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Wellison (à direita) ao lado do jornalista Fabio Leon, do Fórum Grita Baixada. Sendo entrevistado para essa matéria. 

30 de maio 

Wellison, um brasileiro da Baixada

Conheçam a história do vencedor da batalha de MC´s do evento Lutas e Rimas,

promovido pelo núcleo Lagoinha IntegrAção com o apoio do Fórum Grita Baixada

 

 

Ele é econômico nas palavras na hora da entrevista. Mira o horizonte como se calculasse com precisão cada sílaba em suas respostas. A serenidade na voz e os gestos controlados parecem denotar a descrição de alguém tímido. Mas é uma timidez aparente. Basta pegar um microfone e da sua boca, as palavras descem caudalosas como em uma cascata.

 

Este é Wellinson Luís, morador de Lagoinha, 20 anos. Vencedor da batalha de MC´s que o consagrou no evento LUTAS E RIMAS, promovido pelo Núcleo Lagoinha IntegrAção e com apoio do Fórum Grita Baixada. O jovem conseguiu passar com 900 pontos na prova do Enem, ano passado. Habilidoso com o vernáculo, o que impressiona é que ele diz que foi a primeira vez que participou de uma batalha de rimas. “Eu nem me considero rapper, eu apenas leio e escrevo muito e tenho capacidade de memorizar muitas palavras ao mesmo tempo, diz o jovem.

 

A história de Wellison é bem semelhante a de muitos jovens da periferia em busca de oportunidades para qualificar seus conhecimentos para o mercado de trabalho. Com a aprovação do Enem, ele chegou a ingressar no curso de Engenharia Mecânica no Cefet. A satisfação da vitória deu lugar a um sentido de não pertencimento a instituição de ensino. Diz que sofreu preconceito racial por ser o único negro do curso. “Pra me humilhar, disseram que eu era cotista. Acabei cansado de toda hora ter de explicar que eu era merecedor de estar ali como todo mundo”, diz. Para piorar a situação, ficou desempregado e passou a viver de bicos. Trabalhou em padaria e vendeu balas nos trens para se sustentar. Agora estuda para ser fuzileiro naval e diz não temer os estudos. “Tenho essa vantagem de perseguir sempre o que eu quero e, na maioria das vezes, conseguir”.

 

Conforme dito no primeiro parágrafo ele é tímido como o ritmo folk, que diz preferir. Mas suas rimas, no papel (leia a bela poesia escrita por ele, logo abaixo) e no improviso falado ecoaram como um trovão que precisa ser escutado na tempestade. Além do primeiro lugar e dessa matéria, publicada no site do Fórum Grita Baixada, Wellison vai conhecer, com direito a um acompanhante, o clube de futebol criado pela ONG Viva Rio, um dos apoiadores institucionais do Lutas e Rimas, formado exclusivamente por refugiados haitianos. O Pérolas Negras tem sede em Paty de Alferes, a 624 metros de altitude, e disputa alguns dos principais torneios profissionais, sub-20 e sub-17 do país e eles vêm conseguindo contratos com grandes clubes brasileiros, atendendo a todas as exigências da Fifa a um clube de futebol.

 

Guerra desfavorável

(Wellison Luis)

 

A guerra é desfavorável para nós lutarmos por nós

Caminhei sozinho com o meu deserto, me guiei perdido no escuro

Mas segui o caminho que eu senti ser certo, não fiquei em cima do muro

A visão que eu tenho me fez seguir firme, não importa o caminho que trilhei

Não me sinto daqui, já me vejo tão longe que hoje me sinto como rei

Quem achou que eu não ia conseguir

Errou

Eu tentei avisar

Minha gente já nasce sofrendo, é missão impossível tentar nos parar

E tudo aquilo já era esperado

Normal

Falador vai falar

Na terra deles é tempo de sonho

Já na minha terra é lugar de trampar

 

Eu vim de onde homens nascem

Temos madeirite*  

Eu vim de onde as drogas derrubam e vocês se preocupam em gritar legalize

Eu vim de onde a bebida destrói famílias

Bom, por isso eu não bebo

E se hoje me torno um monge

É que de onde eu vim os cara senta o dedo, sem pena

 

Mais um dia começa e agradeço a Deus por ter foco na missão

Cês não vão me enganar, eu já vi, suas leis só servem pra disfarçar escravidão

Controlar multidão

Amarelar sorriso

Fechar coração

Pros guerreiros da luz muita força.   

 

*placa de madeira utilizada na construção civil