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22 de outubro de 2019

Especialistas em Educação analisam como a violência pode diminuir nas escolas

Reflexões fomentaram debates apresentados no seminário “O Quer Seria Uma Escola Segura?

 

A Visão Mundial em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e de Adolescente (CMDCA) de Nova Iguaçu e o Fórum Grita Baixada realizaram na sexta-feira (25 de outubro) seminário “O Que Seria Uma Escola Segura?”. O evento foi um espaço para o aprofundamento do papel da Escola e de outros atores da sociedade no enfrentamento à violência com ações educativas, preventivas e criativas. E, principalmente, para questionar o papel do poder público na efetivação de políticas que promovam uma Cultura de Paz e de Direitos Humanos, onde crianças e adolescentes possam ser protegidos e também participarem ativamente na construção de mecanismos de proteção e participação.

 

Para contribuir com os questionamentos que serão apresentados no seminário, convidamos dois especialistas na área educacional para fornecer suas impressões sobre a nova configuração de segurança que se pretende estabelecer no sistema de ensino para crianças e adolescentes em áreas socialmente vulnerabilizadas. Marta Batista, integrante do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (NIDES –UFRJ) e Luiz Guilherme Santos, diretor do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE), assim expõem seus pensamentos acerca dos problemas apresentados.

 

Na sua opinião, por que as escolas estão se tornando ambientes mais violentos?

 

Marta Batista: Os ambientes escolares estão mais violentos porque nossa sociedade como um todo está cada vez mais violenta. As escolas não estão isoladas do contexto social, muito pelo contrário! Acho muito problemático quando as pessoas associam o aumento dessa violência à uma questão geracional, como se “os jovens de hoje em dia não respeitassem mais ninguém”. O problema é muito mais profundo! A desigualdade social no Brasil só cresce, ainda temos muitas pessoas passando fome, vivendo em condições precárias. Os empregos estão cada vez mais precarizados, alto índice de desemprego, as áreas de educação e saúde públicas desvalorizadas, falta de equipamentos culturais e esportivos, uma política de segurança toda errada com muita bala e inteligência escassa… São alguns dos elementos muito presentes na vida da nossa população. Não tem como termos uma sociedade não violenta dentro desse contexto e isso vai reverberar no ambiente escolar.

 

Luiz Guilherme: A primeira questão a ser levantada é saber mensurar esses “mais violentos”. Digo isso, pois muitas vezes cria-se uma sensação de insegurança, pode ser utilizada pra justificar a entrada do aparato repressivo do Estado. As pesquisas que tenho visto sobre o assunto dificilmente conseguem um número fidedigno como padrão de comparação, ou seja, quanto de violência tínhamos em um momento passado e quanto temos agora para podermos afirmar que as escolas estão ficando mais violentas. Outro elemento, é que estamos numa sociedade que encontra na polícia um primeiro refúgio e não o último. Será que num passado casos sérios de violência não eram resolvidos pelos próprios atores das escolas, sem recorrer a polícia? Dito isso, é preciso compreender que a escola não está desligada do conjunto da sociedade. Se há um aumento da violência nos outros espaços da cidade, por tabela esse aumento também irá se refletir dentro da escola. Dessa forma, os elementos que aumentam ou diminuem a violência na sociedade são os mesmos pra dentro da escola; e não adianta, não podemos fugir do debate das desigualdades sociais como elemento propulsor da violência.

 

Como a Escola pode dialogar com a realidade de seus estudantes em relação às suas trajetórias dentro e fora do ambiente escolar, afetadas pelos eventos de violência cada vez mais comuns em todas as cidades?

 

Marta Batista: Acho fundamental ter espaços permanentes de diálogo entre a comunidade escolar. A realidade dos estudantes dentro e fora da escola é perpassada pelas violências. Violências de gênero, racial, de classe, lgbtfobia. Esses recortes não podem ser ignorados, é necessário que através da dialogicidade se alcance a compreensão dos porquês dessas violências e de como podemos combatê-las começando por nossas próprias práticas. A realização de rodas de conversa, cine debates é importante assim como a inclusão desses debates nos currículos de maneira transversal.

 

Luiz Guilherme: A escola é afastada, é alienada ao jovem, sobretudo os das camadas mais pobres da população. Nosso modelo escolar foi construído pelas elites, para os filhos das elites. É outra realidade da juventude da periferia, que muitas vezes tem que começar a trabalhar muito cedo, tem pais que saem de casa pra cuidar dos filhos dessas elites, deixando-os sob os olhares do mundo. É necessário pensarmos um modelo pros filhos da classe trabalhadora, que respeite sua condição de vida. É um caminho difícil, porque precisamos enfrentar estruturas burocráticas seculares, mas não há outro caminho. Nesse sentido, trabalhar a realidade desse estudante é algo essencial. É compreender a sua realidade e dialogar com ela dentro da escola. Saber o que impacta a vida dele e trazer isso para o processo educacional. Para além disso, no dia a dia do nosso trabalho, o que fazemos é algumas adaptações. Nem sempre a sala de aula basta pra trazer esse jovem para um processo educativo.

 

Há iniciativas públicas em diversas cidades do país que contam com a presença de policiais no ambiente escolar “especialmente capacitados” que, conhecendo a realidade da comunidade ao redor, buscam medidas que minimizem a ação de criminosos nas proximidades. Que efeitos a presença da polícia pode apresentar no convívio de crianças e adolescentes?

 

Marta Batista: Os policiais não recebem formação adequada para atuação em espaços escolares e essa é uma das razões que me fazem acreditar que esse convívio pode gerar diversas situações de constrangimento ou mesmo de abusos. Por exemplo, qual o preparo que um PM acostumado a reagir com truculência terá para lidar com um adolescente exaltado? Além disso, há o risco do policial ali da escola virar uma espécie de “xerife da escola”, atrapalhando um processo de horizontalidade (que acredito que deve ser sempre buscado) nas relações do ambiente escolar.

 

Luiz Guilherme: Esse convívio é a militarização da vida. Antes de tudo, necessário lembrar que numa sociedade de classes, a polícia é um aparato repressor das classes subalternas. O lugar dela não pode ser dentro da escola. Teria sim é que ficar policiando o entorno. A questão aqui passa em outro sentido. A violência é um problema sim, gravíssimo e deve ser enfrentado de frente. Tem duas formas de se fazer isso: pela lógica da pedagogia, da educação ou pela lógica da repressão, da segurança pública. Como educador, por motivos óbvios vou optar sempre pela primeira opção. Mas essa não é a opção dos governos, que todos os dias optam pela repressão. O sociólogo Loic Waquant argumenta que nos Estados Unidos, na década de 80, o país – em crise - saiu de um estado de bem estar social para entrada em um estado penal, e por lá, os serviços de assistência social se transformaram em serviços de vigilância das camadas mais pobres da população, que é potencialmente revoltosa.

 

Investigar caso a caso o histórico de violência vivido por crianças e adolescentes é suficiente para que o convívio social no ambiente escolar seja o mais saudável possível?

 

Marta Batista: Apenas investigar não é o suficiente. É necessário ter políticas públicas formuladas por profissionais da educação, por exemplo, é necessário que as escolas tenham equipes multidisciplinares compostas por pedagogos, psicólogos, assistentes sociais. Infelizmente, o atual presidente Bolsonaro vetou integralmente a proposta que garantia atendimento por profissionais de psicologia e serviço social aos alunos das escolas públicas de educação básica. Essa é mais uma das evidências do quanto o atual governo está negligenciando a educação pública.

 

Luiz Guilherme: Eu não sou adepto de individualizar casos como forma de política pública, como forma de pensar soluções. Da parte dos governos, são necessárias estruturas para criar esse ambiente saudável. Nada substitui isso. Dentro da sala de aula, entretanto, se nós tivéssemos menos alunos em sala de aula, se trabalhássemos em poucas escolas, tendo menos alunos a cada ano de trabalho, conseguiríamos com muito mais facilidade identificar possíveis focos de violência com estudantes, e antes desses casos acontecerem, dar mais atenção aos estudantes. A relação aluno-professor é fundamental e nos tiram essa capacidade.

 

De que forma professores, funcionários, diretores e a sociedade de forma geral podem criar espaços de diálogo e reflexão sobre o tema, para que assim criem-se estratégias para se combater, minimizar e principalmente prevenir a violência no âmbito escolar?

 

Marta: É preciso que haja mais espaços de interação e diálogo entre as escolas e os territórios onde estão, que os moradores do entorno vejam aquele espaço como importante para todos e que participem das discussões a respeito do tema. É importante ainda que a sociedade esteja organizada na luta por educação pública, gratuita e de qualidade.

 

Luiz Guilherme: A troca de informações e percepções entre os profissionais dentro da escola é um dos elementos essenciais nesse debate, é coletivização dos problemas e não a tentativa de solução individual por parte de um professor, inspetor ou diretor. Os conselhos de classe são momentos importantes pra isso, os Conselhos Escola-Comunidade (CEC), as reuniões com pais... precisam funcionar, e tudo que tiver ao alcance da escola ou das associações de moradores puxarem nesse sentido é bem-vindo. Essa é a forma pedagógica de resolução dos conflitos. É a escola funcionando e cumprindo seu papel.

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