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10 de abril

Enfrentamentos urgentes e necessários

Evento reuniu 45 mães que tiveram suas vidas marcadas pela brutalidade do Estado. Grupos de trabalho foram organizados

para elencar desafios a serem enfrentados e encaminhados para encontro nacional em maio na Bahia.

 

 

Do luto à luta. Foi esse o sentimento que tomou conta de quase 50 mães que participaram, na última quarta-feira (28/03) na Igreja de Santo Antônio de Jacutinga, Centro de Nova Iguaçu, do II Encontro Estadual de Mães e Familiares Vítimas da Violência. Organizado pela Rede de Mães e Familiares Vítimas de Estado na Baixada Fluminense e pela Rede de Comunidades e Movimento Contra a Violência, com apoio do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu e o Fórum Grita Baixada, as atividades não se concentraram apenas na difícil tarefa de desenterrar suas dores pessoais em função de tão brutais acontecimentos. Mas reunir forças para problematizar diversos aspectos de como o racismo, enraizado em diversas estruturas como o Poder Judiciário, sistema carcerário e legislação conivente com a violência de agentes de segurança, deve ser combatido e que políticas públicas podem advir dessas iniciativas. As participantes se dividiram em três grupos de trabalho temáticos. 1) Reparação Econômica, Psíquica e Social, 2) Direito à Memória e à Justiça e, por último, Sistema Prisional e Degase. 

 

Enquanto se organizavam, o Fórum Grita Baixada resolveu escutar uma dessas mães, para conhecer a sua trajetória de luta, semelhante a de tantas ali presentes. Leonor Oliveira teve o filho assassinado há 21 anos. Era um 1º de maio, Dia do Trabalhador. Leonardo foi morto em circunstâncias quase banais por um segurança de uma empresa privada de ônibus, com antecedentes criminais, porém nunca condenado pela Justiça. A história é surpreendente. “Meu filho entrou num ônibus, em plena luz do dia, e deu cinco reais ao trocador que, na verdade, era esse segurança. Ele ficou no lugar do outro trocador que não pôde ir. Sequer tinha vínculo empregatício, coisa que eu só fiquei sabendo durante a produção do inquérito. Mas ao dar o dinheiro, o segurança havia dito que não tinha troco e mandou meu filho descer. Ao se recusar, tomou um tiro na cabeça e teve seu corpo empurrado para fora do ônibus”, conta Leonor às lagrimas.

 

O veículo foi conduzido para a garagem por volta das duas da tarde, lavado pelo despachante e pelo  motorista pra retirar as manchas de sangue. Só depois da repercussão desse caso, é que o segurança foi preso e condenado. Agarrada a neta de 7 anos, que também participou da dinâmica com as mães, Leonor é temerosa quanto à vulnerabilidade de jovens pretos e pobres em relação à violência. “Eu olho pra ela e morro de preocupação, pois ela vai se tornar uma adolescente. Eu rezo todos os dias para que ela jamais faça parte de nenhuma estatística. Mas o que eu posso fazer? Vou colocar um chip? Como vou interferir na juventude dela?”, pergunta-se.

 

Depois de meia hora, os grupos organizaram as linhas de apresentação. Eis o resultado

 

O Grupo 1) Reparação Econômica, Psíquica e Social

 

Desafios:  Implementação da uma rede psicossocial dentro do SUS; Ampliação do fortalecimento das redes de apoio e proteção psicossocial e exercer força de pressão para a aprovação do FUNAVE (Fundo Nacional de Assistência às Vítimas do Estado).

 

Propostas: Articular e implementar em nível nacional, a Semana das Vítimas da Violência de Estado, cujo projeto de Lei 1789/16 foi sancionado pelo presidente da ALERJ, André Ceciliano (PT) e relatoria executada pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), em 7 de junho do ano passado. Dessa forma, o poder público institui a Semana Estadual das Vítimas da Violência, como parte do calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro; Criar estratégias para a obtenção de recursos de forma emergencial para novos atos, manifestações, seminários, etc.

 

O Grupo 2) Direito à Memória e à Justiça

 

Desafios: A falta de investigação de forma mais qualificada para os casos envolvendo moradores pobres ou de periferias; Como reverter os efeitos da manipulação da mídia na sociedade que já pré-julga tudo o que se refere a ações progressistas dentro de algumas especificidades; Como ter acesso aos próprios direitos; Como responsabilizar criminalmente o policial nas três esferas governamentais (Governo Federal, Estados e Municípios); A criminalização da vítima e dos familiares; Dificuldades de se registrar os casos como homicídio.

 

Propostas: Haver mais autonomia das perícias criminais, completamente desvinculadas das Polìcias Militar, Civil e Federal. Com essa iniciativa, aumentar a taxa de esclarecimento de homicídios no País (proposta já em tramitação na Assembleia Legislativa) Muitas das condenações se dão baseadas, unicamente, em meras provas circunstanciais e não em provas materiais, que são produzidas a partir da análise técnico-científica de vestígios deixados na cena do crime; Banimento da Súmula 70, dispositivo utilizado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que considera como prova incriminatória a simples declaração de agente de segurança quando do flagrante, apreensão e custódia de suspeito em atividade considerada ilícita. O uso excessivo dos testemunhos e do reconhecimento pessoal por policiais e juízes é criticado por especialistas. Esse tipo de prova é considerada essencial para o desfecho de investigações e processos no Brasil.; Organizar a criação de uma Comissão Mista formada por promotores e familiares para o acompanhamento dos casos de homicídio; Financiamento para mais atos e manifestações das mães.

 

Grupo 3) Sistema Prisional e Degase

 

Desafios: Desconstruir a naturalização de culpa que recai sobre as famílias, já que muitas das análises feitas, inclusive advindas de autoridades de segurança, insistem na tese de que “famílias socialmente desestruturadas” podem influenciar um suposto comportamento criminal, ainda que tal tese seja vaga e careça de maiores esclarecimentos; Garantir que presídios e o sistema Degase tenham apenas agentes mulheres nas alas femininas de suas unidades, sem a presença de homens, como vem acontecendo.    

 

Propostas: Que os agentes penitenciários e do Degase sejam claramente identificados; Elaboração de uma cartilha sobre o direito dos familiares; Garantir que as famílias saibam com rapidez sobre a localização de algum ente que tenha entrado em processo de custódia pelo Estado.

 

Participaram também a Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Estado, Frente Estadual pelo Desencarceramento, Mães de Manguinhos, Mães Sem Fronteiras, Mães de Maio. Tais desafios e propostas apresentados nos GT´s serão encaminhados em Encontro Nacional com as Vítimas da Violência em Salvador entre os dias 16 e 21 de maio. O encontro também trará representantes internacionais. Já há a presença confirmada de coletivos de mães vindos da Palestina, México e Estados Unidos.

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