ARTE DEBATEDORES NOSSOS MORTOS TEM VOZ 2.png

22 de março

Violência de Estado discutida por especialistas  

Com estreia marcada para a próxima terça-feira (dia 27), no Cine Odeon, o documentário "Nossos Mortos Têm Voz" virá acompanhado de debate pós exibição e servirá de base para discussão sobre os tipos de violência que mais atingem a população pobre da Baixada Fluminense. Nessa matéria especial, traçamos o perfil de quem irá contribuir com análises e perspectivas para além do filme.

 

Texto – Fabio Leon (Fórum Grita Baixada) e Aline Souza (Casa Fluminense), com informações adicionais das assessorias de Comunicação da Anistia Internacional Brasil e Open Society Brasil  

 

 

Na próxima terça-feira (27/03), após a estreia do documentário Nossos Mortos Têm Voz, que retrata de forma comovente a luta de um grupo de mães da Baixada Fluminense e de favelas cariocas em busca de justiça e reparação por causa de entes assassinados por agentes do Estado, um debate com especialistas das áreas de direitos humanos, justiça e segurança pública também ganhará força para se problematizar o atual cenário de violência. Conheça o perfil dos debatedores que, por suas contribuições para a construção de um mundo mais justo e solidário, representarão as vozes dos que não podem mais se defender. Todos velhos conhecidos do Fórum Grita Baixada.   

 

 

JUREMA WERNECK – diretora executiva Anistia Internacional Brasil

 

Médica, possui mestrado em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ (2000) e doutorado em comunicação e cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2007. Tem ampla experiência nas seguintes áreas: políticas públicas para gênero, raça e equidade, anti-racismo, mulheres afro-brasileiras, cultura afro-brasileira e saúde da população afro-brasileira. Foi fundadora da ONG Criola, organização de mulheres negras no Rio de Janeiro. Com mais de vinte anos de experiência, ela vem trabalhando junto a organizações, movimentos sociais e ativistas do campo dos direitos humanos,

 

Também uma parceira de lutas junto com o Fòrum Grita Baixada, ela participou, em 20 de julho do ano passado, de debate como parte da campanha 2º. Julho Negro. Na ocasião, o Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu (CDHNI) e o FGB realizaram um painel para discutir os resultados apurados pelo Atlas de Violência 2017, um estudo publicado recentemente sobre a o perfil dos homicídios no Brasil realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O estudo mostra que jovens negros são as principais vítimas da violência no Brasil. O painel do Julho Negro, intitulado “Para Além dos Números”, ilustrou a importância da humanização das estatísticas e das pesquisas. Especificamente, os pesquisadores revelaram o racismo institucionalizado por trás dos números surpreendentes que colocam a polícia brasileira como uma das mais assassinas em todo o mundo.

 

Em artigo de opinião escrito para o site “The Huffpost Brasil”, em março do ano passado, ela afirmou que é preciso lutar, antes de tudo, para que toda a sociedade reconheça o problema que é o racismo. “Somente assim conseguiremos enfrentá-lo com recursos e longo prazo, com políticas de Estado e compromisso de todos. Para criar e gerir as políticas de modo eficiente, é importante conhecer o racismo em detalhes, saber onde ele está, como atua e seus efeitos sobre as pessoas – lembrando que estas políticas precisam ajudar a superar outras desigualdades também. Também precisamos reconhecer que sem as mulheres negras e seu pensar ativo não teremos o pleno exercício de nossos direitos. Ser mulher negra é enfrentar a dor, enfrentar a luta cotidiana, tentar sobreviver e seguir mais adiante. A dor não vai passar, mas a mulher negra se levanta generosamente para lutar de forma que outras não experimentem o que ela viveu”, escreveu.

 

PEDRO ABRAMOVAY – diretor da Open Society Foundation Brasil

 

É advogado, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília. Foi Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e ocupou a Secretaria Nacional de Justiça do Governo Federal. Foi diretor de campanhas do site de petições Avaaz entre Março de 2012 e Julho de 2013, além de professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) entre Fevereiro de 2011 e Agosto de 2014.

 

Em sua passagem como titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, defendeu projeto que prevê o fim da prisão para pequenos traficantes, que atuam no varejo apenas para sustentar o próprio vício. São pessoas que, segundo a definição do secretário, estariam numa situação intermediária entre o usuário e o traficante ligado ao crime organizado. Abramovay vê com simpatia também a experiência de Portugal que, há dez anos, liberou o consumo de pequenas quantidades de droga. Mas entende que o assunto tem de ser discutido exaustivamente com a sociedade.

 

Profundo defensor de uma revisão urgente sobre a atuação de agentes de segurança no combate ao tráfico de drogas, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, em janeiro de 2011 que “É prática corrente nas polícias brasileiras arquivar mortes por policiais como ‘auto de resistências’ ou ´resistências seguida de morte´. É um subterfúgio jurídico para evitar que se investigue mortes causadas por policiais. São dezenas de milhares de mortos pela polícia no Brasil na última década. A imensa maioria não foi investigada. Foi arquivada com um "auto de resistência". Um procedimento que muitas vezes afirma apenas que o morto era sabidamente traficante de drogas.

 

FABIO AMADO, defensor público

 

Em agosto de 2017, O Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu (CDHNI), em parceria com o Fórum Grita Baixada, e em colaboração com a prefeitura de Belford Roxo, trouxeram, pela primeira vez para a Baixada Fluminense, o Curso Defensores da Paz . O objetivo era detectar e fomentar agentes multiplicadores de direitos para a redução de danos causados pelas perdas políticas em seu cotidiano. Com essas informações básicas, elas podem ter instrumentos para levar a outras pessoas, formas legais e constitucionais para a resolução das questões apresentadas no curso.

 

Fabio Amado, então recém empossado no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDEDH) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, cuja instituição foi a criadora do Defensores da Paz, afirmou, na época, que realizaria monitoramentos nas instituições onde houvessem indícios de vulnerabilidade de direitos humanos. “Incrementaremos a atuação junto a sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos e atuaremos de forma coesa com os demais núcleos temáticos da Instituição objetivando o estabelecimento de pautas estratégicas, a fim de influir em políticas públicas”, declarou ao site do Fórum Grita Baixada.

 

Numa segunda ocasião, naquele mesmo mês, dessa vez no 1º Seminário de Direitos Humanos, (link)  promovido por uma universidade privada de Nova Iguaçu, o defensor público elencou os desafios que tentam se sobrepor a uma agenda mais progressista no Brasil: onda ultraconservadora, corrupção desenfreada, ausência de políticas de educação, sistema prisional, conflitos agrários, dentre outros. Para ele, houve avanços e mais espaço para as chamadas pautas igualitárias, como o casamento e adoção por casais homoafetivos, a inclusão com pessoas com deficiência, a retirada de milhares de pessoas de extrema pobreza com programas assistenciais e de transferência de renda, etc.  http://www.forumgritabaixada.org.br/1-seminario-direitos-humanos-da-baixada-fluminense

 

 

HENRIQUE SILVEIRA, coordenador executivo da Casa Fluminense (mediador)

 

Formado em Geografia, com mestrado em Cultura e Comunicação, ambos pela UERJ/FEBF. Atualmente é Coordenador Executivo da Casa Fluminense, uma associação dedicada a construção de políticas e ações públicas no Rio. Antes, trabalhou como Analista de Responsabilidade Social do SESC-Rio, atuando na gestão de projetos de Ação Comunitária e Educação Ambiental. Também trabalhou no instituto Pereira Passos (IPP-Rio), como Gestor Local do Programa UPPSocial, e no IBGE, como Supervisor Censitário durante o Censo 2010.

 

Na função de Gestor Local no Complexo do Alemão, com a tarefa de implantar o programa UPPSocial nesse território e coordenar a equipe de campo, foi o responsável pelas seguintes atividades: Realização de Fóruns e reuniões comunitárias; suporte às ações do poder público; relacionamento com parceiros do terceiro setor; mapeamentos das iniciativas locais e demandas de campo; e matriz de ações para o território.

 

Em junho de 2015, numa parceria entre o Fórum Grita Baixada e Casa Fluminense, lançou a Carta da Baixada, um documento com propostas de políticas públicas para uma segurança cidadã e uma cultura de paz na região. A Carta é um dos resultados do Curso de Segurança Pública e Cidadã na Baixada Fluminense, iniciativa promovida pela Casa Fluminense e o FGB, financiada por uma vitoriosa campanha de crowdfunding.

 

Ao escrever um artigo sobre a Chacina da Baixada, a mais sangrenta da história do Rio de Janeiro, e matéria-prima do documentário Nossos Mortos Têm Voz, afirmou que “em linhas gerais, a chacina de 2005 foi uma expressão radical de um padrão de violência que marcou a Baixada nas últimas décadas. Esse padrão é caracterizado pela atuação dos grupos de extermínios, majoritariamente composto de policiais e com o apoio de políticos locais”.

 

JOSÉ CLAUDIO SOUZA ALVES, sociólogo

 

Com opinião muito parecida, o pesquisador afirmou, em maio de 2017, durante o lançamento do Relatório Brasil Dentro do Brasil Pede Socorro que “o cenário de violência histórica na Baixada Fluminense é muito peculiar devido a uma série de fatores”. A começar pela criação de grupos de extermínio que ganhou força graças ao financiamento de empresários que se sentiam ameaçados pela criminalidade. Eles seriam a primeira geração das milícias, mas hoje detêm muito mais poder do que seus antepassados. Para o sociólogo, o crime organizado nunca esteve dissociado do Estado. “Uma prova disso é a grande quantidade de vereadores, secretários municipais e prefeitos de várias cidades da Baixada que são coniventes ou têm relação de amizade com matadores notórios em suas localidades”.

 

Ele é autor de um impactante trabalho sobre a violência urbana. No livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história da violência da Baixada Fluminense” A raiz deste padrão de execuções sumárias é encontrada na formação social e política da região, com destaque para o processo de criação dos Esquadrões da Morte, na ditadura civil-militar e, posteriormente, no surgimento dos grupos de extermínios que, na década de 1990, passam a ter vários de seus membros ocupando cargos políticos como vereadores, prefeitos e deputados. É nesta articulação política que se processa a transformação do assassino em “herói”, sua mistificação e sua relação com demais esferas e grupos políticos, ávidos por terem acesso a 25% do eleitorado do estado, composto por uma população encurralada pelos mais degradantes índices de pobreza, educação e saúde.

 

A inspiração veio em 1993 quando se debruçou sobre o livro de Mike Davis, “Cidade de Quartzo” onde analisa o passado de Los Angeles e reconstrói a lógica de poder dos grupos políticos que governaram a cidade. “Eu fiquei muito impressionado com a metodologia de análise de Mike Davis que, inclusive, é um intelectual de esquerda. Este livro ajudou a costurar minha idéia de estudar a violência na Baixada Fluminense, onde eu comecei a militar em 1983, primeiro na Igreja Católica, depois nos movimentos de bairro e no PT do qual sou um dos fundadores naquela região. Porém, tomei a decisão de estudar a violência na Baixada quando ocorreu a chacina em Vigário Geral, em 30 de agosto de 1993, onde eu morava naquela época.

 

Também participarão do debate, Luciene Silva e Nivia Raposo, duas mães vítimas da violência de Estado e que foram entrevistadas para o documentário.

 

Saiba mais sobre o documentário

 

No dia 27 de março de 2018 acontecerá a estreia do curta documentário "Nossos Mortos Têm Voz". O evento de estreia do filme acontecerá no Cine Odeon, localizado na Praça Floriano, nº 7 - Cinelândia - RJ. A exibição do filme começa às 18:30h e em seguida haverá um debate com a presença dos diretores do filme, representantes do Fórum Grita Baixada, do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu e com mães e familiares protagonistas do filme.

 

O documentário "Nossos Mortos Têm Voz" foi realizado a partir da parceria entre a Quiprocó Filmes, o Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, o Fórum Grita Baixada e a Misereor. Tendo como foco principal o depoimento de mães e familiares de vítimas da violência do Estado na Baixada Fluminense, o documentário pretende trabalhar com as histórias atravessadas por essas perdas. Pretende-se resgatar a memória das vidas interrompidas trazendo uma visão crítica sobre a atuação do Estado através das polícias na Baixada Fluminense, sobretudo no que diz respeito à violência contra jovens negros. A estreia do filme acontece no mês em que a Chacina da Baixada completa 13 anos. No dia 31 de março de 2005, policiais do Estado do Rio de Janeiro assassinaram 29 pessoas, em Nova Iguaçu e Queimados.

 

- "O 'Nossos Mortos Têm Voz' busca traduzir para a linguagem cinematográfica o grito das mães e familiares vítimas da violência de Estado na Baixada Fluminense, que lutam pela memória e justiça dos seus filhos e familiares. Queremos provocar inquietação nos agentes do Estado e nas suas instituições, mas sobretudo desejamos que o filme potencialize todo o trabalho e militância das mães e familiares massacrados pelo Estado. Nossos Mortos têm Voz é um grito que expressa a dor das mães ao mesmo tempo em que as coloca como protagonistas na luta pelo direito à vida nas favelas e periferias do Brasil", contam os diretores Fernando Sousa e Gabriel Barbosa.

 

Adriano de Araujo, coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, defende que Nossos Mortos têm Voz, ao jogar luz sobre a histórias de vida de mães e familiares, acaba contribuindo para o surgimento de narrativas potentes e instigantes sobre lutos e lutas dessas mães da Baixada Fluminense. “Esperamos que o filme possibilite uma reflexão sobre essas vidas, tanto das que foram, quanto das que ficaram e as que virão”, afirmou.

 

Sinopse

 

A narrativa do documentário é construída a partir do depoimento e do protagonismo das mães e familiares vítimas da violência de Estado da Baixada Fluminense. Tendo como ponto de partida esses casos, mas não se limitando à crueza da violência praticada, o documentário pretende trabalhar com as histórias atravessadas por essas perdas. Pretende-se resgatar a memória dessas vidas interrompidas trazendo uma visão crítica sobre a atuação do Estado através das polícias na Baixada Fluminense, sobretudo no que diz respeito à violência contra jovens negros.

 

Contexto histórico

 

Entre as décadas de 1950 e 1970, a Baixada Fluminense foi projetada nacionalmente pela atuação de esquadrões da morte. Nos anos 1980, a Baixada novamente ficaria marcada pela atuação de grupos de extermínio, ambos compostos por policiais e outros agentes do Estado. Ao longo desse período matadores foram eleitos a cargos políticos e a influência dos grupos criminosos penetrou nas estruturas de poder legislativo, executivo e do judiciário. A partir da década de 90 observa-se a expansão e a presença do tráfico varejista de drogas e a emergência das milícias, especialmente nos anos 2000 e 2010.

 

As estruturas de poder político e de ganhos econômico-sócio-culturais calcadas na violência se consolidaram, modificaram e se reconfiguram permanentemente, sobretudo nas esferas do poder econômico e político. Essa configuração faz com que as taxas de violência letal sejam umas das mais altas do país. Somente entre os anos 2006 e 2016, foram assassinadas 20.645 pessoas na Baixada Fluminense. Esse número representa 30% das mortes violentas do estado do Rio, com taxas anuais que superam 60 assassinatos por 100 mil habitantes. A letalidade policial soma a essa realidade números alarmantes, com 2216 casos registrados durante mesmo período, correspondendo a aproximadamente 12% das mortes violentas da Baixada.

 

Trilogia da memória

 

O documentário "Nossos Mortos Têm Voz" é o segundo filme da "Trilogia da Memória", da qual fazem parte os documentários "Nossos Sagrado" e "Entroncamentos". Enquanto dimensão incontornável da nossa humanidade, a memória não só nos define como também constrói nossa experiência social. A luta contra o esquecimento é a luta contra a morte, o fenecimento. Na "Trilogia da Memória", ela aparece como um instrumento de resistência contra o Estado que, de forma violenta, insiste em apagar as memórias de pessoas e lugares. Recontar a história a partir da narrativa não oficial é o passo fundamental para a transformação do presente e do futuro. A narrativa da memória é a arma com a qual buscamos continuar contando (para nós mesmos) quem somos.

 

Página do filme no Facebook: www.facebook.com/NossosMortosTemVoz

ARTE DEBATEDORES NOSSOS MORTOS TEM VOZ.png
NOSSOS MORTOS TEM VOZ 2.png