15 de outubro de 2019
Familiares de vítimas de ações policiais debatem pacote de Moro com Rodrigo Maia
Grupo, que contou com participação de representante da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense, entrega carta com reivindicações visando mudanças na legislação penal.
texto: Brasil de Fato (com informações de Fórum Grita Baixada)
Imagens: Valter Campanato/Agência Brasil e J.Batista/ Acervo Câmara dos Deputados
Uma comitiva de familiares de vítimas letais de ações policias foi à Câmara dos Deputados, na terça-feira (8/07), se manifestar de forma contrária a projetos legislativos que ampliam as hipóteses de excludente de ilicitude, ou seja, previsoes nas quais possíveis homicídios não sejam tratados como crimes. O grupo, formado por pessoas de diversos estados brasileiros, foi recebido pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ouviu os relatos dos representantes da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado.
Após a reunião com Maia, uma das integrantes da comitiva, Bruna Silva, moradora do complexo da Maré (RJ), que perdeu o filho Marcus Vinícius, de 14 anos, quando este foi alvejado indo para o colégio, afirmou à imprensa que a violência do Estado é uma constante na vida dos moradores de favelas. Ela trouxe um posicionamento contrário aos projetos que visam dar uma "licença pra matar" em abordagens policiais.
“Somos contra essa lei que quer nos matar. Já nos matam. Botando no papel, vão matar dobrado. Essa lei mira diretamente no pobre. Ela já foi feita para o pobre. É o pobre que vai morrer a caminho da escola, dentro de casa. Nossos filhos já foram, mas a gente não quer que outros filhos se percam também”, disse Silva.
Representando a Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense, a ativista Josiane Martins manifestou-se sobre os territórios periféricos da região. "Pedimos que a Câmara tivesse um olhar mais cuidadoso com a Baixada, falamos sobre as nossas vivências e pedimos que parem de nos matar. Disse também que não aguentamos mais ver nossas mães adoecerem e morrerem por causa da perda de seus filhos e outros parentes assassinados. Sofremos ainda mais por causa da falta de apoio das autoridades e da sociedade que pouco fazem pela gente", disse Josiane.
Projetos
A ideia de ampliar as hipóteses legais de excludente de ilicitude foi derrubada pelo Grupo de Trabalho (GT Penal) que analisa o conjunto de propostas enviada para o Congresso pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, o que foi apelidado pelo governo de “Pacote Anticrime”. Em paralelo, proposta semelhante é debatida em um Projeto de Lei que ficou conhecido como “PL Ana Hickman”.
“Vocês sabem que ela já foi derrubada no GT Penal. Mas ela pode voltar no Plenário. Há um projeto tramitando na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] em velocidade relâmpago, que é o 7883, que tenta trazer a mesma terminologia que já foi derrubada no GT”, explica Silvia Souza, da organização de direitos humanos Conectas, que acompanhou a ida da comitiva de mães e familiares à Câmara.
O chamado PL Ana Hickman faz referência a um caso envolvendo a apresentadora de televisão. Seu cunhado, Gustavo Henrique Belo Correia, matou, em 2016, um homem que havia invadido o quarto de hotel onde estavam e tentara matar a celebridade.
No mês passado, Correia foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por unanimidade, sob o argumento de legítima defesa, já existente na legislação penal. Ainda assim, a situação inspirou parlamentares a proporem projetos de lei com o objetivo de ampliar as hipóteses de excludente de ilicitude.
Na Câmara, o Pacote Moro não tem recebido prioridade por parte de Rodrigo Maia, que, recentemente, voltou a criticar o ministro da Justiça, afirmando que o ex-magistrado tem “estratégia permanente de acuar as instituições”. No começo do governo Bolsonaro, a troca de ataques entre o presidente da Câmara e Moro chegou a ser constante.
A visita faz parte também da campanha Pacote Anticrime: Uma Solução Fake, composta por mais de 90 instituições e movimentos sociais, dentre elas, Fórum Grita Baixada
Carta foi entregue ao presidente da Câmara Rodrigo Maia
A comitiva da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado encaminhou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, carta reinvindicando o veto ao Pacote Anti-crime do minIstro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Leia a íntegra da carta:
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado
Brasília, 08 de outubro de 2019
Exmo Sr. Presidente da Câmara Federal, Deputado Rodrigo Maia
Nesse dia 8 de outubro, Davi Fiúza, filho de Rute Fiúza, da Bahia, completaria 21 anos. Em vez de comemorar seu aniversário, Rute luta há cinco anos para encontrar os restos mortais de seu filho, torturado e morto por policiais militares de Salvador, e vem hoje ao Congresso, ao lado de outras mães da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, para dizer NÃO à Licença Pra Matar, ao PL 7883 e ao Pacote Anticrime do Ministro Sergio Moro.
Os pais da menina Ágatha, de 8 anos, assassinada pela polícia há duas semanas, no Complexo do Alemão, estavam de passagens compradas para vir hoje ao Congresso, mas não tiveram condições físicas nem psíquicas de viajar, tamanha dor e luto pelo qual estão passando.
Para nós, mães e familiares de vítimas letais da polícia, é inconcebível a proposta do Ministro Sérgio Moro (PL 882) e do PL 7883 de conceder Licença Para Matar aos policiais, pois eles já tem cometido atrocidades e assassinado milhares de pessoas, sem que os crimes sequer sejam investigados. Ano passado, o Brasil teve mais de 6 mil homicídios praticados pelas polícias. Em 2019, no Rio de Janeiro, foram 1249 assassinatos em nome da lei, de janeiro a agosto, por uma política de segurança pública pautada pelo uso da força e pela desumanização dos nossos jovens negros, pobres, moradores de favelas.
Na prática, as polícias já tem tido licença pra matar. As pesquisas mostram que 98% dos casos de homicídios praticados pelas polícias são arquivados sem esclarecimento da dinâmica das mortes. Para piorar, os novos governos não só incitam a violência policial, como comemoram as mortes publicamente. No Rio, Witzel promove operações violentas com uso do helicóptero aéreo nas favelas e deixou de incluir os homicídios pela polícia na meta de redução da letalidade violenta. Na Baixada Fluminense, aumentaram os desaparecimentos forçados, assim como no Nordeste.
A legítima defesa e a excludente de ilicitude já estão previstas no Código Penal e não precisam ser modificadas. Mudar os artigos 23 e 25 do Código Penal promoveria ainda mais o uso abusivo da força letal pelas polícias, gerando mais assassinatos em suposta legítima defesa, ou com a desculpa de “medo, surpresa ou violenta emoção”.
O GT Penal da Câmara se debruçou sobre o Pacote Anticrime nos últimos meses e rechaçou a Licença pra Matar, derrubando as proposta inicial de Moro. Exigimos que os deputados mantenham o texto votado no GT, vetando a Licença Pra Matar. Exigimos também que os deputados votem contra o PL 7883, outra tentativa de ampliar a excludente de ilicitude.
Enquanto os senhores sentam em seus gabinetes confortavelmente, nós vivemos ameaçadas, nos escondemos dos tiros da polícia, helicópteros e caveirões e escutamos o choro de novas mães. A mesma bala do Estado que matou nossos filhos, nos mata a cada dia quando assistimos a novas mortes, revivendo a imensa dor da perda dos nossos filhos.
Por isso, exigimos que, em vez de darem Licença Pra Matar, aprovem leis que previnam novos assassinatos e promovam a reparação às famílias que perderam seus filhos pelas mãos do Estado. Pedimos, assim:
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado
Presentes: Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha, morto aos 19 anos – Mães de Manguinhos Bruna Silva, Mãe de Marcos Vinícius, morto as 13 anos – Mães da Maré Edna Carla, mãe de Alef, morto aos 17 anos – Mães do Ceará Francilene Gomes, irmã de Paulo, morto aos 23 anos – Movimento Mães de Maio Joseane Martins, mãe de Daniel, morto aos 21 anos – Rede de Mães de Familiares da Baixada Fluminense Luciano Norberto, irmão de Josenildo, morto aos 42 anos – Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência Rute Fiúza, mãe de Davi Fiúza, morto aos 16 anos – Mães da Bahia
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