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Fórum Grita Baixada, Quiprocó Filmes e Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência na Baixada Fluminense na noite da primeira exibição do documentário "Nossos Mortos Têm Voz" no teatro Metodista em Queimados

21 de junho de 2018

“Nossos Mortos Têm Voz” é apresentado para alunos de 3 escolas municipais  

Em dois dias, Teatro Metodista em Queimados é palco de debates sobre documentário que retrata o luto e a luta de mães da Baixada Fluminense. FGB conversa com parte do público e descobre realidades semelhantes as retratadas no filme.  

 

 

Dois dias, três escolas. O documentário “Nossos Mortos Têm Voz”, que retrata a luta de mães e mulheres da Baixada Fluminense, que tiveram seus filhos e familiares assassinados por agentes públicos de segurança, ganhou mais uma escala dentro de sua trajetória. Produzido pela Quiprocó Filmes e apresentado por Fórum Grita Baixada e Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, com o apoio de Misereor e Fundo Brasil de Direitos Humanos, o filme foi exibido em duas noites no palco do Teatro Metodista, Centro de Queimados. Na última quarta-feira (13/06) e a exibição mais recente, realizada terça-feira (19/06). 

 

O público era  especial. Por ser tratar de estudantes de escolas municipais da cidade, pertencentes às turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal Leopoldo Machado, na primeira noite de exibição, e provenientes das Escolas Municipais Oscar Weinscenck e Scintilla Exel na última terça-feira. A faixa etária do público é uma presença constante nas estatísticas que contabilizam mortes de jovens negros, pobres e periféricos, vítimas de violência A brutalidade não está presente apenas nos relatos ao longo do filme, mas nas histórias desse público que, não apenas, se reconhece na tela, mas que compartilha experiências igualmente difíceis quando se trata de se relacionar com cotidianos violentos.

 

A noite de quarta-feira (13/06) ficou reservada para quase 90 alunos da Escola Municipal Leopoldo Machado. Enquanto os convidados, dentre eles o sociólogo José Claudio Sousa Alves, professor da UFFRJ, que falava sobre como a distribuição em massa de armamentos e munições para guardas municipais e a sociedade civil poderia ser um desastre, “K*”, 18 anos, concorda. Acha que distribuir mais armas para a população, conforme a fala crítica do professor, não vai resolver o problema. “A matança vai ser pior do que já existe”, diz “K”, um pouco cabisbaixo. Morador de um conjunto habitacional, ele diz que o local agora é comandado pela milícia. “Eles fazem toque de recolher. Quem estiver na rua depois das 10 da noite, não importa o motivo, já toma um “esculacho” (agressão). E não é tapa na mão, não. É coronhada de arma na cabeça mesmo pra doer mais”, relata “K”

 

“X*”. também tem 18 anos. Por coincidência, mora na mesma comunidade que “K” e faz relatos mais impactantes. Segundo seu testemunho, os milicianos costumam tirar foto de todos aqueles que consideram suspeitos, uma espécie de banco de dados da opressão.

 

A terceira participante do cine debate na noite de quarta-feira é “W”. Ela está visivelmente muito emocionada com o filme. Perguntamos qual seria o motivo das lágrimas e eis que vem a surpresa. Ela conhece  a história de Izildete Santos da Silva, mãe de Fábio, que, no filme, encontra-se desaparecido desde 2003 após ser abordado por PM´s. Ela aproveita e revela alguns detalhes mencionados no documentário sobre o desaparecimento de Fabio, mas que pouco servem para desvendar o mistério sobre o seu paradeiro. “Ele estava indo ali em direção a Estrada do Casareto, perto do campo do São Roque, pra uma festa. Eu vi o Fabio acompanhado de uma menina que disse que chegou a ser, também, abordada por policiais. Depois que ele sumiu, os delegados ameaçaram essa menina e os parentes dela. Ela “sumiu” daqui e ninguém sabe pra onde ela foi”, conta “W”. 

 

Embora sejam histórias difíceis de ouvir, Letícia Fajardo, coordenadora de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da secretaria municipal de Educação da prefeitura de Queimados, e uma das co-organizadoras dos dois eventos, diz que nenhum educador pode fechar os olhos frente ao avanço da violência na Baixada Fluminense. Discutir como cenários violentos podem afetar o aprendizado dos alunos é uma de suas preocupações.

 

 “Não podemos ignorar essa questão. Muitos desses meninos e meninas convivem com essas práticas e vivências violentas quase que diariamente nos locais onde moram. Embora tenhamos muitos alunos inteligentes, sabemos que alguns têm algum déficit de atenção causado por episódios de violência na família, por exemplo. O documentário traz essa inquietação para o debate, pois resgata o direito à memória que é esquecido em momentos de choque como esse. Ele traz a memória da cidadania que precisa ser resgatada”, afirma Letícia.

 

Na segunda noite, a da última terça-feira (19/06), o auditório ficou pequeno para as escolas municipais Oscar Weinscenck e Scintilla Exel. Parte do debate após a exibição do documentário se concentrou na notícia de que Queimados é o município com mais mortes violentas no país, de acordo com o Atlas da Violência 2018, divulgado quatro dias antes. A pesquisa, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, analisou dados de 309 cidades do Brasil e pôs o município da Baixada Fluminense no topo da lista, com taxa de 134,9 mortes violentas a cada cem mil habitantes.

 

Sobre essa notícia, o ativista ambiental Carlos Greenbike, presente na plateia, fez a seguinte crítica. “Não é Queimados que é violenta. A cidade é violentada por esse poder que vai nos destruindo aos poucos. Qualquer um aqui pode ser vítima de violência ou alguém da família de vocês. Os jovens que estão aqui presentes não sabem como eles são violentados e é preciso que eles se conscientizem como lutar para que isso diminua”, desabafou Greenbike muito aplaudido pelos estudantes.    

 

*o nome de alguns entrevistados e locais onde moram foram omitidos por questões de segurança ou a pedido dos mesmos

 

Resumo do livro do professor José Cláudio Souza Alves, da UFRRJ, sobre a violência na Baixada

 

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Noite da segunda exibição do filme 

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