27 de novembro de 2024 
REUNIÃO ABERTA DO FGB DISCUTE RESULTADOS DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2024  
Análises resultarão em boletim sobre a nova configuração político-partidária da Baixada Fluminense 

 

Com o término das eleições de 2024, como se configura o cenário político da Baixada Fluminense, especialmente nos poderes executivos locais (prefeituras) e as Câmaras Legislativas? Que análises podem ser extraídas de acordo com o viés ideológico, os partidos políticos, os recortes de gênero, raça, religião e os chamados grupos de interesse? Para responder a essas e outras indagações, Fórum Grita Baixada convocou, no dia 08/11,  para sua reunião aberta mensal, cuja temática era o resultado das urnas nesta eleição. 


Para fomentar o debate, convidamos três facilitadores: Carol Black, formanda em Ciências Sociais pela UFRRJ, militante do Movimento Brasil Popular e coordenadora da Frente de Evangélicos do Rio de Janeiro.Atualmente la faz a assessoria legislativa da deputada estadual Marina do MST. Augusto Perillo é mestrando no programa de pós graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Cria de Nilópolis, formado em licenciatura em ciências sociais pela UFF, é um dos autores do livro "Desaparecimento Forçado: Vidas Interrompidas na Baixada Fluminense" e produtor audiovisual. E o meritiense Douglas Almeida, economista, mestre em políticas públicas, doutor em Sociologia e pós-doutorando também pela UFRRJ.


Esquerda evangélica 
A graduanda em ciência social Carol Black iniciou o debate fazendo uma análise de conjuntura com abrangência mais nacional, evidenciando o quanto os evangélicos progressistas têm se comprometido em fortalecer as agendas de esquerda e, principalmente, se comunicar com os seus pares contribuindo para impedir o processo de disseminação de fake news. Ela falou um pouco sobre o programa radiofônico "Papo de Crente", com meia hora de duração e que existe há 2 anos na grade de programação da Rádio 93 FM, uma rádio cristã e conservadora, mas que apreciou o formato do programa, inclusive aumentando a sua audiência.  


- Tem um pastor, conduzindo uma oração com as músicas e os louvores que cantamos na igreja. Mais adiante pode entrar uma entrevista com uma jornalista, tratando de uma temática que a gente pode colocar em debate. Já falamos sobre as mudanças climáticas, chamamos especialistas para que dessem suas opiniões e entra o momento "Fato ou Fake", em que a gente reproduz alguma mensagem de grupo de WhatsApp e fazemos uma checagem de informações para comprovar se aquilo que foi divulgado é mentira ou não.- diz Carol. 


Carol também afirmou que ainda lhe causa estranheza o fato de haver uma resistência por parte da esquerda em enxergar com naturalidade a existência de pessoas progressistas e, como ela, evangélicas. 


- "Hoje em dia é a religião em que se tem mais negras e negros no Brasil. Não sei porque ainda se perguntam. Será que é racismo? Será que não perceberam que as religiões evangélicas dialogam muito mais com a base do que a própria esquerda?" - perguntou Carol, à audiência.   


Carol também frisou que os evangélicos foram primordiais para a vitória do presidente Lula em 2022.  Entretanto, admite que setores mais à extrema direita das igrejas neopentecostais estão órfãs do bolsonarismo, que, embora enfraquecido, ainda demonstra ter muito poder de influência na política partidária. Ela também explicou que os evangélicos, assim como ocorre em outras fatias da sociedade, se identificam com discursos norteados por vieses ideológicos. 


- "Para o evangélico, a fé é orgânica. Onde ele está, ele se entende e se coloca enquanto evangélico. E como é uma fé baseada na evangelização, em trazer mais pessoas para este nicho, cada oportunidade de converter, dar uma palavra, trazer alguém pra si, vai ser aproveitada. Então, é um trabalho de convencimento e diálogo, que outros espaços, que deveriam ser mais inclusivos dentro de nossas bolhas, não estão fazendo. É sobre nos recursarmos a ser esse lugar de acolhimento." - pontua Carol. 


Nas eleições de 2024, formas de violência deixam tudo pior
A compra de votos continua sendo um problema crítico em cidades periféricas como as da Baixada Fluminense. E em 2024 essa situação não foi diferente. A prática, além de ser crime eleitoral, funciona de forma eficaz em regiões marcadas por vulnerabilidades econômicas, onde a precariedade dos moradores é explorada através de junção de políticos corruptos, que se associam a  líderes comunitários ou cabos eleitorais que atuam como intermediários entre candidatos e a ausência de fiscalização adequada. 


Essa é uma das conclusões que o cientista social Augusto Perillo apresenta em seu momento de fala  


 - "Nós tivemos um despejo de dinheiro como nunca antes visto nessas eleições. Voto pra vereador oferecido a trezentos, quatrocentos reais, por exemplo", aponta Perillo.  


Ele também destaca a participação de grupos criminosos e o uso da violência e de  técnicas de repressão a alguns candidatos. Segundo Perillo, várias pessoas foram ameaçadas de morte.  


- "A violência faz parte dessa pedagogia de política que os números não mostram. Ela convive com a utilização do aparelho do Estado para benefício pessoal e a permissividade dos órgãos responsáveis que fiscalizam o processo de votação. Eu escutei relatos de pessoas que procuravam agentes do TRE pra saber em que parte da seção eleitoral haveria compra de voto. Em outro caso, uma pessoa armada adentrou uma seção, pressionando os mesários a computar votos para o candidato, que poderia ser do tráfico ou da milícia, dependendo da ocasião. Alguns dos mesários tiveram crise de pânico", relata Perillo. 


Segundo o estudioso, o processo eleitoral deste ano apresentou uma série de pioras em relação aos anos anteriores. Ele está mais violento, mais caro, mais difícil de escutar, com menos projetos em disputa e mais pessoas se degladiando por voto e território. 


Ruas cansadas, mas animadas nas urnas. 
Em seu momento de fala, Douglas Almeida afirmou que sua análise se baseou em vários momentos da sua trajetória: enquanto militante de movimentos sociais, assessor parlamentar, cidadão de São João de Meriti ou candidato a cargo político.  


Pelas suas impressões, muitas baseadas em sua cidade de origem, ele transpareceu que a tão acirrada dicotomia política entre esquerda e direita na Baixada Fluminense estava menos beligerante em relação a anos anteriores. Douglas afirma ter percebido, por parte da população, muito descontentamento com a política partidária, mas que, ao mesmo tempo, demonstrou ter certa disponibilidade em ouvir propostas.  


- "O que acontece na rua é diferente daquilo que acontece nas redes sociais. Independente se você é lulista ou bolsonarista, se você está no PSOL, no PT, no PL. Na rua, percebemos pessoas insatisfeitas com a política, mas sendo cordiais com quem estava no período da pré-campanha, fazendo diálogo na feira, nos espaços comerciais e de grande circulação", afirmou o cientista político.


Entretanto, mesmo com uma suposta insatisfação popular, Douglas percebeu certa tranquilidade na desenvoltura dos candidatos mais ricos e poderosos. Quem já era vereador ou dispunha de uma uma boa estrutura, incluindo uma quantidade generosa de recursos, foi visto, estranhamente, de forma bem discreta na fase da pré-campanha. 


- "Ou estavam desenvolvendo outras atividades ou não estavam fazendo trabalho algum", disse Douglas.  
 

Embora haja um manifestado descontentamento de grande parte do eleitorado com os rumos da política partidária, Douglas observa que houve uma taxa de reeleição bem considerável entre os prefeitáveis da Baixada. O que seria uma contradição, já que reeleger significa aprovar o governo local.  


- Com exceção de São João, Belford Roxo e Paracambi, praticamente todos os prefeitos da Baixada Fluminense que estavam disputando reeleição foram reeleitos. Então a população escolheu a continuidade, mesmo com as insatisfações que se materializam nessa época do ano, afirma Douglas. 


As eleições de 2024 na Baixada Fluminense refletiram as complexidades políticas da região, marcada por disputas intensas e realidades desafiadoras. O processo eleitoral, no entanto, foi permeado por práticas que comprometem a democracia local e ainda  levantam questionamentos sobre a renovação política na região.