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24 de maio de 2022

Desaparecimentos em dados

Uma busca interminável por quase uma década 

Em oito anos, quase 3.300 crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos sumiram de cidades da Baixada Fluminense. Três municípios recordistas têm, juntos, mais de 1.900 casos.

 

Mais um 25 de maio se aproxima, Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. E, novamente, dados sistematizados por Fórum Grita Baixada, através de números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, revelam que, desde 2014, ano em que o ISP iniciou a realização das séries históricas dessa categoria de violência urbana ou de Estado, a Baixada Fluminense teve 3.231 casos de crianças e adolescentes desaparecidos. Três cidades, Nova Iguaçu, com 798 casos, Duque de Caxias, com 676, e São João de Meriti, com 447, são as recordistas nesses oito anos 

 

Seis cidades da Baixada Fluminense, segundo os dados do ISP, tiveram aumento do número de casos de desaparecimentos: Belford Roxo (47 casos em 2019, contra 38 em 2018), Nova Iguaçu (95 casos em 2019, contra 88 em 2018), Queimados (26 em 2019, contra 20, em 2018), Guapimirim (13 casos em 2019, contra 8 em 2018), Nilópolis (15 em 2019, contra 13 em 2018) e Seropédica (5 em 2019, contra 4 em 2018). 

 

Categorizar desaparecimentos como uma violência é um trabalho extremamente complexo, em função de múltiplos fatores que colaboram para a construção de sua materialidade, como aponta o professor de sociologia da UFRJ, Fabio Araujo, autor do livro “Das Técnicas De Fazer Desaparecer Corpos: Desaparecimentos, Violência, Sofrimento E Política”, em entrevista ao FGB

 

“Usar apenas esses dados sem trazer outros elementos com informações e indicadores qualificados, é muito difícil porque há sabotagem, negligência, falta de recursos humanos e de interesse político, aliada à falta de culturas profissionais minimamente republicanas comprometidas com a transparência pública, com a produção de dados e informações para subsidiar tomadas de decisões. A discussão sobre desaparecidos e desaparecimentos tem vários vieses. Para mim tem uma questão de partida que me interessa que é pensar o que desaparecimento tem a ver com extermínio. Eu acho que esse é um ponto político central porque aponta para a dificuldade que é nomear as diversas situações de terror articuladas e parte das práticas de extermínio ”, salienta o sociólogo Fabio Araujo.

 

Dados de 2020 e 2021: pandemia e subnotificações  

Os números do ISP também trazem informações sobre os dados compreendidos entre os anos de 2020 e 2021, época do auge da pandemia de COVID-19, em relação a cidades da Baixada. Queimados, Mesquita, Guapimirim, Nilópolis, Magé e Paracambi apresentam queda, estabilidade e, no caso da última, não há registro de desaparecimentos em 2020, como se pode ver abaixo:

 

                        2020      2021

Queimados:       28          19

Mesquita           12          11

Paracambi         SD*        3

Guapimirim         4          3

Nilópolis              9          8

Magé                 14          14

 

*Sem Dados

 

É preciso compreender o contexto no qual esses dados foram produzidos, considerando que a pandemia forçou a criação de processos de adaptabilidade no cotidiano de bilhões de pessoas, em todo o planeta, ao que se convencionou chamar de “novo normal”, visando a proteção do alto teor de contaminação do coronavírus. “Lockdowns”, isolamento social, interrupção de serviços essenciais e, por fim, repartições públicas optando pelo modelo de trabalho home-office.

 

Dito isso, é de se imaginar o quanto essa nova realidade afetou tudo relacionado a produção de dados públicos, muitos deles sistematizados essencialmente graças a trabalhos de campo, que, naquele momento, eram praticamente inviáveis. O cenário ganha mais gravidade quando nos referimos a dados envolvendo indicadores de Segurança Pública que precisam se municiar com, por exemplo, boletins de ocorrência em delegacias, também afetadas por limitações impostas pela COVID-19 naqueles dois últimos anos, para organizar estatísticas em Áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs). 

 

Entretanto, queremos nos atentar a um fator que contribui para a precarização da confiabilidade desses números: as subnotificações. Diversos estudos apontam a necessidade de se monitorar com mais rigidez as várias tipologias de dados, especialmente os relacionados com a produção de morte. Basta verificar o quanto a SuperVia ignora o número real de possíveis mortos em sua malha ferroviária, apenas para citar um exemplo.

 

Causa estranheza, portanto, a pouca oscilação ou mesmo um “recuo” no número de crianças e adolescentes desaparecidos em cidades da Baixada, considerando que o argumento de proteção sanitária ao Covid-19, poder ser uma ferramenta utilizada pelo Estado para não dar informações e esclarecimentos públicos sob as circunstâncias das mortes, dado o histórico em que desaparecimentos, em especial os desaparecimentos forçados, não possuem sequer um sistema oficial de dados.

 

Nas favelas e periferias, a ditadura nunca terminou

Apenas para fins de comparação quantitativa, e considerando os contextos históricos bem específicos de cada caso, em dezembro de 2014, foram encerrados os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), junta multidisciplinar que investigou assassinatos e desaparecimentos de opositores ao regime civil-militar-empresarial que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Nessas diversas investigações, há discrepância nos números de mortos e desaparecidos computados. Embora a CNV, em seu relatório final, reconheça oficialmente 434 mortes (de adultos) e desaparecimentos políticos entre 1964 e 1988, período, portanto, de um regime que durou longos 25 anos. 

 

Porém, favelas e periferias são territórios que não conhecem, em sua plenitude, o restabelecimento de um sistema democrático. Se de um lado o Estado se mantém presente em quase sua totalidade através de aparatos militarizados em operações esporádicas, o mesmo pode se dizer de facções criminosas civis ligadas ao tráfico de drogas que potencializam os números de desaparecimentos numa progressão mais perversa. Só na cidade de Belford Roxo, onde desapareceram os primos Lucas Matheus da Silva, 8 anos de idade, e Alexandre da Silva, de 10, além do amigo Fernando Henrique Soares, de 11, em caso que ganhou grande repercussão midiática, foram registrados 66 desaparecimentos, entre 2020 e 2021. Os três, segundo investigação da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), concluída quase um ano depois, em 9 de dezembro de 2021, foram assassinados por traficantes locais. Fórum Grita Baixada elaborou, na época, um primeiro relatório sobre dados de desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense

 

A data de 25 de Maio presta homenagem ao caso do menino Etan Patz, que desapareceu nas ruas de Nova Iorque, quando tinha apenas 6 anos. Etan voltava da escola, no dia 25 de maio de 1979, quando desapareceu. Até hoje, ele nunca foi encontrado. Desde o seu desaparecimento, amigos e familiares passaram a fazer campanhas para sensibilizar a sociedade sobre o desaparecimento de crianças.