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16 de agosto de 2019

Juventudes Negras no enfrentamento a ideologia racista e militarizada

Projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada, lança a publicação Cartografia Decolonial das Juventudes Negras da Baixada Fluminense, através de contranarrativas e mapas das vivências.

 

Cerca de 40 jovens, além de representantes de organizações e instituições da região, participaram, na manhã do último sábado (10/08), na sede do Pré Vestibular Popular +Nós, sediado na Primeira Igreja Batista de Nilópolis, do lançamento da mais nova publicação do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada. Batizada de “Cartografia Decolonial das Juventudes Negras da Baixada Fluminense”, o documento foi um produto nascido  da própria juventude negra e periférica a partir da indagação do impacto da militarização em seus corpos na Baixada.

 

Para a realização do trabalho de condução dessa cartografa, três facilitadores que conheciam a metodologia da Cartografia Decolonial,  acompanharam as oficinas e fomentaram essa construção a partir das seguintes perguntas geradoras: O que é conhecimento/E Quem o produz? O que é a Baixada Fluminense para Juventude Negra e Periférica moradora da Baixada? O que é ser jovem negro e periférico nesse território? O que é Militarização para as Juventudes Negras e/ou Periféricas e o impacto nas suas vidas? E Que Baixada desejamos e estamos construindo?

 

Mas para além de um simples desenho geográfico, o conceito de uma cartografia decolonial, tem por princípio confrontar uma cartografia hegemônica racista e por isso apresenta um sentido amplo e que constrói sentido para quem participa. Imagine que você more em uma localidade periférica, conhecida por possuir altos índices de violência e desprovida de uma estrutura social adequada (equipamentos públicos) como áreas de lazer, escolas, bibliotecas, hospitais, etc. Conhece a origem, as consequências e os mecanismos de perpetuação desses problemas comunitários. Sabe exatamente em que ponto de determinado território eles ocorrem. Em vez de fornecer apenas informações técnicas, a construção desses mapas das vivências se dá de forma participativa e apresentam o cotidiano de uma comunidade. Neles, são inseridos os elementos que as populações envolvidas julgam importantes destacar e discutir em grupo, preferencialmente. 

 

“A cartografia busca mostrar os impactos na vida cotidiana de uma política de segurança de morte, de execução de corpos descartáveis, em uma sociedade que tem o racismo estrutural como base das relações sociais. E, portanto, o alvo de ações militarizadas do Estado são os territórios periféricos e favelados. Em que as vítimas de operações da Polícia Militar e Civil são sempre os jovens pretos.”, explica a economista Giselle Florentino, do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do FGB, e que ajudou a sistematizar as informações presentes na publicação. 

 

Ela explica também que as contranarrativas da juventude preta da Baixada mostram os processos brutais de cerceamento de liberdade, a ausência de acesso aos direitos sociais básicos e o medo cotidiano de sofrer com as distintas faces de violência do Estado. A pesquisadora também ressalta que o genocídio “do povo preto não possui apenas o aspecto letal e também se dá no âmbito cultural, com a criminalização dos aparelhos culturais da periferia e favelas e a convivência diária com a milícia”. “Essa Cartografia Decolonial constituída pela Juventude do território mostra o poder da ancestralidade e da construção de redes de resistência para continuar na luta pela formação de uma nova sociedade, onde corpos negros não sejam subjugados pelo racismo," afirma Giselle.

 

Essa não é a primeira vez que o Fórum Grita Baixada constroi coletivamente um processo de cartografia. Em 28 de março do ano passado, foi lançada a publicação “Cartografia Social: O impacto da militarização na vida das mulheres da Baixada Fluminense”, proposta nascida da parceria com o Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu e Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada, através de apoio e financiamento da Fundação Heinrich Boll Stiftung.

 

O historiador e coordenador do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, Fransérgio Goulart, que também esteve à frente da primeira publicação e coordenou mais essa iniciativa, analisa a importância desse processo ser feito de tempos em tempos nesses territórios.    

 

“São vivências que geram conhecimento possível para se fazer qualquer insurgência contra a violência de Estado. Não vai ser nada fora desses territórios que vai fazer com que nossas vidas de favelado ou periférico possam melhorar. Fazer cartografias é a possibilidade de, a partir da vivência, da construção desses atores, de pensar questões relacionadas à militarização para se romper com o ciclo de violência do Estado. A violência de Estado vai ser enfrentada a partir desse protagonismo. Não vai ser ninguém de fora ou da universidade ou pesquisador, especialista em segurança pública que vai conseguir encontrar essa solução pra gente”, afirma Goulart. 

 

Ele também é um defensor de outras formas de produção de conhecimento (epistemologias) que não sejam as ditas tradicionais/acadêmicas.

 

“Eu sou a favor de reconhecer uma diversidade de epistemologias. E a favelada e periférica é uma dessas produções de conhecimento. Não que uma seja melhor que a outra, ambas estão no mesmo patamar. Os conhecimentos não tradicionais. O que seria o tradicional? Só aí já há um juízo de valor. Pra mim conhecimento é conhecimento e pronto. O que temos pautado nessa questão, é que existem outros territórios, outros grupos, outros espaços, que produzem conhecimento de forma independente. Não existe hierarquia entre esses conhecimentos. Não é o conhecimento da academia que é superior ao das periferias. É mais um conhecimento apenas.”, conclui o historiador.

 

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