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Moradores do bairro Pantanal, em Duque de Caxias, voltam a falar com a gente, dessa vez sobre as eleições 2020

27 de novembro de 2020

 

Eleições 2020

Rio On Watch + Fórum Grita Baixada  

As Eleições Municipais na Periferia de Duque de Caxias e a Política do Cansaço

Dois anos depois, retornamos ao Pantanal, bairro periférico de Caxias. 

 

Que dinâmicas o comportamento eleitoral evidencia com o passar do tempo, em meio a tantas promessas não cumpridas e expectativas frustradas? Como os eleitores agem em relação ao voto ou de que maneira respondem a este processo nos dias de hoje? A pandemia do novo coronavírus, que explicitou de forma perversa a ausência do poder público em promover um gerenciamento eficiente da crise humanitária nas favelas e em outras periferias, pode influenciar as escolhas no certame deste ano?

 

Para saber um pouco mais sobre como as indagações são percebidas por eleitores que vivem na periferia de Duque de Caxias, foram entrevistados três moradores do bairro Pantanal, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. No Pantanal não há creches nem UPAs, falta esgotamento sanitário adequado em quase todas as ruas, situação que se soma a problemas de mobilidade que se perpetuam por anos na localidade.

 

Ainda em 2018, às vésperas das últimas eleições gerais—quando o pleito elegeu presidente da República, governadores, senadores, deputados estaduais e federais—visitamos pela primeira vez o bairro do Pantanal para uma matéria no RioOnWatch—conversamos muito sobre a análise de conjuntura dos moradores sobre o certame eleitoral. Na ocasião, ouvimos três moradores: Juliana Maia, guia de turismo e uma das idealizadoras do projeto social Família Lanatanpa, que dissemina a cultura hip hop e rodas de conversa sobre temas variados para a juventude local, Jonathan Farias, comerciante, e Gabriel Goulart, um jovem barbeiro de 20 anos.

 

Desta vez, às portas das eleições municipais de 2020, não conseguimos localizar os dois rapazes para essa segunda conversa sobre as eleições. O time de entrevistados contou com a mesma Juliana Maia, desta vez acompanhada de Orlando Sérgio, aposentado, e da nutricionista Olga César. Todos os participantes têm em comum o fato de terem passado suas vidas no Pantanal.

 

Mas o que tempo ensinou ao trio sobre promessas não cumpridas a cada ano eleitoral? Como esse ciclo de eternas repetições impacta suas vidas?  Na opinião de Juliana, parte do que se vive nessa comunidade está diretamente relacionado a uma concordância inconveniente dos próprios moradores.

 

“Se a pessoa [o candidato] vem aqui a cada quatro anos e agrada, o povo vai e dança conforme a música. A perda da memória também é um problema, os eleitores se esquecem rápido demais. Eles estão errados, mas nós, enquanto população, também contribuímos para isso”, diz ela.

 

Orlando traz um outro elemento que contribui para esse cenário político local: o calor do momento.

 

“O cara vem aqui, promete que vai trazer escola, UPA, etc. Faz uma festa, um churrasquinho, o pessoal diz que vai votar nele e vai embora. Dois anos depois é a mesma coisa. A população sempre vai acreditar que algo vai mudar”, diz ele que mora há 44 anos no bairro e afirma “nunca ter visto nada de bom [vindo dos políticos]”.

 

Olga diz que os políticos se aproveitam do esquecimento. Eles sabem que dessa premissa está uma de suas armas mais poderosas, pois o esquecimento torna possível repetir numa próxima vez o que foi dito antes e antes e antes. “Se cada um pensasse que o voto é a principal porta de entrada para seu futuro, jamais votariam nas mesmas pessoas. Mas o povo se vende muito fácil por tão pouco.”

 

Esperança roubada

 

Juliana Maia, moradora há 37 anos do Pantanal, conta que sua maior frustração foi seu projeto, o Família Lanatanpa, não ter conseguido despertar a consciência crítica em todos os moradores sobre o quão enganados são todos os anos.

 

“Talvez essas promessas teriam tido um pouco mais de consistência se tudo o que foi dito e trabalhado em nossas rodas de conversa a respeito da responsabilidade político-partidária fosse absorvido. Cai tudo terra abaixo quando chega um malandro aqui querendo voto. Isso me decepciona muito. Não é apenas um prefeito que abandonou Duque de Caxias, foram vários!”, diz Juliana

 

Olga lamenta que bairros periféricos de Caxias não disponham de tantos sistemas tecnológicos de monitoramento e controle, como os circuitos internos de TV, como observado nas ruas e nos estabelecimentos comerciais dos grandes centros urbanos, incluindo os da Baixada Fluminense. Na percepção de Olga, se o Pantanal dispusesse destes sistemas em maior quantidade, mortes, como as do seu pai e de um primo, assassinados no mesmo ano, poderiam ter sido evitadas. O corpo do primo só foi localizado dias depois como indigente, já que estava sem documentos. “Não se investe em segurança nesse país”, diz Olga que afirma que a região é rota de fuga para ladrões de carro de outras localidades e perseguições policiais frequentemente colocam em risco a vida dos moradores.

 

Eleições e Pandemia

 

Desde que a maior crise sanitária do século XXI chegou ao Brasil, em março desse ano, várias notícias de ajuda humanitária organizada por coletivos periféricos locais circularam em grande quantidade. Mais uma vez, o poder público empreendeu esforços insuficientes para fornecer amparo às comunidades pobres que precisaram de praticamente tudo: comida, água, auxílio emergencial, material de higiene pessoal, etc. O governo do Estado e a maioria das prefeituras fomentaram mais um episódio de omissão histórica, atrapalhando mais do que ajudando em um vasto cotidiano de necropolíticas. Foram executadas algumas iniciativas significativas, como a da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que praticamente intimou a CEDAE para que a distribuição de água tivesse sua cobertura ampliada ou até mesmo reativada em diversos territórios economicamente vulnerabilizados. Mas que influências esse cenário deve desencadear nos processos decisórios de eleitores periféricos em 2020?

 

“Isso tudo só serviu para dizer que ninguém está preocupado com a gente. Se conseguirmos passar por essa pandemia vivos, isso significa que podemos dar conta de qualquer coisa. Se o recado era que ‘vocês bando de pobre vão tudo morrer porque falta tudo‘, eu digo, nós vamos  sobreviver. Quando precisamos de vocês [do governo], não apareceram. Vocês é que precisarão da gente”, afirma Juliana.

 

Olga pensa um pouco diferente. Para ela, a maioria dos políticos continuarão a agir como sempre agiram. “[Na hora de se eleger] eles sempre vão ajudar a quem precisa, e essas pessoas vão se encantar com o gesto carinhoso dos candidatos e candidatas. Porque as comunidades estão sempre sozinhas. A política não chega na comunidade. Ela [a comunidade] sempre se sustentou. Porque é sempre complicado explicar para quem tem pouca escolaridade quem é aquele candidato ou candidata que está ali passeando no seu bairro, que vai te comprar com um botijão de gás, te dar um dinheirinho. [É difícil explicar] que é para verificar se aquela pessoa é ficha limpa, escutar as propostas dela. É bem complicado”, afirma a nutricionista.

 

E votar? Ainda existe ânimo para isso? Orlando afirma que não, nem um pouco. “Nós somos obrigados a votar em políticos que não são idealistas. Todos eles estão apenas preocupados em lucrar. Embora eu já saiba em quem vou votar pra prefeito, já carrego no coração que ele vai fazer pouco pela cidade. É complicado”, diz.

 

 

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Entrevista feita em 2018. Juliana Maia, uma das idealizadoras do projeto Família Lanatanpa (à dir. de cabelo louro) foi a única presente nas duas entrevistas