não tinham 1500 reais pra pagar o aluguel da sala onde funcionava o projeto. Fizemos um trabalho de assessoria pra eles, montamos uma estratégia, aí disse pra coordenadora do projeto que conseguiríamos uma nota na coluna do Ancelmo Gois (O Globo) e com essa notinha eles poderiam conseguir um patrocínio. Ela não tinha dinheiro pra me pagar. Por causa dessa notinha conseguimos um patrocínio por dois anos. Aí eu comecei a me questionar quantos projetos fecham porque não têm uma notinha no Ancelmo Gois. O patrocinador exige visibilidade, mas se o projeto não tem patrocinador, vai precisar da mesma visibilidade para conseguir um. Eu gosto de saber que estou impactando na vida das pessoas.

 

 

*Doença inflamatória de origem autoimune que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, tais como pele, articulações, rins, cérebro e outros órgãos, causando sintomas como fadiga, febre e dor nas articulações. (fonte: site Minha Vida)

 

** classe de medicamentos de ação anti-inflamatória e imunossupressora - ou seja, usada para suprimir os mecanismos de defesa do corpo (fonte: site Minha Vida)