04 de julho de 2019

ARTIGO 

O QUE É SER MULHER NEGRA NA BAIXADA FLUMINENSE?

por Marilza Barbosa Floriano,  

Assistente Social, moradora de Duque de Caxias, articuladora de territórios do projeto Direito à Memória e Justiça Racial, do Fórum Grita Baixada, e membra da Frente Estadual pelo Desencarceramento, da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada Fluminense e do Movimenta Caxias. 

 

Ser mulher negra e favelada na Baixada Fluminense é uma batalha cotidiana, pois sofremos com a ausência de investimentos em políticas públicas e a violação de direitos básicos. Em inúmeros bairros, sofremos com a falta de saneamento básico, creches, escolas e postos de saúde, além da mobilidade que é limitador para conseguirmos um emprego, consulta médica, ter acesso a  cultura, lazer entre outros direitos, devido ao custo absurdo das passagens. São desafios históricos impostos a população da Baixada Fluminense e principalmente às mulheres negras que precisam lutar pela sobrevivência desde o nascimento, pois, muitas de nós somos responsáveis por prover a casa desde cedo.

 

A falta de acesso à educação e a cor de nossa pele é um limitador para que possamos acessar o mercado de trabalho e, principalmente, de nos prepararmos para concorrer, de forma igualitária, às vagas ofertadas. Uma imensa parcela das mulheres negras da Baixada Fluminense trabalha como empregadas domésticas, em cargos operacionais ou em sub-empregos. Isso se dá devido a falta de escolaridade ou simplesmente por não estarmos dentro dos padrões exigidos pelas empresas que não querem mulheres negras em determinados cargos e funções. Pelo simples fato de sermos negras. E, em meio ao racismo estrutural e institucional, temos que criar estratégias para sobrevivermos e criar nossos filhos.

 

Então, mesmo que tenhamos formação, às vezes passamos anos de nossas vidas presas nos apartamentos e, em muitos casos, sem direitos trabalhistas, já que muitos patrões não veem o trabalho doméstico como profissão, assim também como uma parcela da sociedade. Mas o direito mais importante que perdemos é o de poder ver nossos filhos crescerem e se desenvolverem, pois temos que sair muito cedo e voltar tarde para uma segunda jornada. Isso quando não temos que dormir no emprego. Para a mulher da Baixada Fluminense, que necessita trabalhar, se sente muitas vezes humilhada, por não ter onde ou com quem deixar seu filho/s, pois os investimentos em creches e escolas públicas são mínimos. O que não nos dá outra opção a não ser contar com os familiares ou vizinhos e, em muitos casos, deixar sozinhos em casa.

 

Em meio a todos esses desafios, muitas mulheres ainda convivem com o sofrimento da violência doméstica, que tornam suas vidas um tormento, já que depois de um dia exaustivo de trabalho e após enfrentar transportes públicos lotados, ainda têm que lidar com os maus tratos de seus companheiros que as agridem física e verbalmente todos os dias. A violência doméstica destrói gradativamente suas autoestimas e elas adoecem lentamente, sem que estas mulheres percebam que estão sofrendo.

 

E isso acontece devido à falta de acesso ao conhecimento do que é esse tipo de violência, mas também da dificuldade de romper com o ciclo da violência. Mas o fato de ter conhecimento e acesso as informações também não livra a mulher de sofrer a violência doméstica, pois o simples fato da mulher querer estudar e trabalhar pode ser usado como desculpa por um homem agressor. Muitas mulheres são criadas para cuidar da casa, dos filhos e do esposo, prática ainda reproduzida por muitas famílias que criam suas filhas e as educam para casar e servi-los.

 

Como se pode perceber, ser mulher negra na Baixada Fluminense é uma luta constante contra o machismo e o racismo. Romper com os padrões impostos para uma mulher negra da Baixada é um desafio constante, que exige muita garra e determinação e grande sofrimento, pois tem que lidar com inúmeros preconceitos e discriminações que são colocados a cada objetivo alcançado e a cada meta atingida.

 

Mas, felizmente, muitas mulheres negras da Baixada Fluminense estão conseguindo romper as barreiras impostas pelo machismo e pelo racismo, conseguindo acessar as escolas e chegando às universidades através do conhecimento. Estão conseguindo entender que, a culpa não é nossa. Mas, sim, que é um projeto para que nós, mulheres negras, pobres, periféricas e faveladas, continuemos na eterna escravidão e submissão impostas para nosso povo desde que fomos escravizadas e, principalmente, a nós mulheres negras que somos vistas e tratadas como objetos e não como seres humanos. O que infelizmente, nos leva a travar uma luta cotidiana para sobrevivermos aos desafios de ser mulher negra, pobre, periférica e favelada na Baixada Fluminense.