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16 de setembro de 2022

Dados que continuam a preocupar

Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Fórum Grita Baixada (FGB) promovem lançamento estadual da edição 2021

do Caderno Conflitos no Campo.

 

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Fórum Grita Baixada promoveram na última sexta-feira (09/09), o lançamento estadual do caderno Conflitos no Campo. Ele é um registro, atualizado todos os anos, do mapeamento nacional dos tipos de violência por área, origem dos conflitos e  indicadores dessas violências, análises de conjuntura e alguns contextos históricos considerados caso a caso.

 

Quase 70 pessoas compareceram ao evento, que aconteceu no Salão Verde do Centro de Formação de Líderes (Cenfor), em Moquetá, Nova Iguaçu e, na ocasião, foram organizadas duas mesas com a presença de militantes e especialistas que forneceram um breve painel envolvendo o atual cenário político nacional, sob a perspectiva da violência sofrida pelas populações camponesas e povos originários.  

 

Iniciando os trabalhos da primeira mesa, mediado por Tais Côgo, da CPT, a coordenadora estadual da CPT-RJ, Priscila Campos, afirmou que embora haja um projeto de morte na violência estatal e política contra os trabalhadores do campo, indígenas e quilombolas, ela afirma que os conflitos ao redor do país também são atos de resistência.

 

- Só conseguimos prosseguir graças a solidariedade de nossas redes. Há, evidentemente, a institucionalidade dessa violência em função de agentes hegemônicos. Entretanto, a defesa desses territórios está em disputa, a disputa pela vida. As juventudes e a dimensão étnico-racial são os principais alvos da violência no campo. As questões de gênero também precisam ser discutidas sob a perspectiva dos dados presentes nesse Caderno. – afirmou Priscila, que ainda ressaltou: “No ano de 2021, tivemos 35 assassinatos no campo, fazendas invadidas e seus filhos mortos. Essa campanha é um pedido de socorro. Não podemos esperar a institucionalidade se fazer presente. Temos de agir”, completou.

 

Em seguida, foi a vez de Igor Carvalho, professor de Educação do Campo da UFRRJ e membro da Articulação de Agroecologia do Estado do Rio de Janeiro (AARJ). Ele disse que a história do Brasil é uma história de violência no campo. Tomou como exemplo os cercos a Palmares e a Canudos como iniciativas de extermínio em áreas camponesas. Segundo o pesquisador, a violência no campo tem a sua razão de existir em função do latifúndio. A desigualdade socioeconômica, aliada a má distribuição de terras e de recursos, contribuem de forma robusta para esse cenário.

 

- Recomendo que vocês estudem esse caderno, é um trabalho nobre e muito duro também. Os poderosos querem convencer a sociedade de que não existem áreas rurais na Baixada, principalmente em Nova Iguaçu. Eles querem que tudo por aqui seja somente área urbana para que eles possam desmobilizar ações e organizações que militam nos territórios rurais. Além disso, é preciso uma reforma agrária agroecológica, além de um sistema de justiça que atenda às demandas ambientais e econômicas do campo. – disse Carvalho.  

 

A terceira a falar foi Bia Carvalho, representante do Coletivo Terra e do assentamento Terra Prometida. Parte de sua fala se concentrou em organizações, como o Movimento dos Sem Terra (MST), que contribuem em tentar retirar o país do mapa de insegurança alimentar, junto  com políticas e ações de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, mas que são perseguidos por terem uma ideologia contrária a do atual governo federal. 

 

- Por que há tanta repressão para pessoas que produzem comida, justamente no momento em que o Brasil voltou ao mapa da fome? Essa resistência pela vida em plenitude é que está em jogo, pois vivemos uma negociata de política com os agricultores. O agronegócio também é uma forma de genocídio. – explicou Bia que também exigiu do poder público mais atenção aos assentamentos. “Temos de conhecer esses territórios, esses direitos. Nós também somos corpos matáveis. Não geramos conflito, não brigamos. Mas direitos estão sendo negados! Se não tivermos uma mudança de ações concretas, tudo pode acabar. Esses territórios precisam produzir comida. Não temos energia elétrica, transporte, estradas. Os assentamentos são pobres, abandonados”, salientou Bia.

 

Em seguida, após a troca do corpo de palestrantes, foi iniciada a segunda mesa que contou com o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, como mediador. Antes de começar o debate, Araujo destacou que o FGB possui como membro de sua coordenação ampliada, a companheira Sônia Martins, militante histórica da CPT na Baixada Fluminense, com quem sempre houve uma relação de grande parceria. Em seguida, ele afirmou que “a violência que acontece no campo e no asfalto não faz nenhuma diferença para nós em termos da percepção da lógica dos assassinatos, desaparecimentos forçados, e também da atuação das milícias. São forças que operam lá e cá. Essas forças obedecem a mesma estrutura de produção de morte que ocorre nas favelas e periferias e que atinge principalmente a população negra, pobre e periférica”, disse Adriano.

 

Retomando o ciclo de palestras, deu-se a palavra a Tatiana Cotta, professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), além de integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin (Najup), da Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ. Ela disse que a violência é tão inerente ao papel do Estado em relação a série de atrocidades históricas no meio rural que chamou, ironicamente, a violência produzida nessas circunstâncias de “políticas públicas”.

 

- Além disso, é uma política de invisibilização da agricultura familiar e do campo. Isso se dá de várias maneiras: pela negação dos direitos que estão programados, mas não implementados, por um censo agropecuário que não se preocupa em cadastrar e levantar os dados dos assentamentos rurais e pela não consolidação de planos diretores que reconheçam as áreas rurais da Baixada Fluminense. Ou seja, tudo isso não é uma ausência, uma omissão. É intencional, explicou a professora, daí a configuração como uma “política”, afirmou Luiza.

 

Também presente na mesa 2, estava o professor Paulo Alentejano, do Departamento de Geografia da UERJ. Em seu momento de fala, afirmou que existem várias problemáticas sobre o uso da terra e das águas, que ele chamou de contrarreforma agrária, dados alguns aspectos peculiares da administração federal em relação ao tema.

 

- O que vemos é uma “reforma agrária” para beneficiar o agronegócio que quer se expandir para produzir commodities de exportação. Se não impedirmos, teremos um campo esvaziado e isso irá contribuir para o avanço da fome que já atinge 33 milhões de pessoas. Além disso, terras públicas continuam sendo griladas sem nenhum tipo de fiscalização ou vigilância.

 

Leonardo da Costa Lopes, representante do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ) afirmou que defende a importância das áreas rurais: "Sempre mostro a importância da agricultura familiar, mas o poder público não faz estradas em assentamentos porque eles sabem que não vai dar votos", afirmou.   

 

Encerrando o evento com seu momento de fala, o coordenador do Programa Estadual de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH) , Felipe Carvalho, disse que o Caderno Conflitos no Campo 2021, “é um instrumento necessário para que possamos entender e diagnosticar locais em que o conflito está acontecendo em sua maior proporção”:

 

- Defensores e defensoras de direitos humanos têm sido atacados e assassinados por defenderem uma reforma agrária. O governo federal, através do INCRA, que é órgão que regulariza os territórios no campo, incluindo os quilombolas, tem colocado defensores e defensores sem qualquer tipo de assistência jurídica, técnica ou financeira. Por isso o PEPDDH é fundamental para articular políticas públicas que beneficie a luta pela reforma agrária. - completou Carvalho. 

 

Dados que assustam:

Só para se ter uma ideia, em 2021, foram registrados 35 assassinatos decorrentes desses conflitos no campo, um aumento de 75% em relação a 2020, além de outras formas de violência. Veja abaixo outros dados extraídos do caderno Conflitos no Campo 2021, da CPT:

 

Garimpo em terras indígenas: Vem se expandindo com impactos sobre a Amazônia. Dados da plataforma MapBiomas, lançados em 2021, mediram a área ocupada pelo garimpo no Brasil entre 1985 e 2020, indicando que cresceu mais de seis vezes no período: de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares há dois anos.

 

Luta por terra: Em 2021, ainda que o número de conflitos no campo tenha apresentado uma queda de 14% em relação a 2020, esse número é ainda maior em 14,6% que o registrado em 2018, ano anterior à posse do atual governo, quando se registrou o número de 1.542 conflitos.

 

Agro-violência: De 2011 a 2021 houve, em todo o país, uma média anual de 1.029 ocorrências de conflitos por terra. Somente entre 2015-2021 essas ocorrências tiveram um aumento de 12%. Nos três anos de governo Bolsonaro (2019-2021), registrou-se a média anual de 1.359 ocorrências, 32% acima da média anual de toda série histórica considerada nessa análise.

 

Conflitos por água: Foram 302 em 2021. Dentre eles, 30% foram provocados por mineradoras internacionais, 19% por setores empresariais, 14% por fazendeiros, 20% pela instalação de hidrelétricas, 9% pelos entes governamentais (federal, estadual e municipal) e 8% pela atuação de garimpeiros. Destes 302, 135 envolviam disputas por uso das águas, 127 se relacionavam à construção de açudes e barragens e 40 giravam em torno da apropriação privada.

 

Trabalho escravo contemporâneo: De 950 pessoas resgatadas de trabalho escravo no ano de 2020, 77% eram negras e 5% eram indígenas. Em 2021, de 1990 resgatados, 80% se autodeclararam negros e 3% indígenas.

 

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