06 de junho de 2019 

ARTIGO 

Avaliação dos 100 dias do governo Witzel – Saneamento, Infraestrutura e Meio Ambiente.

POR: Marcos Albuquerque

Educador Popular do Centro de Ação Comunitária (CEDAC).

Nikolaos Dimitriadis

Militante do Movimento Pró-Saneamento e Meio Ambiente, São João de Meriti/RJ (MPS).

 

Apresentação

Os serviços públicos nas áreas de saneamento, meio ambiente e infraestrutura assumem um caráter central na garantia de condições dignas de se viver em sociedade, porém são sistematicamente negligenciados em territórios periféricos, como no caso da Baixada Fluminense. Enquanto integrantes do Fórum Grita Baixada, o Centro de ação Comunitária (CEDAC) e o Movimento Pró-Saneamento e Meio Ambiente da Região do Parque Araruama, São João de Meriti/RJ (MPS) participam da avaliação das políticas no início do governo Witzel ao focar nestas áreas.

 

O CEDAC foi criado no contexto de redemocratização do Estado brasileiro e atua promovendo projetos de formação sociopolítica e desenvolvimento comunitário, entre outras áreas. Já o MPS atua em São João de Meriti no controle social de políticas públicas, ao acompanhar as obras promovidas pelo PAC, e se propõe também a denunciar atividades da iniciativa privada, causadoras de graves injustiças ambientais, como no caso do Morro do Shopping, por exemplo. Dessa forma, o perfil das duas organizações leva a uma avaliação, prioritariamente a partir de um olhar da Baixada, mas que visa contemplar outras periferias igualmente invisibilizadas, apesar de incessantemente GRITAREM por direitos básicos que lhes são negados, como água potável, esgotamento de seus dejetos, ar despoluído e o mínimo de acesso à natureza. Esta análise coletiva busca um olhar crítico das políticas ambientais e de infraestrutura, indicadas pelo atual governo para o estado do Rio de Janeiro, visando situar as lutas sociais e fomentar o exercício do controle social popular.

 

Histórico do saneamento na Baixada: história de luta e abandono

A história da Baixada é marcada por um abandono intencional, pois teve seu planejamento em função da metrópole, feito fora do seu território. Ela servia de passagem no Brasil colônia, primeiro como caminho do ouro e depois para a família real chegar a Petrópolis. Hoje, embora a população continue sofrendo com a falta d’água, vê desde aqueles tempos esse recurso fundamental à vida passar pela região em direção à capital. A falta de uma política de fixação das famílias no interior, com oportunidades de trabalho e renda, educação, habitação, apoio à agricultura familiar, entre outras necessidades básicas, gerou a expectativa de trabalho e melhores condições de vida nos grandes centros. Porém, ao chegarem, se deparam com uma dura realidade. A ocupação do território seguiu os eixos ferroviários e depois o entorno de empresas que se instalaram na região, sem a previsão da infraestrutura necessária para a população crescente.

 

A instalação da Refinaria de Petróleo Duque de Caxias (REDUC), seguida de outras empresas do ramo petroquímico na região, parece ser um bom exemplo. Os acidentes relacionados a este complexo industrial são recorrentes e, em apenas quatro meses desse ano, houve o vazamento de óleo para o rio Estrela, na divisa de Magé e Duque de Caxias, e o vazamento de um tipo de gasolina que provocou intoxicação nos moradores e vitimou uma criança, ambos com graves prejuízos socioambientais. Independente das razões dos acidentes, deveria haver uma melhor orientação e assistência da empresa na ocorrência de acidentes de qualquer natureza. Além disso, os moradores do entorno ainda convivem com a ausência de serviços básicos. A água que chega na torneira não é confiável, o que fortalece uma indústria da água ligada ao poder paralelo e encarece o custo de vida da população. Os rios e córregos que antes forneciam água potável, foram transformados em valões pela falta do tratamento de esgoto, que ainda vaza a céu aberto pelas ruas. O ar é poluído por gases e produtos químicos levados pelo vento. Tudo isto contribui para doenças de veiculação hídrica e aérea.

 

Esta cena se repete em vários locais da Baixada. A falta de um ambiente saudável na região é uma questão grave que afeta a qualidade de vida da população. Abordar o saneamento ambiental em suas quatro vertentes, de forma integrada, é uma necessidade para mudar este cenário com a drenagem adequada, abastecimento de água regular, esgotamento sanitário e coleta e tratamento adequado de resíduos, como já está previsto na Lei nº11.445/2007. O histórico de vazio de políticas públicas com foco restrito ao território foi e é intercalado com a execução de ações emergenciais, sem o planejamento adequado, com brechas para desvios de recursos, descontinuidade de projetos anteriores e casos recorrentes de clientelismo, uma chantagem com a população já extremamente vulnerável. Desde a década de 80 foram muitos projetos e recursos investidos na Baixada, a título de resolver a situação do saneamento. Entre eles, destacamos:

 

Anos 1980:     Plano Global de Saneamento da Baixada Fluminense.

Anos 1990:     Reconstrução Rio, Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), Baixada Viva, Nova Baixada e Prosaner.

Anos 2000:     Projeto Iguaçu.

Anos 2010:     Programa de Despoluição dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam), Guandu 2 (CEDAE).

 

Esses projetos não atenderam demandas históricas da população, apesar da luta e do exercício do controle social. Nesse contexto vale destacar a participação de moradores da Baixada, através das federações de associações de bairros, tais como o MUB/Duque de Caxias, o MAB/Nova Iguaçu, a ABM/São João de Meriti, que constituíram o Comitê Político pelo Saneamento na Baixada Fluminense[1]. O MPS carrega o seu legado na continuidade da defesa destas demandas históricas. O empenho no controle social esbarra na falta de abertura nas etapas de elaboração e implementação das políticas públicas, e nos restringe a uma fiscalização que é ignorada e não atende as reais demandas.

 

Se no plano de governo apresentado por Witzel o saneamento (ponto 3.7.5) é colocado como uma situação “irresolvível” no estado e um “problema do século XIX”, toda a história de lutas e reivindicações é invisibilizada. Tratar do impacto na saúde dos trabalhadores em razão de uma “perda de produtividade e dias parados” é ignorar a busca desenfreada por lucro e rentabilidade pelas próprias empresas e o impacto que causam no seu entorno. O Plano fala da falta de água crônica em Campos Elíseos, e depois a relaciona com o esgoto lançado nos rios sem tratamento e que polui a Baía de Guanabara. Isto explicita o lugar que os moradores ocupam nas prioridades do Plano, ao dar um salto na sequência de acontecimentos e ignorar o sofrimento da população. Esgoto tratado e recuperação de rios e córregos são respostas para a falta de água crônica, etapa anterior e necessária para a despoluição da Baía. Ter o saneamento básico como políticas de Governo descontinuadas não é fruto de uma falta de planejamento, e sim de um que ignora a população e o território, visando apenas o lucro. O caminho para que este se torne uma política de Estado é ter os moradores como pilar da política, inclusive ofertando empregos, valorizando a mão de obra local. Muito distinto do atualmente proposto com grandes investimentos a partir da iniciativa privada e abertura de mercado, como no caso da companhia Águas de Meriti que não procurou realmente “maximizar o interesse público e melhorar a estrutura sanitária” do local onde atuaram, encerrando suas atividades.

 

O caminhar desestruturado para o cidadão e facilitado para os investidores

Defendemos que o caos urbano que vive a Baixada Fluminense é fruto do abandono e seletividade do poder público, mesmo com o histórico de lutas na região. As catástrofes frequentes são socialmente construídas, e não intempéries naturais. O cidadão da Baixada é sistematicamente excluído de serviços essenciais sendo obrigado a realizar um caminhar desestruturado na sua luta cotidiana pela sobrevivência. Será que haverá uma mudança no real “público-alvo” das ações governamentais?

 

O Plano do atual governo parte do diagnóstico de “falta de compromisso do governo anterior com o futuro das próximas gerações” e de uma economia baseada em royalties do petróleo, sujeita à oscilações.  Isto levou o governo a assinar o Acordo de Recuperação Fiscal, um “acordo de banqueiro longe da solidariedade federativa”, cuja população irá pagar a conta, com pressão para medidas como a privatização da Cedae. Colocam-se como “o novo” ao pautar a “expansão urbana com uso misto de segmentos para ocupação racional”, evitando regiões dormitório ou com “dinâmica diurna pela concentração de empregos e baixo índice habitacional”. Defendem uma “urbanização consistente” como política pública intersetorial para a provisão de serviços urbanos, com a participação dos moradores em todo o processo e o abandono de políticas de remoções e deslocamento forçado de populações, criando um programa de regularização integral afinado com o Estatuto da Cidade. Ao mesmo tempo, trata o desenvolvimento econômico (3.9) através da redução de despesas públicas e “promoção da segurança jurídica para gerar confiança nos investidores e um ambiente de livre-mercado com acesso a fatores de produção abundantes e de qualidade”. Vejamos como as contradições em sua retórica se aprofundam ao sair da campanha eleitoral e chegar ao poder, estabelecendo as suas metas

 

Começamos pelo compromisso com as futuras gerações e a criação de um ambiente de negócios atrativo. A perspectiva de futuro deste governo se baseia no mapeamento de potencialidades para ter um portfólio de ativos e vocações regionais, através da qual irá: “promover a cooperação entre empresas, Estado e universidade; ampliar a infraestrutura de pesquisa & desenvolvimento nas indústrias para atrair investimentos com impacto socioeconômico; e viabilizar o ensino profissionalizante aplicado às vocações regionais através de parcerias público-privadas (PPPs)”. Há ainda a proposta de um sistema territorial de tecnologia e inovação (iNovaRJ) por meio da Faperj e de cursos técnicos-profissionalizantes por ensino a distância (EaD) disponibilizados pelas Faetecs. Para Witzel, pensar no futuro é colocar os problemas da maior parte da população no passado e ignorá-los. Potencialidades enquanto ativos à venda em um mercado, vocações impostas por técnicos afastados do território e uma estratégia que condiciona a ação à cooperação com empresas e PPPs evidencia um papel omisso do Estado e subordinado às flutuações de mercado. Um sistema territorial de tecnologia e cursos por EaD sem um investimento prévio que garanta o acesso da população mais carente aponta para, mais uma vez, retirar a periferia deste processo, tomando a solução de seus problemas como uma consequência natural do sucesso dos grandes centros. É mais uma vez dizer que facilitar para os investidores é estruturar o caminho do cidadão, o que constatamos, na prática, ser uma falácia.

 

Pensar o território e a infraestrutura somente através dos fluxos econômicos na ótica de empresas, inviabiliza o papel social do trabalho de integrar o território. As condições para apenas permanecer nele não são suficientes, é necessário ter trabalho no local e construir circuitos relativamente autônomos, para a economia da região ser menos dependente da capital. Especializações podem estar sujeitas a flutuações cíclicas, como a vocação logística que depende de um fluxo externo de mercadorias. Na ausência deste, a população apela para serviços subalternos, para empregos precarizados ou para a informalidade, e se tornam presa fácil do recrutamento para o crime. Tratar seres humanos como “fatores de produção abundantes e de qualidade” explicita a sua visão como descartáveis, que serão explorados quando for adequado, ligada a um racismo institucional com a população predominantemente negra, parda e empobrecida das periferias.

 

O plano técnico ideal e a realidade social: saneamento e infraestrutura para quem?

O reflexo desta visão de futuro está na forma como o governo aborda as questões específicas que tratamos na nossa análise. O avanço nas questões de saneamento será delineado pelo tipo de instituição que o implementará. Defendemos uma Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) pública, e sobre o controle social de seus trabalhadores e usuários. O governo não pode ficar apenas na retórica de que a população é quem pagará pela privatização da Cedae, se na prática realiza uma reestruturação interna sem critérios técnicos claros, demitindo 54 trabalhadores da companhia com o argumento de possuírem os maiores salários. Não há uma política de reposição de trabalhadores, mesmo com denúncias constantes da falta de pessoal para o operacional por parte dos sindicatos. Esta postura quase irracional não irá “concluir as obras do PSAM e acabar com a ociosidade das ETEs”, nem “solucionar o acesso à água e rede de esgoto na Baixada”, tal qual está em seu plano de governo, como se fosse um passe de mágica. Mesmo os esforços recentes para mobilizar recursos, o que inclui a inauguração do tronco coletor Cidade Nova, não são suficientes para concluir as obras da ETE Alcântara em São Gonçalo, por exemplo. A empresa só se tornou lucrativa através do esforço de seus trabalhadores, e a efetividade da Companhia só será alcançada ao tratar diretamente as demandas da população, em conjunto com a sua operacionalização. As metas do governo para a Cedae incluem a expansão da Tarifa Social e a elaboração de um Novo Modelo Tarifário, além da conclusão do projeto para a construção da ETA Guandu II. Todas louváveis, porém feitas de forma totalmente apartadas dos principais impactados. Ainda há questões sobre um investimento grande no aumento da vazão de água sem contrapartidas no sistema de drenagem da região e no esgotamento, que podem causar a contaminação da água e a proliferação de micro-organismos patogênicos, se feitas sem o devido esclarecimento. Que tipo de saneamento virá de uma empresa surda aos anseios sociais? A ociosidade do equipamento instalado e o abandono de estações na Baixada são a prova de que a continuidade de um comportamento tecnocrático não resolverá os complexos problemas do saneamento.

 

Na área da infraestrutura, as metas colocam prioridades sobre planos de intervenção em catástrofes naturais, mitigação de seus impactos, recuperação de áreas atingidas e prevenção de desastres em locais de risco. Infelizmente esta situação ocorreu com frequência neste ano, como no caso da Muzema, no Vidigal e, principalmente, em outras áreas periféricas com menor exposição na mídia sobre as quais nem temos notícias, e que reforçam a construção social destas “catástrofes”. Elas têm relação direta com áreas escolhidas como zonas de sacrifício, frutos de uma negligência intencional e histórica. A “urbanização consistente” que se expandirá para o Arco Metropolitano, segundo o plano de governo, não sinaliza uma mudança neste cenário. A dita vocação para a logística imposta ao território tem como consequência privilegiar o transporte de carga, obrigando a população a comer e respirar poeira, e depender de uma mobilidade urbana de matriz rodoviária na qual desperdiçam parte significativa de suas vidas. Obviamente isso não foi pensado a partir de sua população e de seu território, e muito menos a partir do ponto de vista ambiental, com um enorme prejuízo implicado. Outro exemplo é a atribuição desta tese para a Baixada, com estradas e portos secos, que guiou os representantes do governo na Câmara Metropolitana ao elaborar o Plano de desenvolvimento urbano e integrado da região metropolitana do Rio de Janeiro (PDUI), também conhecido como Modelar a Metrópole, embora a população e a sociedade civil organizada a refutem. Ainda devemos denunciar a prioridade em “infraestrutura” na meta de construção do Novo Autódromo, que implica no desmatamento do único ponto remanescente de grande porte da Mata Atlântica em área plana na capital e teve ação do Ministério Público Federal (MPF) para suspender a sua licitação. Algo similar ocorreu com a construção de galpões logísticos no Morro do Shopping, em São João de Meriti, que aniquilou uma das poucas áreas verdes da cidade em nome da “infraestrutura logística”, e causou uma enchente de lama no entorno, apesar de inúmeros protestos dos moradores.

 

Meio ambiente: terra arrasada a ser recuperada

O equilíbrio entre desenvolvimento econômico e meio ambiente, segundo o plano de governo, está em priorizar as atividades econômicas menos poluidoras e em administrar as que “inevitavelmente poluam”. Além disso, podemos listar as seguintes medidas: “modernizar as licenças ambientais através de algoritmos de tomada de decisão; premiar a compensação ambiental do setor privado e incentivar a substituição de tecnologias poluentes com crédito de fácil acesso; atualizar os dados de atividades potencialmente poluidoras; criar a taxa poluidor-pagador” (ou licença para desmatar?); “realizar consórcios entre municípios vizinhos para construir aterros sanitários e um polo para recicláveis, com o objetivo de fechar os lixões clandestinos; tratamento dos resíduos sólidos para geração de energia por usinas da inciativa privada ou PPPs”, entre outros. Se na retórica da campanha a iniciativa privada assume o protagonismo na questão ambiental, a operacionalização com as metas para as instituições públicas fica restrita a questões genéricas, como: promover Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para agricultores familiares pela Emater; gerar dados de produção pesqueira e comercialização para operacionalizar a cadeia produtiva da pesca; realizar um concurso de inovação na Gestão de Resíduos Sólidos etc. Esta última poderia ter foco no ensino técnico e na geração de empregos na região voltados para o tema, como na demanda de uma prometida escola técnica no Parque Novo Rio, em São João de Meriti, ao invés do fechamento de uma Faetec, como ocorreu recentemente no Parque Araruama, bairro próximo.

 

Outras metas podem ser promissoras, como a de incentivar por meio do Iterj a produção nos Assentamentos de Reforma Agrária, apoiando a autogestão das associações. Porém, a realidade nos assentamentos é distinta, como no caso do assentamento Terra Prometida, com ameaças constantes e extração ilegal de areia no entorno, mesmo com a cobrança do MPF sobre o Inea, em plena Área de Proteção Ambiental do Alto Iguaçu. O governo também tem como meta implementar o Zoneamento Ecológico Econômico para integrar os municípios e fomentar através do Inea a logística reversa de resíduos sólidos como condicionante de licenciamento ambiental para implementar a economia circular no estado.

 

Para chegar nestas idealizações, é preciso antes encarar a realidade de um “desenvolvimento” a qualquer custo, que até agora desconsidera a população que esteja no caminho do “progresso”. Daremos alguns exemplos da “terra arrasada” a ser recuperada.

 

  • O processo de instalação e operação da Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), em parceria com a vale, desrespeitou a legislação ambiental e o modo de vida da população local, sobretudo dos pescadores artesanais.
  • A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) mantém seus resíduos industriais em um depósito a 50 metros do rio Paraíba do Sul, em Volta Redonda, provocando risco à saúde dos moradores e ameaçando o abastecimento de água de milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Realidade ignorada pelos planos de despoluição do mesmo rio por Witzel, que propõe a melhoria da gestão compartilhada de seus recursos hídricos e uma PPP para um projeto de reuso que reduza a poluição do rio.
  • O lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, foi fechado no contexto da Rio+20. A Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio (Comlurb) e a empresa Gás Verde firmaram um contrato em 2007 para exploração do gás, tratamento do chorume e cuidados com o meio ambiente. Porém houve descumprimento do contrato, com vazamento de chorume para o rio Sarapuí. Multas foram aplicadas pelo Inea, mas depois liberadas por um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) condicionado a solucionar os problemas, que perduram até hoje, conforme denúncia da Associação de Pescadores de Duque de Caxias.
  • O aterramento para construção de galpões e o loteamento ilegal de terras públicas articulado por milicianos ameaçam a Área de Proteção Ambiental do São Bento, em Duque de Caxias. Esta possui uma função ecológica como piscinão natural para o escoamento das águas dos rios Iguaçu e Sarapuí na cheia e das marés da Baía de Guanabara, o que previne enchentes. Um dos projetos para a região é a instalação da CEARJ, na margem da Rodovia Washington Luís, não obstante o alerta de ambientalistas sobre os prejuízos ao meio ambiente. A APA, criada 1997, abriga ainda o Museu Vivo do São Bento e o sítio arqueológico dos sambaquis, importante foco de resistência da memória social da Baixada.
  • São despejados, diariamente, milhões de litros de esgoto doméstico e industrial na Baía de Guanabara, além do impacto da indústria do petróleo. Quilômetros de dutos da Petrobrás cortam o fundo da Baía. Pescadores denunciam a prática da lavagem dos porões dessas embarcações e o consequente descarte de água contaminada na baía.

 

Houve uma omissão em relação às Unidades de Conservação no Estado, há apenas uma menção no plano de governo de recuperar Parques Estaduais por meio de convênios com a União e as Prefeituras, visando o acesso dos visitantes e dos pesquisadores, sem reflexos nas metas das instituições públicas e nos constantes ataques que estas unidades sofrem. Consideramos uma forma de conivência com o desmonte realizado em âmbito federal, e denunciado por ex-ministros do meio ambiente. Também se destaca o tipo de abordagem sobre a água, que se com Bolsonaro teve a saída da Agência Nacional de Águas (ANA) do ministério do meio ambiente para o do desenvolvimento regional, no governo Witzel os Comitês de Bacias Hidrográficas não terão papel de destaque. A participação da sociedade civil nestes espaços, apesar de questões como a assimetria na representatividade em relação às empresas, ainda era um contraponto necessário e que precisa ser respeitado. Ainda mais com a proposta do plano de governo de utilizar 3% dos Royalties do petróleo para um fundo de revitalização da Baía de Guanabara, através de ações e projetos de saneamento básico na bacia hidrográfica. Apesar de nenhuma meta operacionalizar essa proposta, é primordial o papel do CBH-BG e dos Conselhos Municipais na fiscalização de sua eventual concretização, na contramão do que o governo tem feito, como por exemplo, no caso da segurança pública, ao eliminar a participação popular.

 

A Baía de Guanabara é um espelho do que é a Baixada na questão do saneamento. Hoje ela é voltada para a logística do petróleo e não para a vida das pessoas. Um exercício de imaginação da Baía com seus rios revitalizados, garantindo segurança alimentar com os pescadores artesanais que são nossos guardiãs das águas, áreas de lazer para os moradores e um turismo que considere a memória social do local, nos faz acreditar que pode ser diferente. Uma reinvenção da Baía, tal qual propõe o PDUI, que desconsidera os problemas históricos das comunidades do entorno, revela uma total inversão de prioridades.

 

Considerações finais

A avaliação inicial do governo Witzel nas áreas de saneamento, infraestrutura e meio ambiente não se restringe ao seu caráter de denúncia, mas demanda um horizonte de controle social que parece fora dos planos do governo. Suas diretrizes realçam o viés econômico e o protagonismo da inciativa privada, em detrimento dos aspectos sociais. Os conflitos socioambientais que ocorrem na Baixada não são uma coincidência, são fruto de injustiças ambientais sistemáticas, reservados para quem está dentro dos limites das zonas de sacrifício definidas por um racismo estrutural. Há identidade em várias lutas na periferia da Região Metropolitana, como no caso da privatização do saneamento em São João de Meriti e na Zona Oeste da Capital, ou na tentativa de fazer uma via nas margens do rio Sarapuí, na Baixada, e outra similar no rio Alcântara, em São Gonçalo, ambas sem a menor consideração com a população afetada. Por isso a necessidade de articulação entre vários movimentos, como a que o Fórum Grita Baixada promove nesta série, além de um olhar transversal para as questões colocadas pelo novo governo. Não há uma solução isolada e desarticulada, muito menos de cima para baixo vindo de um gabinete técnico. O enfrentamento e o controle social, desde a elaboração até o monitoramento, é a garantia de não retroceder nas conquistas, rumo à ruptura com um sistema estruturalmente excludente e desumanizador.

 

Não podemos nos deter no nível micro, mas ao mesmo tempo iniciativas como as que estão em processo no Parque Analândia em São João de Meriti, como a captação de água de chuva, a horta comunitária, o sistema antitérmico com caixas de leite e a construção de móveis a partir de pallets usados, são tecnologias sociais que buscam alternativas e agregam muitas pessoas. Se algumas iniciativas ainda estão restritas a sementes, com as dificuldades de conciliar com o trabalho, viagens diárias no transporte público e o uso de um restrito tempo de descanso, devemos usá-las para questionar a “ausência” do poder público e a quem ele está servindo. O nosso papel no conselho da Câmara Metropolitana é servir de contraponto e pautar neste espaço as demandas dos moradores. Ocorreram neste mês duas audiências públicas sobre saneamento organizadas pela comissão especial da região metropolitana da ALERJ, mas estas foram marcadas pelo boicote do poder executivo, inclusive com a exoneração dos integrantes da executiva da Câmara Metropolitana e da proibição dos remanescentes de comparecerem. Ainda há um longo caminho a ser construído, mas este não será feito sozinho, pois temos o apoio das pessoas que sofrem cotidianamente e das histórias dos militantes que dedicaram e continuam dedicando sua vida à causa.

 

 

 

[1] Para histórico, ver livro: Britto, A. L. e Porto, H. R. L (Orgs) Serviços de Saneamento na Baixada Fluminense: problemas e perspectiva. Rio de Janeiro: Observatório de Políticas Urbanas: IPPUR: FASE, 1998: pag. 25.