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31 de janeiro

“Libertem Nosso Sagrado” é exibido em Nova Iguaçu

Documentário da Quiprocó Filmes, que aborda a história de objetos sagrados da umbanda e do candomblé confiscados pela Polícia Civil, no início do século XX, reacende a polêmica sobre intolerância religiosa

 

Imagine você professar uma fé da qual ela é vista como algo nefasto. Sua liturgia ser encarada como uma afronta a religião oficial apenas por ser diferente das ditas “tradições convencionais”. Sua prática ser criminalizada no Código Penal a ponto de seus praticantes perderem a guarda dos filhos, caso os mesmos fossem flagrados em alguma batida policial. E como se não bastasse, objetos dessa religião serem tutelados pelo Estado e serem exibidos como artefatos de “magia negra”. Tudo isso porque a sua religião advém de antigos escravos negros. 

 

Todas essas violências foram esmiuçadas através da coleta de depoimentos de religiosos, antropólogos e historiadores, presentes no documentário “Libertem Nosso Sagrado”, da dupla de cineastas Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, sócios da produtora independente Quiprocó Filmes, e que contaram com a consultoria do teólogo e historiador Jorge Santana, que também assina o roteiro e a co-direção da película.

 

Lançado em dezembro do ano passado e exibido em 23 de janeiro, seguido de debate ecumênico no Espaço Cultura Sylvio Monteiro, em Nova Iguaçu, o filme descontrói a histografia do racismo religioso, que perdura por séculos, até chegar a apreensão de cerca de 200 peças, incluindo, roupas, instrumentos musicais e representações de orixás, resultado de diversas invasões a terreiros de umbanda e candomblé, na década de 1930, cujo cenário político era regido pela doutrina do Estado Novo, implantado pelo presidente Getúlio Vargas. O acervo encontra-se, ainda hoje, trancafiado em péssimas condições de armazenamento no Museu da Polícia Civil, no Centro do Rio de Janeiro.

 

Desde então, mães de santo, militantes do movimento negro, intelectuais e políticos da campanha homônima “Libertem Nosso Sagrado”, lançada pela Comissão de Direito Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) desejam que se faça a devida reparação histórica e os objetos sagrados façam parte uma devida e adequada curadoria capitaneada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

 

No documentário, aprendemos, com o professor de História Social, Luis Antônio Simas, autor do livro “Pedrinhas Miudinhas: Ensaios sobre Ruas, Aldeias e Terreiros”, que o processo de apagamento histórico promovido pela perseguição às religiões de matriz africana pode significar uma série de danos irreparáveis para a cultura brasileira. “Não ter contato com as religiões de matriz africana, é renegar, dentre outras possibilidades, um outro olhar sobre o mundo, uma filosofia que respeita os elementos da natureza, uma nova configuração de pedagogia familiar através da religião”, explica o historiador.    

  

“Essa é a história não oficial, aquela que não será contada nos livros, não irá aparecer na TV. Queremos que todos esses objetos apreendidos, façam parte de um inventário participativo, para que os religiosos os nomeiem e cataloguem de forma adequada e que sejam retirados o mais rápido possível daquele lugar. A perseguição às religiões afro não fazem parte apenas de um racismo estrutural, mas também de um racismo religioso.”, diz Jorge Santana.

 

Já Fernando Sousa, ao perceber a heterogeneidade de religiões presentes na mesa de debates, disse que não se trata de “uma luta entre umbandistas e candomblecistas, mas de pessoas envolvidas em práticas para se evitar a disseminação do discurso de ódio”. “Esse ódio”, prossegue Fernando, “é o mesmo que fez com que a prefeitura de São Gonçalo acabasse com um verdadeiro tesouro arqueológico das religiões de matriz africana, a derrubada do primeiro centro de umbanda do Brasil.” Sousa se refere a uma polêmica ocorrida em outubro de 2011, quando a então prefeita da cidade, Aparecida Panisset, evangélica, botou abaixo o mais antigo terreiro do Brasil, no bairro do Neves, que funcionava há 103 anos, além de riscar do mapa um centro espírita, existente há meio século, para a construção de uma vila olímpica.

  

Discurso emocionante

 

Um dos mais reflexivos discursos durante o debate foi o do padre Ricardo Barbosa, da Diocese de Nova Iguaçu. Ele disse que além do componente racista anteriormente citado por Santana, ele sugere que o Estado apresente desculpas formais pela perseguição sofrida aos praticantes e sacerdotes afro durante todos esses anos. “Eu sinto a dor desses irmãos de fé, pois eu me coloco no lugar de quem sofreu essas arbitrariedades. Eu como cristão, ficaria destroçado caso visse a Bíblia ser dessacralizada ou um cálice atirado ao chão e pisoteado. Eu, que sempre encontro conforto e alívio ao pedir bênçãos a Jesus Cristo, como ficaria diante dessa impossibilidade de manifestar amor ao meu Deus? Essa é a pior das perseguições”, afirmou padre Ricardo.

 

Uma das estrelas do documentário, Mãe Meninazinha de Oxum, de 74 anos, é neta e herdeira de Iyá Davina (Davina Pereira), que tem raízes na alta linhagem do candomblé da Bahia. A simpática religiosa comanda o terreiro Ilê Omolu Oxum, aberto em Nova Iguaçu, em 1968, e cinco anos depois transferido para São de João de Meriti, onde funciona até hoje. Ela conversou brevemente com o Fórum Grita Baixada sobre o documentário: “Nós precisamos ser respeitados” VEJA VÍDEO

 

O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, em momento de fala, disse que o Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu está desenvolvendo, junto com equipe técnica, a criação de um aplicativo para a coleta de denúncias de violências cometidas na Baixada Fluminense. E que a utilização desse aplicativo também serviria para acolher denúnci

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Trecho do docunentário "Libertem Nosso Sagrado", da Quirprocó Filmes.