ARTIGO 

13 de janeiro de 2021 

Os meninos são de Bel

por Beatriz Carvalho, jornalista, cria de Vilar dos Teles, feminista e fundadora do empreendimento social Mulheres de Frente.

 

Há 17 dias ainda estávamos vivendo o ano mais incomum dos últimos tempos com o surgimento do novo coronavírus, há 17 dias recebemos a notícia que não haveria ano novo em Copacabana e há 17 dias - Lucas Matheus, 8 anos, Alexandre da Silva, 10 anos e Fernando Henrique, 11 anos, simplesmente desapareciam ao sair para brincar, no bairro Castelar, em Belford Roxo, e não mais retornaram. A narrativa novamente se repete nas periferias do Rio de Janeiro, jovens negros, de baixa renda, sofrem direta ou indiretamente com a violência de Estado que assola a grande massa diariamente.

 

A busca incessante pelo paradeiro levou os familiares das crianças a uma sorveteria no Jardim Tropical, Nova Iguaçu, baseados na informação que eles foram vistos no local. No caminho o pneu estourou e o carro capotou. Por sorte, o tio e a avó de um dos meninos tiveram ferimentos leves. Neste mês, mais de 40 câmeras de segurança foram analisadas de supostas localidades onde os garotos teriam passado, de acordo com a Polícia Civil, por meio da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), não foi registrada a presença deles. No domingo (10), agentes da Polícia Civil fizeram novamente uma busca na feira de Areia Branca, Belford Roxo, onde foram vistos pela última vez.

 

No momento, o desaparecimento das crianças está nas mãos do Setor de Descoberta de Paradeiros da DHBF. Na última terça-feira (12), alguns moradores de Belford Roxo, levaram um vizinho que mora no mesmo condomínio dos meninos para DHBF, o celular foi verificado e o próprio alega ter sido torturado e negou envolvimento com o caso. Segundo a polícia civil não existe indício da participação do homem - até  o fechamento deste artigo.

 

Lucas, Alexandre e Fernando, como todas as crianças, brincam de forma lúdica e criativa. Faz parte da rotina. Exatamente o que aconteceu na tarde que saíram de casa apenas para brincar. Moradores de favelas e periferias geralmente conhecem e se sentem seguros andando por ruas e vielas, conhecem a tia do barraca de doce, o cara do bar… possivelmente para os meninos era algo comum e uma forma de descontração para fugir dos problemas sociais que assolam a todos. Nesta linha de pensamento, a dor das mães que estão sem notícias dos filhos aumenta a cada dia, com a incerteza vindo de informações falsas ou negativas que atrapalham constantemente qualquer notícia verdadeira sobre o desaparecimento dos três garotos de Belford Roxo.

 

E desaparecer, palavra presente no dicionário em que significa: “ato ou efeito de desaparecer, de deixar de ser visto”, ou seja, deixar de ser visto pelas estruturas governamentais é uma realidade existente para a população preta e favelada. A falta de políticas voltadas para a educação, cultura, esporte e lazer, como atitudes simples de praças estruturadas, teatros nos bairros periféricos, são opções para a comunidade ser vista e ter mais opções de entretenimento no poder público.

 

Para além das soluções citadas, o famoso “nós por nós” de fato acontece nas favelas espalhadas Brasil afora, as mobilizações das periferias quando o assunto é ‘procurar alguém’ é mais forte do que dias de chuva de verão no Rio, se puxarmos na memória, vamos lembrar de casos de desaparecimentos como o pedreiro Amarildo De Souza, ajudante de pedreiro que ficou mundialmente conhecido justamente por causa do seu desaparecimento, em julho de 2013, depois de ser detido por policiais militares e da porta de casa até a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP);  a pergunta “Onde está o Amarildo?” diversas vezes ecoada um verdadeiro símbolo de resistência nos casos de violência de Estado, já que os principais suspeitos são policiais militares.

 

Diante de toda essa jornada textual que percorremos na leitura, no caminho encontramos muitas dúvidas e muitas lacunas a serem preenchidas por tantos (de)sserviços prestados a Lucas, Alexandre e Fernando e suas famílias são grandes negligências que passam imperceptíveis aos olhos de uma camada da sociedade que finge que não ver os acontecimentos reais. O que deve se pensar é o desaparecimento de três garotos, cheios de vida, cair no esquecimento e serem mais um número na estatística cruel que acontece com os sinistros de Bel.