15 de abril de 2024

Conferência tem debate sobre desaparecimentos forçados,

justiça climática, racismo ambiental e milícias

FGB participa do 1ª Conferência Livre de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social da Baixada Fluminense

 

No dia 10 de abril, o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada (FGB), Adriano de Araujo, participou do painel temático “Ciência e Tecnologias Sociais da Baixada Fluminense”, da 1ª Conferência Livre de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social da Baixada Fluminense, realizada na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), em Nova Iguaçu. Durante dois dias, além dos painéis, a Conferência contou também com a apresentação de pôsteres, tour histórico, grupos de trabalho e uma plenária final em sua programação. De acordo com os organizadores, o objetivo da Conferência foi a de “oferecer um panorama do tema na Baixada Fluminense a fim de municiar os ouvintes com elementos atualizados para a construção de propostas, tendo em vista, a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o período 2024-2030, a serem elaboradas nos grupos de trabalho e votadas na plenária final.

 

A mesa “Ciência e Tecnologias Sociais da Baixada Fluminense” foi composta por Leandro Barbosa, da Visão Coop, Guilherme Guimarães, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (UERJ), Anderson Ribeiro, do Fórum Climático de Magé e Adriano de Araujo, pelo Fórum Grita Baixada. A abertura da mesa foi feita por André Rocha, professor da UFRRJ.

 

Violência, Milícias e Assassinato do estudante Bernardo Paraíso, em Seropédica

A Conferência estava prevista para acontecer em Seropédica, entretanto, o assassinato do estudante de biologia da UFRRJ, Bernardo Paraíso, de 24 anos, durante um tiroteio provocado pela disputa entre grupos de milicianos fez com que a Universidade suspendesse as atividades na cidade. Além do estudante, duas crianças ficaram feridas e duas pessoas foram presas. Apesar do luto, a comissão organizadora da Conferência, após consultas internas, decidiu transferir o evento para a UFRRJ no campus de Nova Iguaçu.

 

O coordenador Adriano de Araujo, no primeiro momento de sua fala, apresentou, em linhas gerais, o cenário da violência de estado, onde em média, cerca de um terço de todos os crimes contra vida (letalidade violenta) no Estado do Rio são cometidos por agentes públicos, número que insere essa modalidade de violência letal acima dos registros de roubos seguidos de morte (latrocínio) e das lesões corporais seguidas de morte. Tudo isso de acordo com dados oficiais fornecidos ao Instituto de Segurança Pública (ISP), pelas delegacias de polícia e a partir dos boletins de ocorrência. Tal conjuntura é considerada grave, visto que muitos crimes sequer são notificados nas delegacias, especialmente aqueles que envolvem os próprios policiais ou pessoas com fortes vinculações com policiais.

 

- “Não é de surpreender que as violências que atingem a Baixada Fluminense se constituíram em tema recorrente nas falas, não somente deste painel, mas também no anterior, que tratou dos Museus e a divulgação científica. Casos de exposições e atividades científicas suspensas em função das imposições de grupos criminosos, mediadores que foram abordados por milicianos em determinados territórios são alguns dos exemplos de como a violência atravessa toda a região e suas atividades, impactando toda a sociedade, apesar do caráter da violência letal atingir majoritariamente a população preta, parda, pobre e periférica”, disse Araujo.

 

Desaparecimentos Forçados: fenômeno invisibilizado

A ausência de dados oficiais é outro fenômeno mais complexo e desafiante, em se tratando de desaparecimentos forçados de pessoas. Trabalho sobre o qual o FGB, em parceria com o Observatório Fluminense da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro vem se dedicando nos últimos anos, juntamente com o apoio de mães e familiares de pessoas desaparecidas.

 

A pesquisa e o trabalho de extensão da UFRRJ e a incidência política do FGB sustentaram o desenvolvimento do primeiro mapeamento exploratório de pessoas desaparecidas na Baixada Fluminense e Região Metropolitana do Rio de Janeiro, financiado com apoio de emenda parlamentar do ex-deputado Federal Marcelo Freixo, o que possibilitou a produção do filme e documentário “Desova” (produzido pela Quiprocó Filmes, Dirigido por Laís Dantas e apresentado pelo FGB e pela UFRRJ.

 

Além do filme, que foi o grande vencedor do Festival de Cinema Político em Buenos Aires, a emenda parlamentar também possibilitou a produção do livro “Desaparecimento Forçado: vidas interrompidas na Baixada Fluminense” (Editora Autografia), lançado na UFRRJ, em Seropédica, e recentemente na Livraria Folha Seca e que agora também encontra-se disponível para compra em todo o país pela Amazon.

 

Araujo ressaltou que apesar do Brasil ter sido condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos a adotar uma legislação que tipifique o desaparecimento forçado como crime hediondo e a apresentar uma política de enfrentamento aos desaparecimentos forçados, até hoje tal medida não foi implementada.

 

- “Agora, na segunda fase da pesquisa, que conta com recursos de emenda parlamentar do deputado federal Glauber Braga, serão realizadas atividades de exibição do filme Desova e rodas de conversa sobre o tema dos desaparecimentos forçados em escolas, ONGs, associações de moradores, sindicatos, universidades, igrejas, terreiros e outros espaços de modo a tornar visível a percepção do fenômeno e as suas implicações. Também estão previstas audiências populares e públicas, debates e um seminário internacional sobre o tema, a partir de experiências sociais e governamentais da Argentina, México, Colômbia, por exemplo, onde já existem leis e movimentos da sociedade civil focados neste ato criminoso e na atenção aos familiares das vítimas”, explicou o coordenador do FGB.

 

 

Racismo Ambiental e Justiça Climática

Se a violência letal atinge preferencialmente a população preta, pobre e periférica, não é diferente quando se trata dos impactos das mudanças climáticas e a precariedade do alcance das políticas públicas de prevenção, mitigação e enfrentamento desse processo sobre a população das periferias. Se as enchentes cada vez mais intensas, vem atingindo uma parcela cada vez maior dos cidadãos, são as famílias negras e pardas as que mais sofrem com as repetidas perdas materiais, soterramentos de casas, afogamentos e desaparecimentos de pessoas após os temporais e deslizamentos de terra. Também são as famílias pretas e das periferias as que mais encontram-se desabrigadas e na maioria das vezes sem apoio para aluguel social. Neste sentido, o advogado, defensor de direitos humanos e ativista Anderson Ribeiro, do Fórum Climático de Magé comentou:

 

“Se você está no trabalho e pensa: ‘meu Deus, meu filho está sozinho em casa’ e você não sabe o que vai acontecer na sua casa… isso é uma ansiedade climática que nos corrompe e que assola nossa saúde mental. Então, hoje, a luta por justiça climática é uma luta prioritária no nosso território de Magé. E eu acredito que deva ser também uma das lutas prioritárias para toda a Baixada Fluminense. Quando a gente anda na Zona Sul a gente não vê valão aberto nas ruas! E aqui? Em qualquer lugar que a gente vá, a gente vê valão a céu aberto! E  aqui isso é normal! A gente não sabe qual é a doença que está sendo passada ali para nós; a gente não sabe qual o impacto do custo na saúde pública que nós teremos. Na zona sul do Rio quando a água chega ali na beira da praia, passa ali da praia, o pessoal já tá fazendo vídeo reclamando e aparece logo na mídia, mas aqui, a água inunda… a lama mata nossos filhos, mata nossos parentes e sequer aparece na mídia. É isso o que acontece! … Nós, do Fórum Climático de Magé, temos essa luta como muito cara e nós queremos tratá-la como prioridade”.

 

 

Desafios às organizações sociais

Adriano de Araujo, em sua segunda parte de fala, comentou alguns desafios que as organizações sociais vêm enfrentando na Baixada Fluminense, especialmente aquelas com um trabalho mais concentrado em temas sensíveis como o dos crimes contra a vida e a atuação de grupos criminosos. Entre esses desafios, foram apontados as tentativas de  silenciamento e isolamento dessas organizações, e até mesmo ações de ataques às páginas nas redes sociais, perseguições de lideranças e produção de fake news.

 

Sobre as notícias falsas, Adriano destacou o risco cada vez mais forte e presente que é o ataque a reputação de uma organização ou liderança que esteja incomodando as relações de poder ou de interesses econômicos, sendo que o uso da inteligência artificial para este fim pode ser devastador, graças a capacidade de reproduzir, com realismo, gestos, expressões, timbre, discursos e cenários, totalmente desconectados da realidade dos fatos, com o propósito de criar confusão e disseminação de mensagens falsas para desqualificar determinada pessoa ou instituição.

 

Outro desafio que há de se considerar também é o financiamento e apoio público às organizações, ao mesmo tempo que o individualismo e a lógica capitalista dominante faz com que muitas organizações e lideranças promovam uma espécie de disputa velada e até desleal entre "iguais", contribuindo para a fragmentação das lutas e o fortalecimento da estrutura dominante que recai fortemente sobre a população mais vulnerabilizada. Tais processos, muitas vezes, reforçam a lógica da criminalização das ONGs e movimentos sociais, bem como, dos defensores de direitos humanos, numa total incoerência de princípios e de ação política efetivamente transformadora.

 

Adriano também chamou a atenção para as diferenças geracionais e suas diferentes lógicas, meios de luta e de uso da linguagem. Por fim, pontuou a perspectiva colonial que insiste em invisibilizar, quando não se pode fazer uso, dos corpos pretos e das regiões periféricas. Assim, somente uma efetiva ocupação do poder a partir dos interesses e das causas das populações pretas, pardas, empobrecidas e periférica pode, de fato, ressignificar as lutas e avançar no processo de transformação social, mas, mesmo na Baixada Fluminense, região majoritariamente negra e feminina, este quadro ainda está longe do ideal, não só nas universidades, centros de pesquisa, sindicatos, partidos políticos, secretarias municipais, mas, inclusive em movimentos sociais, o que demonstra a imensidão das lutas que ainda há de se travar e das mudanças que ainda precisarão ocorrer.

 

Grupos de Trabalho e Alguns Encaminhamentos

Foram 4 grupos de trabalho, que se reuniram na parte da tarde. O primeiro, foi dedicado a debater a defesa e a difusão da ciência, a fim de superar preconceitos que neguem os seus métodos e valores. Neste grupo sugeriu-se criar de um programa de incentivo a formação continuada de professores da educação básica com atividades voltadas para as ciências, metodologias assistidas e ciência inclusiva.

 

O segundo grupo de trabalho concentrou-se na discussão em torno da ampliação do apoio à ciência para a formação, execução, monitoramento e avaliação das políticas públicas. Neste grupo, um dos temas debatidos foi a ideia da difusão do conceito de ciência cidadã.

 

Já o terceiro GT debateu sobre os mecanismos de apoio a arranjos produtivos locais articulados com institutos e centros vocacionais tecnológicos. Neste sentido, foram propostas, por exemplo, a criação de programas de apoio e fomento ao empreendedorismo feminino em comunidade da Baixada, entre outros

 

Finalmente, no quarto GT discutiu-se a geração de soluções inovadoras para ampliar a segurança alimentar e erradicar a fome no Brasil. Neste, uma das propostas defendia a realização  efetiva da reforma agrária acompanhada de estímulos ao crédito agrícola e o resgate histórico e cultural da agricultura na região.

 

WhatsApp Image 2024-04-11 at 16.16.16 (1).jpeg