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14 de junho de 2018

Uma combinação explosiva e problemática

Seminário sobre violência e drogas realizado pela PUC RJ tem participação do Fórum Grita Baixada

 

Fórum Grita Baixada participou, em 06 de junho, do seminário “Drogas e Violência nas Américas: as alternativas do limite e o limite das alternativas”. O evento teve por objetivos, tratar o tema da política de drogas e o modo como isso é debatido tanto por movimentos sociais e coletivos quanto por acadêmicos, abordando  práticas de criminalização, com atenção às questões de raça, classe, gênero e local de moradia.

 

O FGB esteve presente na mesa “O que o proibicionismo mata? Extermínio de vidas e culturas na “guerra às drogas”. Como o tema sugere, é uma discussão sobre os impactos nem sempre pacíficos que políticas públicas de substâncias consideradas ilícitas podem repercutir em determinados grupos sociais e, ao mesmo tempo como as vozes dessas populações diretamente atingidas manifestam sobre os efeitos provocados por tais políticas.  A conversa contou com especialistas de várias áreas do conhecimento, entre eles o integrante da coordenação ampliada do FGB, o historiador Fransérgio Goulart, que falou sobre o espaço “Para Que e Para quem Servem as Pesquisas sobre Favelas?”, fomentado desde 2016 por favelados e favelados pesquisadores para discutir epistemologias e sobre a relação desses com a Universidade.

 

A Epistemologia é o estudo científico que trata dos problemas relacionados com processos de crenças e conhecimentos, incluindo suas origens, limitações e estruturas. O historiador  adaptou o conceito para fazer uma crítica sobre como a produção de vivências e práticas construídas fora da universidade não tem a devida legitimidade do ponto de vista acadêmico.  

 

“Existem algumas discussões, mas que ainda não acontecem de forma majoritária nas universidades. Porém, o que nós estamos discutindo é que existe na sociedade um monopólio, dentro da universidade e em outros espaços, de uma epistemologia ocidental, cristã, machista e racista. Nós da favela também produzimos conhecimento, uma epistemologia da vivência ou como diz (a escritora) Conceição Evaristo, de escrevivência. Que alia vivência, resistência, prática e diálogo com outras epistemologias”, explica Goulart. 

 

Ao fazer um contraponto sobre a política de guerra às drogas nas favelas, sob o âmbito do genocídio da população negra, pobre e favelada, e como as pesquisas acadêmicas de campo promovem àquilo que o pesquisador chama de “formas de saber que são compartilhadas de maneiras hierarquizadas”, ele afirma que há um abismo onde a favela e favelados não são sujeitos, mas funcionam apenas como objetos e que ainda hoje são vistos em parte como os que não constroem conhecimento. Goulart é favorável a essa epistemologia favelada como possibilidade de construirmos políticas de segurança pública menos letais. 

 

Durante todo seminário, Goulart foi provocativo com suas indagações sobre a atual debate sobre legalização e/ou descriminalização das drogas no Brasil. Em todo debate, ele afirmou que se o centro das discussões não for a centralidade no enfrentamento ao racismo e ao fim do privilégio muito pouco se avançará.

 

"Se a atual política de drogas na realidade é uma política de controle e genocídio do povo negro, pobre e favelado, por que não falarmos com essas pessoas prioritariamente nesse debate? É necessário indagar se os poderes locais querem fazer parte desse debate, e caso a resposta seja afirmativa, como? Hipocrisia? ou interesse de manutenção de um privilégio acadêmico branco de um campo dito progressista nessa discussão? Como iremos discutir política de drogas, sem envolver negros, favelados e varejistas de drogas e lideranças do tráfico caso desejem participar? Qual o interesse real na liberação das drogas? Mercado ou Diminuição do Genocídio? Na discussão e produção fomentada até hoje quanto a legalização da produção e venda de drogas algum dia falamos sobre anistia dos varejistas sem crime de mortes? Como e onde serão vendidas as drogas? Nas maquininhas? Na farmácia? Uma boca de fumo de porte médio precisa de oito balconistas, dois seguranças e 10 enroladores. Boca de fumo entenda um só ponto de venda. Uma farmácia só precisa de dois balconistas e um caixa pra vender 10 mil drogas diferentes. Por que então ouvimos por várias vezes desse campo dito progressista que a legalização pode gerar postos de trabalho? Vale aqui salientar que hoje o capitalismo não vive mais do excedente de mão de obra, mas da acumulação por espoliação. Qual a lógica dessa afirmação desse campo nessa conjuntura?", avaliou Goulart

 

A pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da PUC, Manoela Trindade, e também uma das organizadoras do evento, fez um interessante relato sobre a relação de camponeses colombianos e como o governo local estava desenvolvendo políticas de repressão a essa classe social, como forma de minimizar os efeitos do narcotráfico. Política essa que pouco se difere das tentativas feitas no Brasil.

“A política de segurança pública na Colômbia, em função das plantações de coca, marcou uma trajetória de violência no campo. Cerca de 60 mil mortes aconteceram entre 1990 e 2000. Entre 1998 e 2005 morreram mais 11 mil pessoas, principalmente por causa de grupos militarizados em função do Plano Colômbia”, explica Manoela.

 

O plano recebeu várias críticas e elogios ao longo do tempo. Se por um lado, ajudou a fortalecer o governo colombiano, por meio da militarização, aumentando a “sensação de segurança interna”, por outro, alguns criticaram essa suposta eficiência. Uma das questões mais criticadas foi a fumigação (controle de pragas através de pesticidas químicos) que acabou também infectando o solo, atingindo outras plantações e colocando em risco a vida de milhares de consumidores, além de arruinar negócios de pequenos produtores. “Os campesinos acabaram sendo marginalizados, praticamente se tornando co-responsáveis pelo narcotráfico e, alguns anos depois, para reequilibrar a produção agrícola, o governo colombiano acabou cedendo às exigências da multinacional Monsanto para que grãos transgênicos entrassem no mercado”, diz Manoela.

 

Ao final do seminário, Fransérgio Goulart respondeu a perguntas dos pesquisadores e estudantes presentes, quase todas endereçadas a sua exposição. Também participaram da mesa, Sandra Lúcia Goulart, das Faculdades Cásper Líbero, de São Paulo, e Maíra Gabriel, das Redes da Maré.     

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O historiador Fransérgio Goulart, membro da coordenação ampliada do Fórum Grita Baixada