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12 de dezembro de 2018

Fórum Grita Baixada participa de Colóquio sobre a Intervenção Federal Militar

Promovido pelo Ministério Público Federal, evento foi marcado por mais uma ausência

da cúpula do Gabinete da Intervenção.

 

O Fórum Grita Baixada participou, no dia 28/11, do colóquio “Intervenção Federal na Segurança Pública: desafios ao MPF na proteção dos direitos humanos e no controle externo da atividade policial”. Mesas temáticas formadas por especialistas em diversas áreas que problematizam questões acerca da violência e da segurança pública, direcionaram suas análises críticas sob o âmbito da intervenção militar decretada pelo governo federal em fevereiro desse ano, contabilizado um balanço nada positivo sobre essa iniciativa que, desde sua concepção, foi alvo de várias polêmicas. Resultados pífios na redução da criminalidade e dos homicídios, alto custo das operações, denúncias de torturas sofridas por moradores de favelas mediante arbitrariedade de agentes de segurança, o racismo estrutural que se esconde no sistema de justiça penal brasileiro e, claro, o assassinato da vereadora Marielle Franco foram alguns dos pontos levantados não apenas pelos palestrantes como também por comentários produzidos pelo público.

 

Logo no encerramento da mesa de abertura, formada, em sua maioria, por defensores e procuradores da República, uma das intervenções do público foi protagonizada por Joel Luiz Costa, advogado criminalista do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada. Ele expôs o que, na sua avaliação considera “uma aberração jurídica” ao invocar o artigo 28 do Código Penal, que se utiliza de critérios pouco precisos para promover a distinção entre a condição de usuário e a de traficante de drogas, gerando uma série de subjetividades na aplicação penal da lei e considerando o histórico racista e classista do Judiciário”.

 

No primeiro parágrafo, há realmente uma imprecisão contextual sobre a teor da imputabilidade (culpabilidade) em relação a uma ação considerada transgressora ou delinquente como a embriaguez, categorizada como consumo de drogas. A pena, segundo o texto, “pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, (...) não possuir (...) a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Considerando que o Código foi escrito em 1940 e as definições sobre caráter ilícito dentro dessa especificidade foram mais do que atualizadas e complexificadas. Aliás, vale a pena ler o ótimo artigo escrito por Costa sobre “A Seletividade do Sistema de Justiça Criminal Brasileiro

 

“Para onde ligamos? ”

 

Voltando à mesa de abertura, evidenciou-se o completo desinteresse dos militares em fornecer uma prestação de contas à população sobre a atuação das forças de segurança no Estado do Rio, graças a  ausência do interventor federal, general Walter Braga Neto, ou mesmo do secretário de segurança, o General Richard Nunes ou qualquer outro representante da intervenção federal no Rio.

 

Outra observação feita foi o posicionamento tímido de alguns magistrados da mesa sobre a onda de homicídios desencadeada desde o período da intervenção e sobre possíveis soluções ou alternativas constitucionais para se combater o tráfico de drogas pela perspectiva cidadã. O procurador geral interino de justiça do Estado, Ricardo Martins, em seu momento de fala, disse que não nutria ilusão em relação a determinadas conduções sobre as políticas de drogas. “Não acredito que o controle estatal, como o que está acontecendo em países como o Uruguai e os Estados Unidos, vá funcionar no Brasil. Quem é que vai preencher um cadastro para postos de venda de crack, cocaína? Ninguém vai fazer isso.”, afirmou Martins. Ele também criticou a própria atuação do Ministério Público Federal. Para o procurador, o controle interno das atividades policiais tem de ser permanente, mas há insuficiência de resultados. “Conseguimos muito pouco. Os autos de resistência mudaram de nome, não somos pró-ativos. A população precisa conhecer quem somos e o nosso trabalho”, concluiu Martins.

 

A segunda mesa, intitulada “A proteção dos direitos humanos em tempos de intervenção federal na segurança pública” foi formada por estudiosos sobre a violência. Abrindo os trabalhos munida de considerável acervo estatístico, Silvia Ramos, do Observatório da Intervenção, disse que tão nebuloso quanto o planejamento da Intervenção Federal é a busca por certos dados sobre a Polícia Militar do Rio de Janeiro. “Os batalhões têm uma dinâmica própria porque nem sabemos quantos são. O que sabemos é que existem grupamentos que, embora tenham menos policiais, há um número maior de letalidades (mortes) em comparação a batalhões com grande contingente de policiais e que registram os menores números de assassinatos.”, explica a cientista política. Ela também mencionou que em 27 de novembro, o Rio de Janeiro contabilizou 100 policiais mortos em 2018. Entretanto, desmistificou-se a ideia de que o montante de óbitos tenha sido resultado exclusivamente de confrontos em operações. Desse total, 41% teriam sido mortos em casos de latrocínio (roubo seguido de morte), 23% mortos em combate, 20% ligados a vingança ou execuções e 16% mortos em circunstâncias desconhecidas.

 

Em seguida, o antropólogo Luis Eduardo Soares, que já ocupou cargos em secretarias de segurança pública, começou a sua fala com uma provocação. Perguntou e pediu para que se identificassem, caso estivessem presentes, membros do Ministério Público Estadual, do Tribunal de Justiça ou da mídia empresarial. Ao perceber a negativa de sua resposta, ele disse que, com aquela impressão, “estávamos falando para nós mesmos”. E prosseguiu fazendo duras críticas ao sistema. “A intervenção é um desastre, pois reflete a inoperância de seus gestores e secretários. Esse dogmatismo foi incapaz de promover uma mudança de metodologia. Não se admite erros ou revisões em qualquer processo desse planejamento”, disse. Sobre o sistema penitenciário, afirmou que o Brasil detém a terceira maior população carcerária do mundo, com 724 mil presos, revelando dados preocupantes sobre como o racismo estrutural alimenta a lógica de encarceramento. “Desse montante, 70% são negros ou nordestinos, desses, 62% estão em situação de prisão provisória mediante flagrante delito. Ou seja,  sequer adentraram os processos jurídicos e já estão presos”, afirmou o pesquisador.

 

Em sua fala de encerramento, Soares também repudiou o estado de “guerra” declarado por alguns entusiastas de uma política mais conservadora sobre segurança pública. Condenou a adoção de práticas como a “Lei do abate” e o Excludente de “licitude” que apenas farão com que os agentes de segurança se tornem máquinas de matar mais eficazes.           

 

Para o procurador do Ministério Público Federal, Júlio Araújo, a possibilidade de diálogo e participação no Colóquio promovido pelo MPF foi um momento ímpar em função de uma série de constatações. “Nossas falas foram protagonistas do encontro, denúncias foram realizadas pelo Fórum Grita Baixada, Rede de Comunidades e Movimento Contra à Violência e outros movimentos e coletivos de favelas. Também foi um momento para entender e compreender melhor quando acionamos o MPF. E vejo que o melhor resultado gerado foi de termos construído uma agenda de continuidade. Por fim compartilho uma frase dita por uma favelada que permeou todo o encontro e que serve para nortear nossos próximos passos: quando tem uma operação policial ou das forças armadas de dia ou de madrugada o que acionamos. “Para onde ligamos”?

 

Fransérgio Goulart, coordenador do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada afirmou que o colóquio foi uma oportunidade de aproximação do MPF com instituições,  especialistas, movimentos sociais, entidades e moradores de comunidades para discutir a segurança pública no Rio de Janeiro e a violência do Estado. Não apenas pelos painéis, mas também pelas rodas de conversa. “O evento permitiu traçar um panorama da questão e estabelecer parcerias e formas de acompanhamento conjunto dos casos e relatos de violência. O desenvolvimento de redes de interação e acompanhamento dos casos é um dos desafios no cenário que se avizinha, e a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF pretende servir como um espaço de articulação e atendimento das demandas que se apresentarem”, disse Goulart.

 

 

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